Um Wagner proibido de tocar no Steinway do Teatro Guaíra
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de março de 1992
Foi só graças ao bom senso da professora e pianista Cloris de Sousa Ferreira, coordenadora artística da Fundação Teatro Guaíra, que o Paraná deixou de ser uma notícia nacional que colocaria em ridículo todo o esforço que se faz para promoção cultural do estado. Na noite de 27 de fevereiro, um dos melhores pianistas brasileiros, Wagner Tiso, parceiro ("Coração de Estudante", o hino das diretas) e arranjador de Milton Nascimento desde os tempos de Três Pontas, MG, por pouco não desistiu de fazer sua apresentação no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto.
Apesar de curriculum dos mais ilustres - ainda recentemente passou um ano na Espanha, desenvolvendo projetos especiais - Wagner, viu com surpresa, a estranhíssima recusa para utilizasse o Steinway do teatro. O superintendente da FTG, o ator carioca Oswaldo Loureiro, havia sido implacável na determinação passada a Fernando Ferreira, produtor do espetáculo: o piano só é utilizado em espetáculos sinfônicos. Acostumado a usar os melhores instrumentos do mundo - e tendo sido o primeiro pianista a gravar um lp no Brasil com o Bosendorfer, da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, Wagner estranhou a determinação. Afinal, nunca, em qualquer parte do mundo, soube de um músico de bom curriculum ser impedido ao acesso de um instrumento importado.
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Criado o impasse, houve a intervenção do carioca Guttemberg Pereira, o mais competente afinador de instrumentos Steinway e Bosendorfer no Brasil, que, coincidentemente, se encontrava em Curitiba. Junto a Cloris de Sousa Ferreira, professora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, pianista e que tem organizado com eficiência os festivais de música de Londrina e Cascavel, Guttemberg mostrou que seria ridículo proibir que um artista da dimensão de Wagner Tiso utilizasse o Steinway do teatro. Cloris, totalmente de acordo, conseguiu convencer Loureiro, que, a contragosto, teve de admitir que havia exagerado em seu autoritarismo. Mais grave ainda, porque Loureiro se diz apreciador de música e tem, inclusive, veleidades de cantor lírico.
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O reduzido público que compareceu ao auditório Bento Munhoz da Rocha Neto na noite de quarta-feira, 27, assistiu o primeiro grande concerto do ano - e que se pode classificar como um dos mais significativos espetáculos de música instrumental acústica já realizados naquele teatro. Wagner no piano, num trabalho perfeitamente equilibrado a virtuosidade de seus colegas - o pistonista Marcio Montarroyos, 44 anos e o baixista Nico Assumpção, 32, apresentou clássicos da MPB - em revisões muito especiais - que havia gravado em seu último álbum ("Profissão: Músico", Polygram, 91) - intercaladas de alguns temas diversos, inclusive um belíssimo arranjo para "What a Wonderful World" (Louis Armstrong), possibilitando a Montarroyos um dos mais emocionantes solos da noite. Abrindo com "Brasileirinho" (Waldir Azevedo) e prosseguindo com "Por Causa de Você", "Vera Cruz" , "Na Baixa do Sapateiro", "Dom de Iludir" (Caetano), "Vento Bravo" (Edu Lobo), "Da Cor do Pecado" (Bororó), o recital - e este é o termo exato para o espetáculo por sua qualidade, encerrou com "Cravo e Canela" (Milton/Ronaldo Bastos), sob aplausos delirantes do público informado, que soube prestigiar o concerto. Três momentos especiais foram as execuções de "Os Cafezais Sem Fim" (do próprio Wagner), "Pedra Bonita" de Montarroyos e "Pavana" (Fauré).
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O recital foi refinadíssimo em termos instrumentais, (com)provando mais uma vez a dimensão do acústico em sua utilização por virtuoses da dimensão de Wagner, Márcio e Assumpção. Um espetáculo que, promete o empresário Fernando Ferreira, deverá ter um replay, talvez em temporada mais alongada, possivelmente no segundo semestre do ano e no auditório do Palácio Avenida - no qual aliás o pianista Miguel Proença, inaugura nesta quinta-feira, às 21h, o Bosendorfer (US$ 75 mil), para cuja afinação o especialista Guttemberg veio a Curitiba no dia 27. E, por certo a administradora do auditório, a eficiente Marlene Montenegro, não impedirá Wagner Tiso de utilizar o instrumento. Ao contrário, dedos mágicos de tecladistas como Tiso só valorizam os pianos por eles utilizados.
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