Uma academia de MPB para Curitiba (que Herminio e Joel idealizaram)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de junho de 1992
Dentro de alguns dias, com muita pompa e, principalmente, marketing promocional, o prefeito Jaime Lerner estará anunciando uma nova unidade cultural a ser implantada em Curitiba: uma espécie de academia de música popular. Para garantir repercussão à iniciativa já foi contratada uma competente jornalista com trânsito nacional e, possivelmente, uma revoada de artistas ligados à MPB estará na cidade.
Embora ainda não tenham sido liberados maiores detalhes, sabe-se que o diretor-artístico desta futura academia de MPB será o pianista, regente e arranjador Roberto Gnattali, sobrinho do grande Radamés Gnattali (Porto Alegre, 27/1/1906-Rio de Janeiro,3/2/88). Para a coordenação-geral foi contratada a sra. Júlia Pelegrino, cearense do Crato, radicada há anos no Rio de Janeiro e que nos últimos meses tem permanecido longas temporadas em Curitiba, sempre como hóspede e prestando serviços à Fundação Cultural de Curitiba. Sua última estadia foi na condição de coordenadora-executiva da Exposição Internacional de Histórias-em-Quadrinhos.
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Roberto Gnattali, que formou há alguns anos uma orquestra destinada a divulgar a música brasileira, na qual seus integrantes apresentam-se de forma não-convencional - vestidos de índios, cowboys etc. tem participado dos últimos Festivais de Música promovidos pela FCC. Este ano, ao longo de um jantar muito especial com Lerner, falou de suas idéias e Jaime, imediatamente, o convidou para implantar a Academia de MPB. Nos meios musicais do Rio de Janeiro, Roberto tem algum conceito, embora sua orquestra só tivesse conseguido gravar um elepê patrocinado pela Coca Cola (posteriormente distribuído pelo Estúdio Eldorado). Também devido a dificuldades de produção a orquestra - da qual fazem parte bons instrumentistas - tem rareado suas apresentações.
Júlia Pelegrino é uma burocrata que graças a Hermínio Bello de Carvalho, quando este dirigia a Divisão de Música Popular do Instituto Nacional de Música, ali se integrou a projetos musicais, chegando, inclusive, a assinar a produção de alguns bons elepês, concebidos e supervisionados por Hermínio e outros profissionais.
O projeto é ambicioso, com o envolvimento de músicos locais e, especialmente, integração a profissionais de outros estados. Detalhes deverão ser dados nos próximos dias.
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Méritos à parte desta iniciativa, alguns fatos devem ser registrados por uma questão de verdade histórica.
Em 12 de abril de 1980 - coincidentemente, na data em que morria o clarinetista e compositor Abel Ferreira (nascido em Coromandel, MG, em 15/2/1915), era inaugurado em Curitiba, no Pilarzinho - próximo ao local em que hoje se localiza a Universidade Livre do Meio Ambiente/Parque Chico Mendes, a Praça Jacob do Bandolim. Para a homenagem ao grande executante de bandolim, compositor e líder do grupo "Época de Ouro", Jacob Pick Bittencourt (RJ, 14/2/1918-13/8/1969), o Hermínio Bello de Carvalho, parceiro e amigo do homenageado e idealizador da Camerata Carioca, veio a Curitiba. Na época, entre outros integravam aquele extraordinário grupo, músicos como Rafael (violão) e Luciana Rebello (cavaquinho), Maurício Carrilho (violão) e Joel do Nascimento (Bandolim). Após o musical - inauguração, com um emotivo concerto, a convite do prefeito Jaime Lerner, o grupo foi almoçar no restaurante do Guilhobel, na Avenida N.S. da Luz, Alto da Rua XV de Novembro - então famosa por seu barreado preparado por dona Regina. Embalado por muitas caipirinhas e cervejas, o musical papo acabou numa sugestão de Joel do Nascimento ao prefeito: considerando as condições de Curitiba, por que não implantar aqui uma academia de música popular, de características não convencionais, capaz de valorizar os instrumentistas e compositores locais. Lerner, na época um arquiteto e administrador que se preocupava mais com a cultura do que a política e o poder internacional, vibrou com a idéia. Num guardanapo, com sua letra clara, chegou a fazer o manuscrito de uma "ata de intenção", assinada por todos. Convocou Hermínio para coordenar o projeto.
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Hermínio Bello de Carvalho, um carioca de 57 anos - completados no dia 28 de março, a quem a cultura brasileira tanto deve - como poeta, letrista, produtor de disco e shows, responsável pela Divisão de Música Popular [da] extinta Fundação Nacional das Artes (quantos projetos felizes ali desenvolvidos, como o Pixinguinha, Lúcio Rangel, Almirante etc!) acreditou na sinceridade de Lerner: voltou ao Rio e, como é de seu feitio, procurou desenvolver um projeto objetivo, realista e econômico - mas possível de dar a Curitiba uma unidade única. Convidou um arranjador e musicólogo, Ian Guest (pagando-o de seu bolso) para assessorá-lo. Algumas semanas após, retornava a Curitiba, trazendo Ian e o projeto desenvolvido. Só que o entusiasmo de Lerner esmoreceu. Com pífias alegações, descartou encontros e fez com que Hermínio e Ian permanecessem vários dias hospedados no Araucária Palace Hotel, sem qualquer decisão a respeito - apesar de, nestas alturas, já ter havido as primeiras despesa.
Elegantemente - como é de seu feitio - Hermínio redigiu uma educada carta a Lerner, expondo sua surpresa pelo fato de uma idéia que ele havia estimulado - nascido de uma sugestão de Joel do Bandolim - ficar em banho-maria. Retornou ao Rio de Janeiro, manteve suas atividade e nunca mais tocou no assunto.
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Agora, ao saber de que aquele projeto havia "nascido" com novos "pais" e reunindo pessoas com quem ele não tem o menor vínculo (Júlia Pelegrino, havia se afastado da FUNARTE), Hermínio manteve sua posição elegante e discreta. Evitou fazer qualquer crítica e, pessoalmente, nos confessou, que tal atitude não o [surpreende], pois, ao longo de sua intensa vida de animador cultural, acostumou-se a ter projetos idealizados e desenvolvidos, congelados momentaneamente - e depois retomado por outras mãos, com outras finalidades.
Pelo amor que tem à MPB - a importância que dá à necessidade de se valorizar nossos músicos (tema para todo um futuro comentário), Hermínio deseja que a Academia que agora nascerá, possivelmente com generosas verbas e muita badalação promocional, tenha sucesso e cumpra seus objetivos.
De sua parte, nada pretende. A quem tem uma obra como ele - na música, na vida cultural, na literatura - um projeto a mais ou a menos que é prejudicado de forma tão estranha, não o incomoda.
Aqui fica este registro para a história de nossa "vida cultural'. Acompanhamos e presenciamos todo o seu desenrolar e, como Hermínio, também desejamos sucesso ao carioca Gnattali e a cearense Júlia Pelegrino, contratados pela Fundação Cultural de Curitiba - não se sabe sobre quais critérios - que consigam levar adiante o projeto que, a rigor, há 12 anos já deveria ter sido implantado.
E, para o prefeito Jaime Lerner, tão conhecido, admirado e prestigiado nacional e internacionalmente, por certo esta será mais uma iniciativa que lhe valerá muitos elogios, destacando sua criatividade e empenho pela vida cultural tupiniquim. Sejam felizes!
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