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Aramis

Um festival de cinema com ritmo musical

Filmes sobre música e músicos como "Bring the Night" de Michael Apte (diretor de "O Mistério de Agatha" e "O Destino Mudou sua Vida"), que faz com que mesmo quem não gostasse se reconcilie com a música de Sting - apresentado de uma forma extremamente humana e bem comportada. Mais uma dezena de vídeos que, direta ou indiretamente abordam também a música - desde a tietagem gay-coroa em torno de Emilinha Borba - até dois vídeos de Valéria Burgos sobre Marina Valença ou documentários sobre shows de Ney Matogrosso, Nina Haggen, Alceu Valença e tantas outras personalidades musicais. Trilhas sonoras das mais marcantes nos filmes em competição desde o reaproveitamento que Antonio Carlos Jobim fez dos temas do seu (antigo) disco "Saudades do Brasil" para a "Sound-Track" de "A Fonte da Saudade", de Marcos Altberg (inspirado na "Trilogia do Assombro", da irmã de Tom - Maria Helena Jobim) a Henry Mancini ("Assim é a vida/That's Life", concorrente dos EUA) ou mesmo o ridículo uso de uma velha canção dos anos 50 - "Espera-me no Céu, Coração" em "O Matador", a produção kitsch espanhola) - fazem com que, em seu aspecto musical, o FestRio seja um evento a parte. Na urgência de se acompanhar um festival com tantos e múltiplos acontecimentos - exibições, entrevistas, debates, seminários etc. - é impossível se deter numa análise mais profunda, mas, é importante realçar esta integração música-imagem cada vez mais forte. Hoje, compositores como Laurie Anderson, David Byrne ou o baiano Caetano Velloso já não permanecem apenas como criadores musicais. Partem para as realizações, com propostas interessantes, visualmente estimulantes e, naturalmente, atingindo a grande faixa jovem. As histórias de David Tanto os filmes de Laurie Anderson como David Byrne vieram como Hors Concours. Anderson, com suas músicas-performances que o público brasileiro conhecia até agora através dos LPs "Big Science", "Mister Heartbreak" e a trilha de "Home of the Braves" (que a WEA aqui lançou, tão logo o filme estreou nos EUA, no início do ano) foi exigente com a qualidade de som no ART-III, no Shopping Center Fashio Mall, e só permitiu a projeção de seu filme (na verdade um documentário sobre uma de suas mais belas performances, onde mostra toda a alta tecnologia-pop, aliada com uma visão de artista plástica que é intrinsecamente) - no ART-IV, com 192 lugares. Como o público é imenso, o filme teve sessões ininterruptas. Já a presença de David Byrne, 33 anos, líder do Talking Head, não está sendo tão musical. Alguns exemplares do roteiro do filme (Faber and Faber, Londres/Boston, 191 páginas) foram disputadíssimos, enquanto um outro volume (editado pela Viking Penguin) também é curtidíssimo pelo privilegiados que o possuem. O filme de David Byrne deverá ocupar os maiores espaços no próximo fim-de-semana - já que tem sido considerado mais uma mistura de Charles Chaplin e Jacques Tati, do que um "New Wave Erotic Clown", conforme escreveu, de Nova Iorque, a correspondente D' "O Estado de São Paulo". Filmado no Texas, "True Stories" começa e termina com uma figura solitária contra o horizonte plano e deserto. E durante todo o filme Byrne atinge um senso cômico único através da colocação meticulosa dos personagens e dos objetos dentro de uma paisagem desértica. Como o narrador do filme, Byrne é o único vaqueiro da cidade, que vagueia por Virgil, a cidade fictícia onde se desenrola o filme, em reverente perplexidade, fazendo apartes cômicos e permanecendo sempre a certa distância da ação dramática. "True Stories" teve seu roteiro desenvolvido por Byrnes desde 1983 a partir de histórias humanas selecionadas de jornais. Ele assim desenvolveu o enredo a partir destes recortes e co-redigiu o roteiro com Beth Henley (prêmio Pulitzer) e Stephan Tobolowsky. Numa pequena cidade do Texas - onde Byrnes, o narrador, chega dirigindo seu conversível vermelho - um Chrysler, se passam estórias estranhas como da "Mulher mais Preguiçosa do Mundo" ou "O Feliz Casal de 31 anos, mas que não conversam". Enfim, um filme com algumas características que, à primeira vista, podem sugerir até lembranças de "Paris, Texas", de Wim Wenders - que há dois anos abriu o I FestRio. O Grande musical Os mais radicais críticos como Edmar Pereira, do "Jornal da Tarde", língua ferina, rigoroso em suas apreciações, disse que poderia ser melhor. Mas admitem que o resultado foi muito bom. Pode-se fazer restrições - talvez a interpretação de Cláudia Ohana (muito malandra-80 para uma história dos anos 40), a queda em certos momentos, no timing geral - mas, a rigor "A Ópera do Malandro" é um filme fascinante. Maravilhoso. No entusiasmo após a primeira visão - na manhã de terça-feira, 25 - pode-se até dizer que é o grande filme do FestRio. Candidato forte a levar algumas premiações - no mínimo a de melhor Malandro Max Overseas está esplêndido. Ruy Guerra, 55 anos, moçambiqueano de nascimento mas pioneiro do cinema novo a partir de "Os Cafajestes" (1962), mostra toda sua competência: assumiu um musical como nos anos de ouro da MGM, que ele curtiu em sua infância - como todos nós. Da peça que Chico Buarque desenvolveu a partir de "A Ópera dos Três Vinténs" (Brecht) e "A Ópera do Mendigo" (do inglês John Gay) (vista em Curitiba, há três anos) - o roteiro extraiu o básico. Mas o final tem algumas mudanças - inclusive de um patriotismo (mesmo que puxado para o americanófilo) de Max Overseas, e, naturalmente um irônico "Happy End". Visualmente, o filme é de deslumbre. Os cenários do Rio de Janeiro do início dos anos 40 (a ação se passa entre 1941/42), mesmo reconstituídos em estúdios (afinal, onde seria possível encontrar paisagens originais sem a poluição imobiliária?), dão visão daquela época feliz da boemia e malandragem saudável da Lapa e arredores. A fotografia de Antonio Luís Mendes, com uma iluminação perfeita, não poderia ser mais profundamente integrada a todo o clima do filme, mas é a coreografia de Regina Miranda, 38 anos o ponto alto do filme. Poucas vezes um musical brasileiro teve um trabalho tão profissionalmente perfeito como este. Diretora do grupo atores brasileiros, a própria Regina explicou o seu trabalho: "Ao contrário dos antigos musicais brasileiros, a dança no filme não é um simples intermezzo do espetáculo nem é decorativa apenas, ela faz a história ir para a frente, integra a narrativa." A trilha sonora não poderia ser melhor. Há um ano em produção de Homero Ferreira, a Philips havia lançado uma espécie de trailler desta sound-track: um elepê com diferentes intérpretes (inclusive Ney Latorraca e Edson Celulari cantando). Dois anos antes da peça "A Ópera do Malandro", já havia sido extraído um excelente álbum capa dupla. Agora, com a estréia do filme - previsto para entrar em circuito comercial antes do Natal - haverá um terceiro elepê, este definitivamente com as músicas do filme. Além dos temas especialmente compostos para o filme, há também, ao final, uma espécie de pout-pourri dos maiores sucessos de Chico - recurso que, para alguns críticos, foi apelativo e dispensável. Entretanto, as músicas de Chico são sempre tão bonitas e críticas a uma época da história do Brasil - elas adquirem ainda maior dimensão com as presenças, dubladas ou não da trilha sonora, de Cláudia Ohana, Elba Ramalho (excelente, a cantriz está demais), Ney Latorraca e Edson Celulari. Fábio Sabbag, como o alemão Otto Strudell, está ótimo. J. C. Viola compõe um belo travesti (Geni), Maria Silvia está marcante como Vitória, a mãe de Lu (Cláudia Ohana) e Ney Latorraca é o delegado-vilão Tigrão. Mas há outras boas presenças no elenco como "satiro bilhar", é Luthero Luiz, como Porfírio, o operador de um cinema onde Max Overseas curte a visão de "Scarface" e outros filmes. Há muito que dizer de "A Ópera do Malandro": um musical belo, bem realizado, que após já ter ido a várias partes do mundo Nova Iorque (onde foi lançado comercialmente), Toronto, Quebec, Paris e, em Cannes, ter sido elogiado na "Quinzena dos Realizadores", no último festival - chega agora ao Brasil. Ruy Guerra estava certo ao recusar mostrá-lo hors-concours e preferir disputar o Tucano de Ouro. O filme tem condições para repetir o feito de "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, em 1984: conseguir a grande premiação do festival. Ou ao menos, um prêmio especial. Chico Buarque e Caetano Velloso não estão somente na televisão, em disco. Neste FestRio, cada um a sua maneira, são presenças cinematográficas. Fortes e marcantes. LEGENDA FOTO - Cena de "True Stories".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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29/11/1986

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