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"Splendor", quando a sala de exibição vira artista

Fortaleza Na elaboração da programação dos filmes em competição e os exibidos hor concours no cine São Luiz, sede do festival, Ney Sroulevich foi muito feliz na escolha para a próxima quarta-feira, 29: o segundo representante do Brasil (o primeiro foi "Que bom te ver viva", de Lúcia Murat, apresentado sexta-feira), "Minas Texas", de Carlos Alberto Prates, antecipará "Splendor", de Ettore Scola - um dos três hor concours programados. De certa forma, há aspectos que aproximam a produção brasileira, rodada no interior de Minas - especialmente a região de Montes Claros, onde nasceu Prates - e "Splendor", o penúltimo filme de Scola, levado ao festival de Cannes e que entusiasmou o público, especialmente os que se preocupam com o fechamento dos cinemas. Pois justamente o fechamento de uma pequena sala de exibição num cidadezinha do interior da Itália - a tal Splendor do título, e suas conseqüências na vida de muitas pessoas, constitui o tema central deste filme terno e emotivo, com tão bem Scola ("Nós que nos Amávamos Tanto", "O Baile", e "A Família") sabe realizar. Marcello Mastroiani é Jordan, o dono do cinema e ao seu lado está Marina Vlady, uma espécie de musa do cinema francês nos anos 50. Numa época em que tantos cinemas tem suas melancólicas últimas sessões, a ótica de Scola não poderia ser mais feliz - e por coincidência, seu filme surgiu paralelamente a outro também tendo o crepúsculo dos velhos exibidores como temática - "Cinema Paradise", de Giuseppe Tornatoe, com Philippe Noiret e Jacques Perrin, numa história ambientada na Sicília dos anos 50. Apesar do Prêmio Especial do Júri no último Festival de Cannes - enquanto "Splendor" ficou sem maior destaque - "Cinema Paradiso" ainda não foi negociado para o Brasil. "Splendor", com toda certeza estará em breve nas telas - falando-se até em seu lançamento como um presente de Natal para os cinéfilos. "Minas-Texas" - quinto longa do mineiro Carlos Alberto Prates ("Criolo Doido", "Perdida", "Cabaré Mineiro", "Noites do Sertão"), obteve várias premiações no recém-encerrado Festival de Brasília - roteiro, atriz (Andréa Beltrão, dividida com Irene Ravache), atriz coadjuvante a Maria Sílvia; fotografia (Gilberto Otero) e trilha sonora (Tavinho Moura). Numa viagem muito pessoal pela memória e no tempo, Prates - que assinou o filme com o pseudônimo de Charles Stone e, em Brasília, recusava-se a falar como diretor (alegando ter sido apenas "produtor executivo" - criou uma história no mínimo original, embora desnecessariamente complexa para o grande público (o que poderá dificultar sua carreira comercial). Explicando seu filme como "uma divertida mistura de cultura americana e cultura sertaneja, uma fábula de costumes eróticos-sentimental aventureira, enfeitada de imagens cinematográficas do passado", Prates ou Charles Stone como prefere assumir - ambientou "Minas Texas" no norte de Minas: é o cenário para a história das fantasias românticas de Januária (Andréa Beltrão) pelo peão de Rodeio Roy (José Dumont). É o flashback que Prates deita e rola na mitologia do cinema, com heróis e heroinas dominando a imaginação popular. Muitas seqüências se passam num típico cinema do interior - cujas sessões dominicais são frequentadas pela virginal Januária e o babaca noivo imposto pela família (Tony Ramos), enquanto ela sonha com o peão Roy. Acaba é sendo mulher de quatro bandidos, o noivo abandona-a no dia do casamento - ao saber que não é mais donzela - e o final é nostálgico e enternecedor. A piração de Roy (uma magnífica interpretação de José Dumont, fugindo de seu estereotipo de nordestino) pelo cinema, é, de certa forma uma homenagem de Prates a um personagem marcante do folclore de Montes Claros, o Mario Quatrocentos, que entrou no único cinema da cidade - o "Fátima" - quando tinha onze anos e ali acabou morando por mais de 50 anos, tornando-se uma espécie de personagem da "Rosa Púrpura do Cairo" ao contrário: ao invés de sair na tela entrou na usina dos sonhos e passou a ter uma "intimidade" com as estrelas e astros de Hollywood como se vivesse na América. Embora sem uma referência direta a este personagem real (o "Fátima" pertencia a um irmão de Darcy Ribeiro, que, sensível a paixão de Mário Quatrocentos pelo cinema, permitiu que ali vivesse toda sua vida, como uma espécie de guardião da sala de sonhos), Roy foi calcado em sua piração. Tavinho Moura, além de autor da belíssima trilha sonora é ainda um dos intérpretes (como o personagem Johnny Mac Bronha, que conduz a narrativa). Afora suas próprias músicas, buscou também temas incidentais - inclusive uma das últimas gravações de Luiz Gonzaga, o "Xótis Ecológico", que marca rapidamente a seqüência final. Carlos Alberto Prates, considerado como um dos mais inventivos cineastas brasileiros, em Brasília chegou a distribuir uma bio-filmografia em inglês de Charles Stone, numa brincadeira bem humorada em que teve o assessoramento de Cosme Alves Neto, da Cinemateca Brasileira, e do crítico Edmar Pereira, mineiro, mas há anos em São Paulo ("Jornal da Tarde"). No irônico texto - que voltou a distribuir agora em Fortaleza para "apresentar" Charles Stone, diz que atualmente esta filmando um nova versão de "The Thief of Bagdad", "a simbolic phantasy film: the giant is the american imperialism. The thief is the underdeveloped people struggling for life". E no "passado" de Stone, estariam seus "trabalhos" com Orson Welles (uma refilmagem de "MacBeth") e um filme inconcluído na Republic ("The Last Waks over the Wall"). Brincadeiras a parte, "Minas-Texas", mesmo concorrendo com filmes peso-pesados, entre os 19 longas de 16 países que estão no FestRio-Fortaleza, ganhará um destaque da imprensa - o que pode auxiliar a sua carreira comercial, ao menos junto a um circuito muito especial. O cinema - isto é, as próprias salas de exibição, como temática - O "Splendor" de Scola, assim como foi o Royal em "Doces Ecos do passado" - que representou o Canadá no FestRio-89 - sem falar no Roxy de "A Rosa Púrpura do Cairo" e agora o cine Fátima de "Minas-Texas", não poderia constituir um cenário mais apropriado para um festival de cinema, também uma usina de sonhos e magia dentro daquela que já foi a sétima arte e hoje torna-se, cada vez mais, uma indústria de frias regras comerciais. Prates nega que seu "Minas Texas" seja uma homenagem a Wim Wenders, embora entre o diretor de "Paris-Texas" (que, justamente, foi o filme de abertura do I FestRio, em novembro de 1984, após ter sido premiado em Cannes) e ele existam ao menos duas coisas em comum: a paixão pelo cineasta Nicholas Ray (1911-1979) e o fascínio pela mitologia do cinema americano, que fez Prates (ou Charles Stone) rechear de seqüências de bangue-bangue de antigos seriados da Republic este seu irmão Jorge e Erasmo Souza e os demais Wester-maníacos do nosso cine Clube Aníbal Requião, que tanto amam a ingenuidade dos filmes de mocinho e bandido, cultuados nas sessões matinais aos domingos no cine Morgenau. LEGENDA FOTO - Jordan (Marcelo Mastroinani), o nostálgico dono do Cine Splendor, uma sala que vive sua última sessão de cinema. Um belo filme de Ettore Scola sobre o crepúsculo dos cinemas das pequenas cidades - que tem sua primeira exibição no Brasil na próxima quarta-feira, 29, como hor concours do FestRio/Fortaleza.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
26/11/1989

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