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Aramis

Beethovem, grande leitor de Homero

Beethoven " conversou" durante toda a sua vida com Homero. A paixão do músico alemão pelo poeta grego foi tão grande que chegou a identificar- se com Odisseu numa "aventurosa viagem por terras inexplorada e hostis". Seus devaneios amorosos com Homero tiveram um involuntário herdeiro no seu único sobrinho Kari, em quem inculcou, sem piedade, sua desmedida paixão provendo- lhe grandes doses das lindas traduções feitas na época pelo crítico e poeta alemão Johan Heirich Voss. Em setembro 1820 o implacável e genial tio recebia a informação de que o diligente Karl havia conseguido traduzir 110 versos de Homero por dia, nas últimas semanas e que já estava em condições de ler os clássicos. Beethoven encomenda imediatamente uma edição de Sófocles. Entrementes, Karl distrai-se lendo o "de Ésquilo. Todos estes deliciosos pormenores da paixão de Beethoven pelos clássicos foram minuciosamente pesquizados por Luigi Magnani que publicou recentemente para a coleção de ensaios da Editora Enaudi um livro intitulado " Beethoven, leitor de Homero". Magnani tem grande familiaridade com Beethoven, já que este último livro é o terceiro de uma trilogia que começou com " O sobrinho de Beethoven" e que continou com " Beethoven nos seus cadernos de conversações". Graças a este íntimo conhecimento de Magnani sobre Beethoven adentramos na ainda mias íntima relação do músico com o poeta. Para Beethoven não havia nada mais digno que o estudo da língua e da literatura grega: apresentando seu sobrinho ao músico inglês Edward Schltz, Beethoven disse: "Se quiser pode propor-lhe um enigma em grego." O jovem Karl, pelo menos nos primeiros anos gostava muito do papel de novo Édipo que o tio lhe havia destinado, como o demonstram algumas cartas transcritas no livro de Magnani. Escrevia Karl ao seu tio, naturalmente em grego: "Se Homero é um deus, honrai-o entre os deuses. Se é apenas um mortal, elevai-o ao papel de Deus." Fraqueza de um dos maiores gênios de todos os tempos que conseguia comover-se até às lágrimas com banalidades do sobrinho escritas em grego. Beethoven, que era um melancólico, como suas inumeráveis biografias o confirmarm, interpretou toda a vida o papel do grande infeliz, que somente por meio de amados modelos heróicos "derrota" a doença e a desgraça. É difícil imaginar em um homem cuja irascibilidade foi famosa; pudesse identificar- se, por exemplo, com o paciente Odisseu, " um irmão que precedeu no caminho da dor, mestre de paciência e de coragem" . Tal como todos os mortais, o grande gênio musical possuía uma escassa autocrítica, já que entre os seus modelos clássicos e a realidade se abria um verdadeiro abismo. Impaciência e intolerância ( " o burguês deve ser excluído dos homens superiores e eu nasci entre estes últimos. Não pertenço por minha atividade a essa massa de plebeus" , afirmava nos cadernos conversações), caracterizaram os atormentados dias da sua vida. Outro "tormento" foi o seu desmedido senso do dever para com o seu sobrinho Karl, já que mal o jovem ficou órfão de pai, Beethoven moveu uma ação judicial para tirá- lo da sua mãe, " mulher nascida para intriga", mestra na arte de simulação", como a definia e colocou-o num colégio. Dali podia fiscalizar tranqüilamente os progressos do jovem nos clássicos. O sobrinho, sensível e delicado, tornou-se o que nos nossos dias seria definido um " inadaptado". Apesar da sua familiaridade com Homero, não consegue tirar nenhuma experiência do paciente Odisseu, rebelando-se continuamente contra a disciplina escolar. E Beethoven, possuído totalmente pelas musas que o haviam " adotado" entre os comuns mortais, entregou-se a elas como um fato inelutável. Sua ânsia de cumprir esta missão que lhe fora conferida foi tão aflitiva que chega ao fim da sua vida totalmente convencido de haver escrito apenas poucas notas. E no desespero de não ter cumprido o seu destino- conta Magnani- lembra uma vez mais suas amadas musas e escreve: " Apolo e as musas não me deixarão ser levado pela morte." ( ANSA)
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
11
03/12/1985

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