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Aramis

A canção que faltou na homenagem a "Che"

Durante dois dias, Sérgio Ricardo fez todo o esforço para lembrar a letra de "Homenagem a Che", que compôs há 20 anos, quando do assassinato de Ernesto Guevara, por forças repressoras na Bolívia. Infelizmente, não conseguiu recuperar o belo poema que, há duas décadas, se constituiu num hino de protesto e emoção, quando o mundo via, chocado, as imagens do idealista guerrilheiro argentino, fuzilado na selva sul-americana. Embora editado num raríssimo compacto, clandestino desde a sua produção, proibida sempre de qualquer execução pública, a canção de Sérgio Ricardo se perdeu na memória do próprio autor. Foi pena! Pois se Sérgio tivesse lembrado da canção a iria interpretar, de surpresa, na noite de quinta-feira, entre as projeções dos filmes colombianos: "Tiempo de Morir", de Jorge Ali Triana (1985, Tucano de Ouro, no II FestRio) e do argentino "No Habra Mas Penas Ni Olvido", 1983, de Hector Oliveira - na sessão no Lido I. xxx A idéia da homenagem a "Che" Guevara, na noite do 20º aniversário de sua morte, foi do próprio Sérgio Ricardo, que veio a Curitiba participar da I Mostra do Cinema Latino-Americano do Paraná, como um dos expositores na mesa redonda sobre "A Música do Cinema Brasileiro". Um dos mais coerentes artistas brasileiros, de sólida formação política, fundador e diretor da Sombras, integrado na luta pelos direitos autorais, Sérgio Ricardo tem uma obra das mais vigorosas - como compositor e intérprete desde os seus tempos da Bossa Nova (embora sem integrar o núcleo carioca do movimento), passando pela música de protesto ("O Mundo Maravilhoso de Sérgio Ricardo", "Dalabouço"), música para teatro e como cineasta ("Pássaro da Aldeia", "Menino da Calça Branca", "Esse Mundo é Meu", "Juliana do amor Perdido" e "A Noite do Espantalho"). Por suas corajosas posições políticas assumidas com a maior integridade, foi praticamente marginalizado do esquema empresarial artístico, sendo seu último disco um elepê independente, com a transposição musical do cordel "A História de João/Joana", de Carlos Drummond de Andrade, há três anos. Seu último longa, "A Noite do Espantalho" foi realizado em 1974 - e pela desatenção da Embrafilmes em relação a este filme, praticamente inédito junto ao grande público, há 13 anos que Sérgio não anima-se a voltar a um longa-metragem, embora tenha, neste período, feito algumas experiências em curta-metragens, inclusive o documentário "E o Espetáculo Continua", sobre circos da periferia - recém concluído. Seu grande projeto, um roteiro desenvolvido a partir de "Zelão" (1960, seu primeiro sucesso musical), ambientado no Morro do Vidigal (no qual chegou a morar durante alguns anos) foi, provisoriamente, congelado - para dar lugar a roteirização de "João/Joana", em forma de musical, orçamento de Cz$ 20 milhões, que deseja filmar, "se conseguir recursos de produção". xxx Como outros realizadores brasileiros, Sérgio Ricardo sofre a marginalização de um sistema cultural-artístico que penaliza os muito honestos, muito coerentes - em favor de picaretas e oportunistas, que a custa de escândalos provocados, buscam um espaço de divulgação que, é negado a talentos autênticos como Ricardo. Aliás, em sua vida profissional Sérgio tem sido vítima de inúmeras desonestidades, inclusive de pessoas que o contrataram para realizar trabalhos, sem nunca terem honrado os compromissos financeiros assumidos. Generoso, sem guardar mágoas, fugindo das igrejinhas e grupelhos que infestam o marketing artístico, Sérgio faz um trabalho digno e honesto, mantendo sua coerência artística e profissional. Sua presença em Curitiba, como debatedor de uma mesa redonda que abordou um tema inédito (em termos de reunião oficial), qual seja o trabalho do que ele mesmo chamou de "trilheiros" do cinema brasileiro (os compositores, instrumentistas e arranjadores que fazem trilhas sonoras), já por si, justificou o evento. LEGENDA FOTO - Sérgio Ricardo: Drummond no cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/10/1987

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