Carnavalização de Bakhtin no mundo de "Annie Hall"
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de agosto de 1989
Ao decidir fazer sua tese de mestrado em literatura sobre Woody Allen, centrando o núcleo central em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" - um filme realizado há 12 anos - a professora Denise Araújo optou pela linha interpretativa desenvolvida pelo lingüista e semiólogo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975).
O professor David William Foster, da Arizona State University, quando esteve em Curitiba, há quatro anos, dentro de um programa de extensão universitária patrocinada pela Fundação Fulbright, foi o primeiro a lhe estimular neste projeto. Recomendou, com entusiasmo, o professor Nicolas Salermo, que além de mestre de literatura americana, é também professor (e crítico) nos cursos de cinema da Universidade do Arizona - e que, naturalmente, recebeu com entusiasmo o interesse de Denise em trabalhar numa tese sobre o diretor de "Manhattan".
Se Woody Allen dispensa maiores introduções, o teórico russo Mikhail Bahktin é conhecido apenas nos meios universitários, não tendo até hoje, 13 anos após sua morte, merecido sequer uma inclusão como verbete em nenhuma enciclopédia, inclusive a Britânica. No ano passado, entretanto, uma nova editora curitibana, a Hatier, reuniu cinco professores universitários a respeito de suas idéias: Luís Roncari, Carlos Alberto Faraco, Cristovão Tezza, Elizabeth Breit e Ruth Mayri Bernardi. Num dos textos, é explicada a chamada ideologia da Carnavalização, de Bahktin como o estudo de propostas literárias a partir "das festas das ruas, das praças públicas, que realizam a utopia em que se invertem os valores, quebram-se as hierarquias e distâncias, destronando as posições oficiais estabelecidas".
Nas palavras de outro estudioso da obra de Bahktin, o professor americano Judas Frank, tradutor de alguns de seus livros para o inglês, Denise Araújo encontrou uma definição que ajuda a explicar a identificação de sua proposta, as idéias do semiólogo e lingüista russo e o universo fílmico de Woody Allen: "A celebração de Bahktin daquilo que chamou o sentido carnavalesco da vida que subverte o mundo do cotidiano e que não é representado mas vivido por aquele que toma parte nele. Não poderia ser mais oportuno e ele foi imediatamente saudado como genial precursor dos eventos culturais revolucionários que estavam transformando a sensibilidade moderna".
Assim, encontrando nos personagens de "Annie Hall" elementos que mostram "a carnavalização de Woody Allen, numa inversão de situações, criando na obra elementos para múltiplas interpretações", Denise Araújo começou a trabalhar neste projeto que, dentro de um ano, deverá sair em forma de livro. Antes mesmo de concluída a tese, já houve interesse de duas editoras universitárias americanas em sua publicação - o que vai ampliar a já gorda bibliografia existente sobre Woody Allen. Na qual há livros interpretativos de seus filmes, revisões de sua obra, coletânea de entrevistas, etc., mostrando a importância que este cineasta merece nos Estados Unidos.
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