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Aramis

Chiquinha, Vadico & Jacob

Felizmente a memória da música brasileira, embora sempre carecendo de fosfatos, tem recebido algumas (válidas) contribuições. Mesmo a Continental, hoje com novos diretores, tendo interrompido há mais de um ano a válida série de reedições, que João Luiz Ferreti, com sua cultura e bom gosto, ali vinha realizando, a RGE e, agora, a K-Tel, está sabendo utilizar o muito que Ferreti sabe para selecionar faixas e preparar textos para suas reedições. Paralelamente, o selo Eldorado, graças a sensibilidade de seu diretor artístico, Aluísio Falcão, vêm também dando uma valiosa contribuição ao maior conhecimento e divulgação de nossos valores musicais, embora de uma forma diferente. Na série "Evocação", ao invés de reedição de antigos fonogramas - que a Eldorado, por ser um novo selo nem possui, estão sendo produzidos discos com excelentes intérpretes, valorizando a obra de compositores esquecidos ou ao menos, não devidamente reconhecidos. Após o primeiro lp, dedicado a Zéquinha de Abreu (José Gomes de Abreu, 1890 - 1935), com o pianista Jacques Klein, temos dois novos volumes: as cantoras Vânia Carvalho e Lecy Brandão interpretando algumas belíssimas músicas de Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges Neves Gonzaga, 1847 - 1935) e diversos intérpretes mostrando toda a musicalidade de Vadico (Osvaldo Gogliano, 1910 - 1962), o excelente pianista e compositor, parceiro de Noel Rosa (1910 - 1937) em algumas de suas mais famosas composições ("Conversa de botequim", 35; "Feitiço da Vila", 34; "Feitio de Oração", 33; "Pra que Mentir", 34), mas que, infelizmente, não é citado, cada vez que se ouve estas (e tantas outras composições), levando os ouvintes menos informados, a julgarem que se trata de obras exclusivas do "Poeta da Vila", quando este apenas fez as letras (antológicas, por sinal). Vânia Carvalho, irmã de Beth, a grande revelação da MPB em 1978, num magnífico lp que fez na CBS (gravadora da qual se desligou no ano passado) interpreta no elepê "Evocação II", dedicado a Chiquinha Gonzaga - uma compositora extraordinária, pioneira em sua época, autora da primeira marcha-rancho carnavalesca ("ô Abre Álas!", 1899), "A modinha "Lua Branca" - anteriormente registrada apenas por Paulo Tapajós; "A Morena" (letra de Ernesto de Souza); "Manhã de Amor", "Tim-Tim", "Musicana" e "Os Namorados da Lua", além de "Plangente". Lecy Brandão, contratada da Polygram, que admiramos muito mais como compositora do que intérprete, cedida para esta produção de Antônio de Vincenzo, nos surpreende, dando sensíveis interpretações a "Atraente", que ganhou letra do poeta Hermínio Bello de Carvalho: "Em Guarda", "Bionne", "Machuca". São apenas algumas das quase duas mil composições que Chiquinha Gonzaga deixou e que, neste belíssimo álbum - um dos melhores lançamentos de 1979, estão perpetuadas para a posteridade. Aliás, Maurício Quadrio, da Odeon/EMI, está produzindo atualmente um álbum com a pianista Clara Weinner interpretando outras peças de Chiquinha (que foi excelente pianista, além de compositora), com lançamento previsto para breve. O álbum em homenagem a Vadico é uma justiça que se faz a este excelente compositor, cujo nome foi, infelizmente, eclipsado, por tantos anos, pela fama de seu parceiro, Noel Rosa. Também Antônio de Vincenzo, recebeu de Aluísio de Falcão a responsabilidade de cuidar da produção, convocando Theo de Barros e Edson José Alves para os arranjos, destacando o aspecto instrumental, para mostrar a importância das composições de Vadico. Assim "Feitio de Oração" tem solo de flughorn com Marcio Montarroyo; "Feitiço da Vila" é solado por Edu da Gaita; "Só Pode Ser Você" foi solado pelo acordeonista Dominguinhos; "Sempre a Esperar" (parceria de Vadico e Vinicius de Moraes) mostra em destaque o trombone de Raul de Barros e "Conversa de Botequim", apresenta como solista Heraldo, no cavaquinho (É bom lembrar que ele integrou o inesquecível Quarteto Novo). Duas das faixas mais emocionantes são "Chip", exclusivamente com Amilton Godoy (do Zimbo Trio) no piano e "Choro em Fá Menor", também com Amilton, na opinião de muitos pesquisadores (como o professor Alceu Schwaab), uma das faixas mais bonitas aparecidas em 1979. Cada faixa foi cuidadosamente produzida, com arranjos especiais e a arregimentação dos melhores instrumentistas, justificando que este disco mereça uma especial atenção e registros mais demorados. Aqui fica apenas a informação e a dica: comprem que se trata de um álbum historicamente da maior importância. Enquanto a Odeon/EMI, por razões contratuais com Joel do Nascimento (bandolim) decidiu não editar o magnífico "Tributo à Jacob do Bandolim", gravado em princípios de agosto de 1979, produção de Hermínio Bello de Carvalho, reunindo o pianista compositor Radamés Gnatalli, Joel e a Camerata Carioca - num registro do espetáculo que teve sua estréia nacional no Guaíra, a 11/8/79, a RCA, onde Jacob Pick Bittencourt (1918 - 1969) gravou a maior parte de sua obra, lhe dedicou mais um disco histórico: "Jacob do Bandolin / 10 Anos de Saudade". O teipe do espetáculo-disco produzido por Hermínio para a Odeon talvez venha a ser editado por outra gravadora (a WEA, inclusive, mostrou-se interessada), e será lamentável que tal não aconteça - pois possibilita que se tenha oportunidade de ouvir além das mais belas composições de Jacob, também o magnífico "Retratos", peça semi-sinfônica que Radamés lhe dedicou há 16 anos e que teve uma única gravação, pela CBS (disco que também mereceria ser reeditado). Em "10 Anos de Saudade", produção de Pedro Cruz e V. Zandomenighi, dois pesquisadores dedicados, foram selecionados 16 registros históricos da imensa discografia de Jacob, durante os muitos anos que passou na RCA. Assim, ouvimos toda sua técnica e sensibilidade admirável em interpretações de outros autores - como "Odeon", "Proezas do Salon", "Ai! Que Saudades da Amélia", "Palpite Infeliz", "Rapaziada do Braz", "Branca", "Atlântico", "Choro Cavaquinho".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
31
27/01/1980

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