A cidade & sua loja
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de junho de 1979
Sem dúvida o empresário Husseim Hamdar, 48 anos, libanês que chegou ao Brasil no início dos anos 50, seria um excelente secretária das Finanças ou Administração, se aplicasse na vida pública a mesma habilidade com que conduz seus negócios. De modesto balconista de uma loja de sapato, durante o dia, e gerente de uma bar próximo ao Cine São João, há 20 anos passados, é hoje dono de um dos maiores patrimônios imobiliários da cidade. Depois de ter vendido os edifícios Carlos Monteiro e anexos, no Largo Frederico Farias de Oliveira, para p grupo das Lojas Americanas - o que fez com que a 8 de janeiro os cines Ópera e Arlequim tivessem suas últimas sessões - já aplicou os Cr$ 42 milhões recebidos em novos investimentos. Entre os diversos prédios adquiridos por Husseim está o que pertencia ao Banco do Rio de Janeiro, na Rua 15 de Novembro, e o prédio de fundos do cine Glória, pertencente a herdeiros de Tobias de Macedo - e que após funcionar alguns anos como entrada daquela casa exibidora, foi alugado pela loja Walter. Ali, Hamdar pretende construir um prédio, na altura máxima que a Prefeitura autorizar.
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Em relação ao edifício Heloísa, na Avenida Luiz Xavier - que juntamente com o edifício Carlos Monteiro e Anexo, adquiriu, em agosto de 1974, do professor David Carneiro, por apenas Cr$ 18 milhões, Husseim Hamdar já decidiu: vai reciclá-lo para ser aquilo que define de "a mais sofisticada magazine do Sul do País".
Já escolheu até o nome: "Magazin Carimã", nome de sua filha caçula. Em relação à loja térrea ocupada há anos pelo Café Damasco - e o último que resta na "Boca Maldita", após o fechamento, há duas semanas, do Café Tiradentes (juntamente com o bar/restaurante Guairacá), Hamdar ainda não tomou uma decisão: por enquanto, vai manter o contrato - mas no futuro também pensa em aproveitar de outra forma o espaço. Ou seja: aquilo que estamos prevendo há meses vai se concretizar - a total ausência de pontos de encontro mantidos pela iniciativa privada na Avenida Luiz Xavier, onde a valorização imobiliária, como lojas comerciais e agências bancárias, fez com que, em poucos anos, desaparecessem todos os bares, restaurante e cafés.
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Os antigos proprietários da Guairacá e Café Tiradentes, que fecharam suas portas após funcionar exatamente por 50 anos no térreo do Palácio Avenida, após receberem uma mínima indenização - Cr$ 1.500.000,00 - se dividiram: enquanto Olímpio Andrade, desanimado com o comércio, preferiu dedicar-se a outras atividades, seu sócio, mais jovem, Miguel Martins, está aguardando que o Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba lhe autorize a instalação de um quiosque - semelhante ao que João Jacó Mehl instalou ao lado do Edifício Arthur Hauer, na praça Osório, como anexo da Confeitaria Iguaçu. O problema é que o espaço de que Miguel necessita para instalar ao menos um café é maior do que os urbanistas do IPPUC permitem - e assim, não havendo acordo, está disposto a desistir, definitivamente, de permanecer no centro e vai instalar um armazém em distante bairro da cidade.
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Nem tudo está perdido: o prefeito Jaime Lerner tem se preocupado em formas de criar estímulos para que a antiga Cinelândia possa ter vida após o anoitecer - e, que ao menos os trechos seguintes da Rua 15 de Novembro não fiquem também, em breve, transformados numa terra de ninguém - em termos de pontos de recreação. Mas, infelizmente, não adianta apenas o entusiasmo e a boa vontade: é indispensável a contribuição dos proprietários dos imóveis - e para estes, as cifras contam muito mais do que as idéias urbanísticas.
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No espaço onde existiam o cine Arlequim e prédio anexo, demolidos em menos de 40 dias, a firma Lindembergh de Mari já iniciou as fundações do prédio que se integrará às Lojas Americanas, na travessa Ébano Pereira, formando uma imensa galeria em forma de "L" . O investimento total será de mais de Cr$ 250 milhões - considerando o custo do imóvel, indenizações pagas aos inquilinos e as obras civis. Mas essa importância pouco representa para o poderoso grupo das Lojas Americanas que, também por coincidência está comemorando este ano o seu cinqüentenário de fundação. "O Nosso Jornal", órgão informativo dos funcionários das Lojas Americanas S/A, publicou um número especial - distribuído pela Aroldo Araújo Propaganda, que detém a conta do grupo, em nível nacional. Aliás, é bastante curiosa a história de como surgiu esta organização que hoje está entre as maiores empresas comerciais de lojas de departamento do Brasil: num final de janeiro de 1929, quatro americanos - John Lee, Glenn Matson, James Marshall e Batterston Boger - saíram de Nova Iorque com destino a Buenos Aires. Além do dinheiro para as despesas da viagem e hospedagem na Argentina, levavam no bolso, em dólares, o equivalente em cruzeiros, a 10 mil contos de réis. Eram ex-funcionários do complexo comercial norte americano Woolworth, uma cadeia de lojas que hoje soma mais de um século de existência, e que pediram demissão para começar um negócio por conta própria. No caminho para Buenos Aires, já em fevereiro, o navio aportou no Rio de Janeiro, em pleno carnaval.
Desceram para ver. Depois dos 4 dias de folia, ciceroneados por dois cariocas que conheceram a bordo, Álvaro de Aquino Salles e Max Landesmann, acabaram trocando o tango pelo samba, uma decisão que rende dividendos até hoje. Três meses depois, em 2 de maio de 1929, registraram a empresa Lojas Americanas S/A - que apesar do nome sempre foi brasileiro. Garante a publicação "Nosso Jornal", que hoje, dos seus quase 10 mil acionistas, nenhum detém mais que cinco por cento de capital, que passou dos 10 mil contos de réis de registro a 1,25 bilhões de cruzeiros atualmente. Uma empresa onde hoje trabalham mais de 15 mil funcionários, e que vende mais de 70 mil produtos diferentes, em 41 lojas distribuídas por 13 estados.
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O invetimento que o grupo decidiu fazer em Curitiba é plenamente justificável: embora seja a sétima em vendas entre as lojas da empresa em todo o Brasil, é a primeira em lucro líquido. Seu faturamento de, em média, Cr$ 19 milhões por mês, está crescendo, nos últimos meses, numa proporção que oscila entre 35/40% ao ano.
Com a ampliação a ser concluída até o final do ano - conforme garante o gerente João Luiz Marques - as instalações da loja que comporta, atualmente, um fluxo diário de 18 a 20 mil clientes em período normais e de 30 a 35 mil em épocas festivas, serão ampliadas para mais de 4 mil metros quadrados. Atualmente, a loja ocupa 1.720 m2 e com a ampliação passará a ser a maior de todo o Brasil. A primeira loja da empresa do grupo foi instalada há 42 anos, na Rua 15 de Novembro - passando, pouco depois para a mesma rua, esquina com a Rua Monsenhor Celso, onde funcionou até agosto de 1963 - quando foram inauguradas as instalações da Rua Ébano Pereira - que trouxe, na época, uma grande novidade: escada rolantes. Aliás, as Lojas Americanas sempre tiveram nas "novidades" um grande fator de vendas: nos anos 40, introduziram o sistema de "departamento" até então desconhecidos do tímido comércio curitibano.
Depois, a novidade de instalar uma lanchonete em meio a mercadorias tão diversas - no Rio, já em 1930 - transformou como um hábito sofisticado fazer lanches nas "Americanas", onde surgiam novidades como o "waffes", o "sundae", o sorvete com "mashmallow", a banana split - que para os curitibanos de três décadas passadas, se constituíam em atrativos que provocavam filas de elegantes senhoras e senhoritas - e atraiam os rapazes da época para sentarem-se nos bancos giratórios, ao redor dos balcões, servidos por moças bonitas, atenciosas - mas ocupadíssimas para poder satisfazer a todas as solicitações.
O crescimento das Lojas Americanas, de Curitiba - com a compra de 1.450 metros quadrados, dos prédios de Husseim Hamdar - e atingindo parte do Cine Ópera, levou também ao fechamento daquela casa (inaugurada há 36 anos) - levou a decisão de construir seis pavimentos, o que abrirá de 500 a 600 vagas. E, abviamente, o projeto já previu a ampliação da lanchonete, sorveteria e confeitaria - que apresentam um movimento diário dos maiores - além da instalação de um novo departamento - o de comestíveis. E das demais seções, uma merecerá especial atenção, porque guarda uma particularidade do consumidor curitibano: a seção de meias. Curitiba, segundo o gerente João Luiz Marques, em razão de seu clima frio, é a campeã em vendas de meias de todo o Brasil.
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