A criatividade de Hermeto Pascoal, universal bem brasileiro - O imprevisível Hermeto, capaz de levar galinhas e porcos no estúdio de gravações, tem que ser ouvido sempre como algo diferente. E criativo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de junho de 1986
Há alguns anos, no Nosso Estúdio, em São Paulo, o compositor e hoje empresário da área fonográfica Walter Santos, nos falava sobre Hermeto Pascoal, seu amigo desde os tempos do início da Bossa Nova, quando Walter fez dois históricos lps com músicas maravilhosas. Admirador de Hermeto, Walter dizia do projeto de gravar com "O Campeão", "mas desde que seja num esquema comportado, isto é, profissionalmente possível de dar um bom resultado".
Walter, como outras pessoas que conhecem bem a Hermeto, sabia que não é(ra) fácil trabalhar com um gênio da dimensão de Pascoal - cujas exigências em estúdios americanos viraram folclore ao pedir desde músicos de sopro de sinfônica para tocar... garrafas com água ou, durante a gravação de "Slaves Mass", produzido por Flora Purin e seu amigo Airto Moreira, no estúdio Paramount, da Califórnia, incluir entre os instrumentos, nada menos que um casal de porcos, "com guinhos bem afinados". O que foi fornecido e está numa das faixas do histórico lp lançado há 9 anos pela WEA.
O imprevisível Hermeto, capaz de levar galinhas e porcos no estúdio de gravação (e no último FIC, assustou o júri quando pretendeu ter porcos no arranjo para a música defendida por Alaíde Costa), é um dos mais criativos instrumentistas-compositores de todos os tempos. Incapaz de repetir o mesmo programa, inovando sempre e como uma usina de sonoridade (ainda na semana passada, fez uma experiência com a Sinfônica Jovem, dirigida por Jamil Mattar), Hermeto tem que ser ouvido sempre como algo diferente.
Depois do contrato com a WEA - e fora gravações em outras etiquetas seria mesmo com Walter Santos, do Som da Gente, que desenvolveria um trabalho mais regular. Assim, ali fez, em 1982, o seu sétimo disco individual ("Hermeto Pascoal & Grupo"). No ano passado, na "Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca" - homenagem as suas origens (nasceu em Arapiraca, Alagoas, em 22 de junho de 1936), repetiu a dose e, agora, volta com o seu quinteto, num elepê extraordinariamente bem comportado em termos sonoros - mas encantador, suave, harmônico - e que já fica anotado como candidato forte a figurar entre os 10 melhores do ano.
Se é múltiplo e renovador musicalmente, Hermeto tem sido conservador no trabalho com os músicos: Jovino Santos Neto (flauta), dez anos com ele; de Itiberê Zwarg (baixo), também dez anos no grupo, diz que "é um músico que lê e improvisa muito bem". Outro veterano é Pernambuco, percussionista; Márcio Bahia, berimbau, bateria, e Carlos Malta, flauta, flautim, saxofone, etc., os três desde 1980 trabalhando com Hermeto. Aliás, ele se queixa de que a crítica em geral fale só nele e esqueça os músicos. Realmente, hoje, Hermeto e seu grupo formam uma unidade incrível. Este seu novo lp chama-se "Brasil, Universo". Explica:
- "Minha música não tem fronteiras, daí o nome. É uma música que nasce no Brasil, mas inspirada no Universo. Ou seja, é um trabalho universal, porque eu não faço "um estilo" de música, uma coisa só!"
Há o estilo Pascoal. Capaz de no frevo, samba ou jazz ter sempre a sua personalidade e riqueza. Por exemplo, num choro emocionante como "Salve, Copinha!" - homenagem a Nicolino Cópia ou uma proposta bem ao estilo dos tempos de sua associação com Airto Moreira (Quarteto Novo), no qual, com sua voz antimelodiosa, mas de raízes é capaz de cantar ("Calma de Repente"), acompanhando-se só na viola.
A busca sempre de outros efeitos, de uma desassociação com o instrumental tradicional e provando que tudo é som, tudo é música - e que o fazia, no disco anterior, incluir uma narrativa esportiva, o leva a convocar agora a presença de vozes e efeitos de crianças (e um diálogo com uma menina) em "Cuida de Lá" (Crianças) ou em "O Tocador Quer Beber", somando também ruídos de galos e galinhas.
Da abertura ("Rentalizando a Cruz") dedicado a Paulo Cezar Wilco - com solos de pianos acústico, assovios e voz - a utilização de sanfona ("Salve, Copinha", "O Tocador Quer Beber", "E Nem Dá Pra Dizer", ou ao uso de berrante ("Arapuã"), garrafões, garrafas e garrafinhas em "Criança" (com todo seu grupo executando este original "instrumental"), Hermeto leva o ouvinte a uma viagem mágica, dispensando - felizmente o instrumental eletrônico - do forró (em homenagem ao seu pai) a uma proposta das mais fascinantes para encantar ouvintes de todo o mundo - sendo brasileiríssimo. Realmente, Hermeto tem razão em não abrir mão de sua visão pessoal e fazer um som que é universal sem deixar de ser brasileiro.
LEGENDA FOTO 1 - Hermeto e seu quinteto: criatividade sempre.
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