Os vitrais musicais da suave Rosy Greca
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de junho de 1986
Há nove anos, quando o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Católica do Paraná promoveu um festival de MPB, com a participação de estudantes, o júri se mostrava cansado e desinteressado. A mesmice das músicas, com os candidatos apresentando suas músicas "ao estilo de..." Chico, Milton, Roberto Carlos, etc. Nada de original ou criativo.
De repente, não mais do que de repente, uma surpresa: uma garotinha tímida, voz suave, encantava a todos. Em sua ingenuidade aparente, trazia uma canção belíssima com uma letra magnífica, apropriadamente intitulada "Concepção".
Que surja desta terra virgem
Deste canto meu/desta pela fina que te concebeu
Que esta reza brava abafe os conflitos
dos pecados meus/que assuma este compromisso
pode até passar disto/que afaste a morte com o seu nascimento
mas no dado momento saiba que se prezar
Que nasça menina ou menino já abençoado
Não sinta vergonha deste pobre diabo
que vai fazer força e vai labutar/batalhar, trabalhar
Que fuja do caminho parco deste desnaturado
bandido cansado de ser o culpado
de sempre pecar que pecar que pecar.
Não deu outra. Quase por unanimidade, o júri concordou: Rosy Greca merecia o primeiro lugar. E todos queriam saber quem era aquela menina, então com 19 anos, desconhecida nos meios musicais. Paranaense de Arapongas, em Curitiba desde os 14 anos, estudante da Faculdade de Educação Musical, Rosy já tinha um razoável número de composições e, eventualmente, fazia coro nas gravações de jingles no Audisom. Mas estava longe de pensar num caminho profissional.
Hoje, aos 28 anos, desquitada, uma filha de 4 anos - Sólvá, a vivência de dois anos na Cidade do México (1982/83), Rosy Greca já pode encarar a música profissionalmente. Escolhida para representar o Paraná no Projeto Pixinguinha, está voltando de uma longa excursão ao lado de Tânia Alves (cantriz, lançando agora seu segundo lp pela CBS), e da Banda Sorte, a São Luis, Belém, Dourados, Santarém, Rio Branco e Campo Grande.
- "Foi uma experiência fascinante" - sintetiza este mergulho no outro lado do Brasil, no qual levou suas músicas e fez o lançamento de seu primeiro lp ("Vitrais", produção independente), só agora sendo divulgado em Curitiba - e cujo lançamento oficial acontecerá em julho, durante show no auditório Salvador de Ferrante.
REFINAMENTO - Projeto de Cz$ 120 mil, só viabilizado graças ao patrocínio do Bamerindus e Banestado, "Vitrais" é um disco-síntese de uma década de canções. De mais de 80 músicas compostas neste período, Rosy selecionou as 11 mais representativas para, num trabalho feito com amor e garra, transmitir toda sua sensibilidade.
Leitora de Drummond e do poeta mexicano José Revueltas, Rosy faz música e letra. Eliminando o máximo possível os artigos e insistindo na repetição de certas frases, Rosy trabalha nas palavras como um ourives numa jóia. O resultado é que há letras preciosas, momentos excelentes - a partir da própria canção-título do elepê, nascida, segundo ela própria diz, "num momento iluminado e feliz". Foi em Toluca, durante um passeio a um antigo convento espanhol, no qual a visão de coloridos vitrais, refletindo a luz de sol na hora crepuscular lhe impressionaram de forma marcante. Nascia então uma poesia objetiva, com as palavras necessárias para transmitir toda emoção - ganhando, depois, a música ajustada.
Ó homem de fogo/Mulheres de Azul
Luza Sol e Lua/Movimento
Caras de outro mundo
Suprassensorial
Subconsciente
Sul real
Rosas Violetas
Vermelhas Azuis
Tão impressionantes/a Luz
Sonhos circulares/Cones Espirais
Luzes Formas formam/Vitrais
Se há em "Vitrais" uma linguagem poética extremamente dissecada em outros momentos Rosy mostra também um bom humor sarcástico - como em "Novo Amor", avisando que já está amando novamente (o que em sua vida pessoal também é verdade), a ironia em "Som Preguiçoso" (Quero fazer um som preguiçoso/gostoso de se escutar/Um som fresco, frouxo e fogo/só pelo gosto de cantar).
Nascido espontaneamente, "Circo" tem uma linha minoroteana e, naturalmente, acabaria no teatro - o que acontece em "A História de Muitos Amores", peça de Domingos de Oliveira, dirigida por sua amiga Fátima Ortiz (auditório Salvador de Ferrante, até o dia 1º, 21 horas), para a qual Rosy fez também outras músicas. Aliás, a partir de 1978 ela vem colaborando com várias montagens teatrais, fazendo ajustadas trilhas sonoras. Mas o trabalho que mais a entusiasmou foi "Veias Abertas da América do Sul" de Eduardo Galleano e cuja canção principal é um dos momentos altos do elepê, com sua letra imensa mas extremamente inteligente.
Por razões de produção, a mixagem prejudicou algumas faixas - especialmente "Sol e Lua", na qual os instrumentos quase apagam a voz de Rosy e "Francisca", esta uma de suas composições mais intimistas; na qual retorna a uma temática sempre presente em sua obra - a Lua, o amor, as imagens abstratas de um amor ideal.
Num desafio que poucas profissionais experientes se atreveriam, Rosy desenvolveu uma canção "Beleleu", para interpretar a capella, somente admitindo, ao final, o discreto surdo executado por Helinho Santana.
Cada canção de Rosy deve ser observada com atenção. As letras são trabalhadas e as mensagens implícitas - não buscando uma história convencional mas sugerindo imagens e fantasias, num simbolismo que a faz dizer, por exemplo, em "Terra":
Deito na terra assim/sem voz sem voz
me enterro assim/sem ar sem ar/me cubro assim
sem dor assim/sem dor sem dor
e quando assim percebo/sou mistério corpo negro
Sou a terra exposta ao vento
Na parte interna, especialmente na mixagem, percebe-se a falta que fez o talento de Carlos de Freitas, o mais competente engenheiro de som do Paraná. Por inexperiência, o técnico da gravação levou ao exagero muitos dos arranjos - nove das onze músicas tiveram trabalhos dos jovens Lídio Roberto (também compositor e cantor, já com um elepê, "Choros e Águas", lançado no ano passado), e Ricardo Saporski, tecladista e guitarrista, arranjador com alguma base teórica, e que vem trabalhando bastante na cidade. Uma grata surpresa é o arranjo que Cabelo fez para "Imensidão", no qual também tocou violão e guitarra.
Em "Vitrais", Saporski foi feliz na utilização do violino (Rogério Kriguer) e na utilização do sax alto/tenor (Jemur Fressato), emoldurando sensivelmente esta canção de imagens belíssimas.
Qualquer restrição que se faça à parte técnica não diminui a importância deste belo documento sonoro, cuja primeira tiragem (2 mil exemplares) já está se esgotando e com a qual Rosy, mulher dedicada e corajosa, que sabe o que quer, vai à luta - ultrapassando os limites do Paraná e com projetos de temporadas no Rio e São Paulo. Produção de sua etiqueta Cigarras e Formigas Produções Artísticas, "Vitrais" pode ser solicitado pelo reembolso postal - Rua Pedro Collere, 279, ap. 1 - Vila Isabel, Curitiba. Fone 242-7120.
LEGENDA FOTO 1 - Rosy Greca: um disco marcante e adulto artisticamente.
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