Curitiba no ângulo dos bares
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de fevereiro de 1978
Antônio Carlos Kraide, 31 anos, há 8 fazendo direção teatral, tendo já colecionado alguns prêmios para contrabalançar certas frustrações, das quais não gosta nem de ouvir falar ("Telêmaco", por exemplo), está trabalhando em tempo integral: pela manhã cuida da remontagem de "Peter Pan", que terá temporada regular, nos fins-de-semana, no Teatro Universitário. A tarde ensaia com um grupo profissional, "A Dama de Copas e o Rei de Cubas", que deverá ser levado ao Interior. E a noite, aproveitando a sala de exibição Arnaldo Fontana do Museu Guido Viaro, paralisada neste mês, faz uma audaciosa experiência: junto com um grupo de jovens entusiasmadas, cria um espetáculo coletivo sobre Curitiba.
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O Serviço Nacional de Teatro decidiu conceder um auxílio aos grupos que apresentarem, em todo o País, trabalhos de criação coletiva. Kraide, sempre irriquieto e em busca de novas idéias, decidiu formar um grupo e fazer algo nesta linha. As primeiras reuniões para debate do tema a ser escolhido reuniram meia centena de pessoas, das áreas de teatro, música e cinema. Pouco a pouco o interesse foi diminuindo e restaram apenas nove, entre os quais duas belas e promissoras atrizes. Depois de muitas discussões, estabeleceu-se a temática do trabalho:
uma visão de Curitiba através das pessoas que frequentam os bares e botequins.
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Embora falte a Kraide e sua equipe uma maior vivência da Curitiba Boêmia das décadas passadas, eles estão, saudavelmente, interessados em apresentar um espetáculo que fale de Curitiba, seus boêmios famosos, os encontros e solidões de bares que marcaram a época. Para encontrar uma vivência dos bares que restaram, o grupo está fazendo um etílico processo de criação: frequentando pontos como o "Stuart", "Americano" e "Mignon", três dos antigos endereços da Curitiba romântica de décadas passadas que ainda resistem.
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Há muito que propusemos como tema para uma grande pesquisa sociológica - ou, no mínimo, como roteiro para um documentário, um levantamento dos bares, como pontos de encontro, da cidade.
Há 20 anos, existiam no centro da cidade mais de 15 bares que reuniam, em volta de suas mesas recobertas de toalhas brancas, profissionais liberais, empresários, jornalistas, funcionários públicos, que, saindo de sues serviços, tinham tempo para um aperitivo tranqüilo e amigo. A cidade cresceu, os pontos dos bares como Jockey, Guairacá, Trocadero, Pérola e outros foram valorizando-se - e transformando-se em prédios, agências bancárias e lojas, os velhos círculos de amigos foram se desfazendo - e a cidade perdeu esses pontos (espontâneos) de encontro. Hoje, a freqüência aos bares que restam é bem diferente - e a fórmica nas mesas, substituindo as toalhas nem sempre brancas, pode ser mais higiênica, mas não tem o calor da amizade do passado.
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A idéia de Kraide e sua equipe é muito feliz. O problema é que por falta de tempo - afinal o espetáculo tem que ficar pronto até o final de março - e pela ausência de maiores informações, faltem aos diálogos - que estão sendo criados durante os próprios ensaios - maior gosto de realidade. Mas só pela preocupação de (re) contar Curitiba, através de seus bares e botequins, já faz com que o grupo mereça aplausos e estímulo.
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