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Aramis

Noite Vazia (IV) - Quando o endereço ajuda matar os bares musicais

Ao decidir fechar o Crystal, em 7 de novembro de 1991, Eduardo de Almeida, 33 anos, o fez não apenas pelo movimento cada vez menor que vinha inviabilizando seu projeto de manter uma casa com boa música instrumental ao vivo. É que se cansou de responder a processos junto a Prefeitura e delegacias movidos por vizinhos dos 48 apartamentos do edifício Flamingo (Rua Amintas de Barros, 36), em cuja loja o estabelecimento funcionava. Só que neste caso, os processos já vinham de mais tempo: quando Rubens Guimarães Cordeiro, em julho de 1987, ali instalou o antigo Camarim, começou a ter reclamações dos vizinhos - que, dois anos depois, conseguiram o fechamento da casa. Com muita diplomacia e promessas, Eduardo conseguiu reabri-lo, ajustando-se as exigências de silêncio, modificando a freqüência e obtendo até mesmo a simpatia de alguns moradores. "Só que, nestas alturas, a crise era outra - a econômica, e não tive outro jeito do que fechar o bar" lamenta. Ponto de encontro de intelectuais - o poeta Paulo Leminski (1945-1990) ali era presença todas as noites. "O Camarim" - depois Crystal, a partir de um trio básico - Jefferson Sabbag (piano), Tiquinho (bateria) e Boldrini (baixo) - concentrava, especialmente nos fins-de-semana, os bons músicos da cidade que, sempre em busca de locais em que possam fazer aquilo que se chama de jazz after hours ofereciam canjas históricas. A vizinhança do Teatro Guaíra foi também responsável por grandes noitadas, dezenas de instrumentistas de conjuntos famosos que passaram pelo auditório Bento Munhoz da Rocha Neto entre 1989/91 fizeram questão de dar canjas - que as vezes alongavam-se quase até o amanhecer. Lamentavelmente, Eduardo nunca se preocupou em ter sequer um mini-cassete para gravar inéditos e históricos encontros musicais que ali aconteceram, muitos deles com músicos americanos que por aqui passaram. O saxofonista Helinho Brandão, coordenador de projeto Oficina de Jazz no Teatro do Paiol, que durante 1991, promoveu dez edições com músicos convidados do eixo Rio-São Paulo, sempre programou as jam-sessions informais no Crystal, intercambiando-se nomes famosos com instrumentistas locais. Os músicos Paulo Branco e Maria Guiller, que ali trabalharam algum tempo, aproveitaram bastante esta experiência, contatando inclusive com músicos estrangeiros, o que os estimulou a viajarem para a Europa, sobrevivendo hoje o casal em bares de Zurique. Gerente do Old Friend's (Rua Saldanha Marinho, 505) por um ano, foi ali que Eduardo de Almeida pode começar a desenvolver seu amor pelo jazz, gênero que sempre o fascinou. Embora apenas em gravações, aquela casa - com nome, logotipo e ambiente procurando lembrar o espírito de New Orleans - ficou caracterizada pelos grandes nomes do jazz - big-bands, blues, a eterna Billie Holiday - programadas em fitas cuidadosamente montadas por Eduardo e pelo proprietário da casa, Antônio de Freitas, 41 anos, que procura, até hoje manter o mesmo público. Foi no Old Friend's que Eduardo e Antoninho promoveram as primeiras reuniões do Jazz Club Blue Note, mas devido a falta de um melhor palco as reuniões transferiram-se para o sofisticado "505" na avenida Manoel Ribas (hoje um fechadíssimo clube de executivos) e, posteriormente, abrigando-se no Crystal. Fundado pelo empresário Eduardo Guy de Manoel e o expert Caetano Cerqueira Rodrigues, o Blue Note Jazz Club também hoje está desativado. Apesar de todo esforço de Caetano e alguns outros idealistas, músicos e associados foram dispersando-se, repetindo-se, melancolicamente, a frustração que já havia marcado outra tentativa de fazer um clube de jazz em Curitiba, tentada em 1967, no saudoso "1810" (Rua Marechal Deodoro, onde hoje é sede da Sharp). Ali, na época, sobre os fluídos da I (e única) Jam Session do Paraná, que Joffre Cabral e Silva, presidente do Santa Mônica Clube de Campo, patrocinou na noite de 25 de novembro de 1966 (*), aconteceram algumas reuniões marcantes. xxx Hoje, com o Crystal e o Habeas Coppus na melancólica crônica da música que passou, só restam o Trumpet's, com Saul Bueno, na Rua Cruz Machado e, para um público mais sofisticado o jantar-musical das quartas-feiras no Le Doyen, do restaurante Slaviero, que tem o pianista Fernando Montanari, com convidados, especiais, mostrando toda sua versatilidade jazzística. Nota (*) A I Jam Session do Paraná foi vencida pelo então estreante Sam Jazz Trio, formado por Hilton Alice (que até hoje mantém o grupo, mas como conjunto de bailes), Norton Morozowicz - na flauta e baixo (hoje maestro da Orquestra de Câmara de Blumenau) e João Chiminazzo Neto, bateria - hoje executivo-senior em São Paulo, que chegou a uma das vice-presidências da Lorenzetti; a poderosa fábrica de chuveiros que requereu falência há poucos meses.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
31/01/1992

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