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Aramis

O jazz de Victor estimula os bons músicos da cidade

Mais do que uma jam-session - das mais espontâneas, criativas e belas que já assisti em minha vida - a apresentação de Victor Assis Brasil e um grupo de instrumentistas de Curitiba, quinta-feira, 27, no Paiol, foi a comprovação de que o estímulo, a confiança e a boa vontade valem mais do que mordomias, compensações financeiras e oba-oba oficiais em termos de cultura. Praticamente sem custar nada à Fundação Cultural - cujos presidente e executivo tinha esquecido o transcurso do 8º aniversário do Paiol - o espetáculo que Victor proporcionou foi de uma emoção e beleza difíceis de descrever. O prefeito Jaime Lerner, junto com sua esposa Fany - e ao lado do conselheiro Maurício Brick (surpreso porque há mais de 4 meses o órgão consultivo da FCC não é sequer convocado para uma reunião) estavam entre os que aplaudiam não apenas a virtuosidade de Victor, no sax e piano, mas, especialmente, a força de músicos curitibanos ou aqui radicados que, contagiados pelo clima informal da reunião, deram quase 3 horas da música mais criativa e espontânea. Sem ensaios, mas com a força e vitalidade de quem deseja tocar, Victor junto com o pistonista Saul, o baterista Negretti, o baixista Belém e o guitarrista Lucio, foram desenvolvendo uma jam-session onde, a cada momento, se sentia os bons resultados que Assis Brasil conseguiu nas duas semanas que aqui passou, em novembro, desenvolvendo um worshop com músicos locais, estimulando-os a se "soltarem", a desenvolverem suas capacidades criativas. Na segunda parte, espontaneamente. Norton Morozowicz, hoje o melhor flautista brasileiro - e que dia 4 embarca para Nova Iorque, de onde vai a Munique encontrar o maestro Karl Richter - mostrou que não é apenas um extraordinário solista de flauta, hoje entre os melhores do mundo. No baixo, ao lado de Gebran Sabbag ao piano (que só foi devido ao seu interesse apelo) reforçou a jam-session, numa integração perfeita e lembrando o período em que, os dois, mais o excelente Guarany (baterista do melhor nível, que gravou o primeiro lp com João Gualberto, 1960, hoje esquecido em Curitiba), formavam o Ludus Terclus, o trio que marcou época na curta existência do Centro Comercial Curitibano. Felizmente ficou registrado em fita a jam-session de quinta-feira, pois as palavras não descrevem a emoção que o público que soube estar presente sentiu: os músicos totalmente à vontade, estimulados por Victor, em sua simplicidade e grandeza de grande talento, fazendo uma verdadeira festa de som e ritmo, improvisando longamente a partir de temas conhecidos ou em solos antológicos - como os de Norton no baixo. Saul na bateria, Lucio no violão. Negretti na bateria, ou, na suavidade de Victor, ao piano, mostrando uma de suas composições favoritas. "Pedrinho", dedicado ao seu irmão caçula, ou Gebran, com seu estilo de Errol Garner, dando a temas de Michel Legrand uma notável sonoridade. Um jovem promotor de 29 anos, Arthur Tramujas Filho, bela voz e bom gosto de repertório, convidado por Victor, deixou a poltrona e cantou duas belas música - "I Left My Heart In San Francisco" e "My Way" e, pouco depois, um garoto de 20 anos. Gerson Kremer, desinibidamente, também foi ao palco e mostrou, no baixo, potencialidades a serem desenvolvidas. Se já não passasse da meia-noite, a jam-session continuaria - como vem acontecendo quase todas as noites, no Bebedouro, onde Victor Assis Brasil sem nada ganhar (e tendo inclusive que pagar até as suas despesas) tem, com toda generosidade, oferecido momentos magníficos, que, lamentavelmente, se perdem pela falta de um gravador. Por razões particulares, Victor se dispõe a ficar em Curitiba, por algum tempo, e se o prefeito Lerner cumprir a disposição anunciada ao final do concerto, o talentoso saxofonista poderá dar continuidade, por algum tempo, ao "Workshop" que iniciou em novembro, valendo isto mais de que inúmeras das "publicitárias" iniciativas que têm consumido grande parte dos recursos da Prefeitura. O prefeito Lerner é um homem sensível às boas idéias e mesmo manielado, infelizmente, pela falta de uma estrutura humana mais ágil, quer dar condições a que acontecimentos realmente expressivos aconteçam. A jam-session improvisada de quinta-feira - mas que evitou o total esquecimento do aniversário do Paiol, onde Victor e seus companheiros apresentaram-se praticamente de graça, valeu como lição a quem sabe ver as coisas. O estímulo aos nossos instrumentistas é necessário e Victor Assis Brasil, com seu talento e reconhecimento hoje internacional, meia dúzia de elepês gravados - um próximo a ser lançado em março - pode fazer muito para que a música instrumental no Paraná se desenvolva, com o estímulo a gente de talento que, até agora, permanecia obscura, esquecida na madrugada. A jam-session de quinta-feira do Paiol valeu como um marco e, esperamos, deve ter aberto os olhos (e os ouvidos) do prefeito Lerner, para que se dê apoio a quem mereça.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
01/01/1980

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