A grande jam-session com Nelsinho e Sion
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de abril de 1987
John Edwards Kankolski, 36 anos, um ex-hippie americano que pela paixão por uma curitibana, Sandra Rastelli, trocou há 6 anos as ladeiras de sua San Francisco natal pelo clima instável curitibano, sentiu-se totalmente recompensado pelo investimento que fez há menos de um ano, ao abrir um pub em Curitiba (justamente com o seu nome) na madrugada de sexta-feira. Fãs da melhor música instrumental, João Edward e Sandra não poderiam ter ganho um melhor presente do que a canja que três músicos excelentes ali deram, para um pequeno grupo de clientes: o pianista Nelsinho Ayres, o baterista Nenê e o saxofonista Roberto Sion.
Após a estréia no Paiol - que, afinal, reabriu sua temporada com um espetáculo musical do melhor nível, ou seja o grupo Pau Brasil fazendo o pré-lançamento das músicas de seu disco recém-gravado na Continental (que terá o título de "Paisagem Brasileira"), Nelsinho, Nenê e Sion, ciceroneados pela bela Jussara Valentim, diretora administrativa da Fundação Cultural, e sua assistente, Rita Buarque, terminaram a noite fazendo uma das melhores jam-sessions que já aconteceram na noite curitibana.
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John Edwards e Sandra Rastelli vem, há algumas semanas, apresentando em sua casa (Rua Jaime Reis, 212), uma das mais belas vozes que já passou pela cidade, a afinada Selma de Castro, paulista de nascimento mas que adotou Curitiba - cidade à qual está voltando após uma temporada de amor em Salt Lake City, Utah (onde chegou a integrar o famoso coral dos mormons). Afinadíssima, com um repertório eclético, Selma mostra nas noites de sexta-feira e sábado, toda sua dimensão de cantora, acompanhada por três bons instrumentistas - Hildebrando Brasil, santista, 28 anos, há 3 em Curitiba, nos teclados; José Antônio Boldrine, 35, também santista, no baixo e o baterista Tiquinho (Luís Carlos Martins, 32 anos). O grupo é tão ajustado que Orlando Comandulli, saxofonista na melhor tradição de Charlie Parker, costuma ali aparecer nos fins de semana, para dar sua canja jazzística.
Pois na noite de sexta-feira, estes ótimos artistas tiveram um reforço extra. O percussionista/baterista Nenê (Roalcino Lima Filho), 40 anos, ex-grupo Hermeto Paschoal, ex-Academia de Danças (de Egberto Gismonti), após 4 anos de residência em Paris (ali fazendo três elepês, o último dos quais sai em maio, no Brasil, pela Continental) foi o primeiro a substituir Tiquinho na bateria e entrosar-se com o grupo, amparando um potpourri da melhor bossa nova na voz de Delma. Depois, Sion fez um dueto com Comandulli, mostrando a ternura de metais bem executados. Finalmente, após alguma insistência, Nelsinho Ayres, nos teclados, mergulhou em toda a ternura de seus temas, em livres improvisos - como convêm uma jam-session, descompromissada - com toda a liberdade que a chamada JAM (Jazz After Hours) permite.
No final em dueto piano-sax, Nelson e Sion homenagearam a anfitriã da noite, a loira Jussara Valentim, com a mais emocionante versão de Standard "My Funny Valentine", que, ao final, foi rebatizada por um entusiástico jazzmaníaco ali presente - sentindo que a bela Jussara havia inspirado os mais belos improvisos:
- Agora, não é mais "My Funny Valentine... é My Funny Valentim".
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As casas lotadas, de sexta-feira a domingo, mostraram que bons espetáculos levam público ao Paiol, não se justificando, portanto, o desprezo com que aquela unidade da Fundação Cultural vem sendo tratada há tanto tempo. O Pau Brasil - formado por Ayres, Sion, Nenê e mais os excelentes Paulo Belinatti (violão/guitarra/cavaquinho) e Rodolfo Stroeter (baixo), trouxeram um punhado de composições novas, incluídas no disco que acabam de fazer para a Continental. O álbum anterior, "Pindorama" (Copacabana, projeto Bom Tempo) vendeu quase 30 mil cópias, um número estimulante tratando-se de música instrumental contemporânea.
Os bons fluídos do Paiol - casa em que o grupo já fez três temporadas inspiraram a Nelsinho Ayres a criar, na sexta-feira à tarde, um belo tema ao qual deu o título de "No Paiol". É a segunda homenagem musical que o teatro ganha. Em 29 de dezembro de 1971, dois dias após a sua inauguração, enquanto Vinícius de Moraes tomava um longo banho (de banheira, como o poeta gostava), no Guaíra Palace Hotel, nascia a letra de "Paiol de Pólvora", e Toquinho criava a música. Aquela música chegou a ter seu lançamento na última apresentação que Toquinho e Vinícius fizeram no Paiol, na temporada de inauguração e, seis meses depois, era incluída na trilha sonora da telenovela "O Bem Amado", de Dias Gomes (a primeira a cores produzida no Brasil). Só que a Censura vetou a letra, pois entendeu que o "Paiol de Pólvora" referia-se ao Brasil - e não acreditou que era apenas a homenagem que o poeta Vinícius tinha feito ao teatro que inaugurou em Curitiba a 27 de dezembro de 1971.
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