Noite Vazia (I) - Requiem para Habeas Coppus, onde o jazz e a MPB calaram
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de janeiro de 1992
Às 3h50 da madrugada de domingo, 26, quando o empresário Sérgio Bittencourt Martins, cerrou as portas do Habeas Coppus (Rua Dr. Murici, 947) os últimos funcionários abraçaram-se emotivamente e seguiram tristonhos para suas casas. Era a última vez que deixavam o local, fechado por decisão de seu proprietário, após três anos e dois meses em que foi um dos endereços musicais de lazer noturno curitibano.
Muito mais do que o fechamento do bar-restaurante Habeas Coppus - exatamente 68 dias após outro bar que funcionava com boa música ao vivo também ter cerrado suas portas - o Crystal (Rua André de Barros, 39) enquanto a Velha Adega, inaugurada em 1966, o Nilo Samba e Choro, funcionando desde 2 de maio de 1983 e mesmo o Trumpet's, que o pistonista Saul Silva Bueno inaugurou em 3 de abril de 1986, também estão na mesma rota de encerramento de atividades - representa um aspecto importante de ser analisado do ponto de vista comportamental de Curitiba.
Há duas semanas (14 de janeiro), já registramos a decadência da noite curitibana, em relação aos anos 50/60, quando dezenas de estabelecimentos - entre boites, night-clubes e restaurantes funcionavam com música e grandes shows - muitos contratados com nomes nacionais - mantinham-se com ótimo movimento numa Capital então com menos de um milhão de habitantes. A partir dos anos 70, enquanto a população duplicava a noite se esvaziou - resultado direto não só de novos padrões de comportamento e modismos, como, especialmente, a partir dos anos 80 de empobrecimento da classe média e a opção dos boêmios da cada vez mais rarefeita classe "A" buscarem outros canais de entretenimento - especialmente por parte da juventude, em bares softs da moda, discoteques com música mecânica etc.
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Entre tantos aspectos que o tema oferece do interesse jornalístico e mesmo sociológico, o fechamento ou desativação dos bares e restaurantes como Habeas Coppus e Crystal está um que reflete bem um aspecto da pobreza cultural: o desempenho de dezenas dos melhores instrumentistas de Curitiba ou aqui radicados.
Mauricy Ramos, baterista, 46 anos, ao recolher o seu instrumento que o acompanha há 27 anos, após o último set musical do Habeas Coppus, na madrugada de domingo, comentava com amargor:
- "Em meus 27 anos de vida é a primeira vez que deixo uma casa de ótimo nível, com bons músicos, que fecha as portas por falta de fregueses. E que me sinto totalmente desamparado em termos de trabalho".
Catarinense de Florianópolis, que chegou em Curitiba em 1961 - quando ainda existiam casas como a Marrocos, Moulin Rouge, Tropical, La Vie En Rose, Graceful's etc., que movimentavam a cidade, Mauricy, pode, como dezenas de outros remanescentes daquela época, comparar os tempos profissionais:
- "Havia opções de trabalhos, casas que, com estilos diferentes, é verdade, abrigavam músicos, cantores e mesmo outros artistas não só de Curitiba mas vindo de outros Estados e mesmo estrangeiros".
Ao seu lado, Tiquinho (Luís Carlos Martins, 36 anos), que era baterista do Crystal até o fechamento daquela casa em 7 de novembro do ano passado, conta que para sobreviver está tocando em conjuntos de bailes, "quando consigo trabalho". Seus companheiros do trio que por 2 anos fez o melhor jazz no Crystal - o baixista Boldrini e o pianista Jefferson (filho do lendário Gebran Sabbag, o melhor teclado jazzístico que o Paraná já teve), conseguiram emprego no San Fillipo, sofisticado restaurante na Rua Comendador Araújo, de preços altos e pequena freqüência, mas que sobrevive porque seu proprietário é dono de uma casa noturna "Gallerie", de grande rentabilidade devido ao público que atinge.
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Desde sua inauguração há três anos, o Habeas Coppus sempre se caracterizou pelo prestigiamento aos melhores músicos do Paraná. O grupo que há meses ali apresentava a melhor MPB entremeada de sessões jazzísticas era formado por Bráulio Prado, pianista - atualmente em tratamento médico; Scarante (violão), Celpa (baixo), Mauricy (bateria) e dois talentosos cantores - Marcelo Cecyn e Cristina.
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