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Aramis

Noite Vazia (II) - Músicos, órfãos da madrugada, cada vez com menos artistas

O fechamento dos bares-restaurantes Cristal e Habeas Coppus, dois dos raros endereços que, com palco, bom equipamento de som e uma grande simpatia de seus proprietários pela valorização dos melhores instrumentistas, reduz ainda mais o já estreitíssimo mercado de trabalho dos músicos no Paraná. Cadastrados na seção regional da Ordem dos Músicos do Brasil, 30 mil associados se reduzem a menos de 3 mil efetivamente tentando trabalhar no Paraná e menos de 10% conseguindo com imensas dificuldades, sobreviver apenas desta profissão. Excluindo-se a Sinfônica do Paraná - com músicos de outro nível, inexistem orquestras regulares em Curitiba e mesmo a tentativa feita pelo veterano Genésio Ramalho, bancada pelo poderio econômico do Hotel Bourbon para relembrar a época de ouro de sua orquestra nas noites do Four Seasons - o sofisticado (e caríssimo) night-clube daquele 5 estrelas - também está meio desativado. Outro veterano e competente maestro e líder musical, Osval Dias de Siqueira, 69 anos, pistonista, este ano desistiu de arregimentar uma orquestra para tocar em clubes durante o Carnaval. Não houve nenhuma proposta decente para justificar o trabalho de seus músicos e assim Osval vai alugar sua moderna aparelhagem de som para um conjunto vindo de São Paulo - do qual não se tem maiores referências - que animará os bailes do Circulo Militar. A decadência musical do Carnaval, com o mercado ocupado por conjuntos sem maiores experiências (quando não por música mecânica) será tema para futuras apreciações. xxx Embora inexista levantamento confiável sobre o mercado musical em Curitiba, acredita-se que não passam de 30 as casas noturnas que mantém algum tipo de profissional em atividade. Sem comparações com outras cidades - mesmo Porto Alegre, com população inferior (mas mais de 50 casas com boa música ao vivo, entre os 200 endereços noturnos), o panorama é desolador, poucos restaurantes e bares que mantém ainda música ao vivo se restringem a solitários violonistas ou tecladistas-organistas eletrônicos, de tons monocórdicos e repertórios limitados. Afora os bailões populares dos subúrbios e algumas casas dançantes de Santa Felicidade - que mantém pequenos conjuntos, há mínimos espaços para estimular instrumentistas e cantores mais criativos. Experiências de happy hour em bares de hotéis de 4 estrelas - como Mabu, Rochelle D'Uomo não passam de temporadas sazonais. Há exceções, é claro! Por exemplo, o entusiasta Júnior Fontoura, proprietário da pizzaria Porthos, ali mantém um excelente grupo musical, enquanto dois experientes pianistas - Lalo Ferreira e Beethoven Jr. (José Acácio) apresentam-se em duas outras pizzarias próximas ("D'Artagnan" e "Estação"). Já o uruguaio Lazaro trabalha atualmente no "Jordan's", caro endereço da moda. Haveria outros nomes de esforçados músicos que, em diversos endereços conseguem contratos temporários, mas infelizmente sem melhores condições de trabalho. Os donos das casas pouco fazem para divulgá-los e valorizá-los e frente a primeira dificuldade econômica (crescente nestes tempos de recessão do público) os dispensam. Estabilidade é a palavra desconhecida no universo do músico da noite que, muitas vezes, chega a se submeter a cachês humilhantes de até Cr$ 10 mil por 5h de trabalho, abaixo da tabela da Ordem. Sem perspectivas de outros trabalhos - estúdios de gravação que os utilizam regularmente inexistem, a época das boas orquestras e conjuntos parece ter terminado nossos instrumentistas refletem a triste realidade de uma época. Natinho (Anatólio de Novaes da Silva, baiano de Vitória da Conquista, 26/6/39, no Paraná desde 1967), que foi candidato a vereador em 1988 com 12.000 votos e o deputado estadual em 1990 com 2.000 votos, pelo PMDB (partido do qual saiu), uma das poucas lideranças que se opõe ao maestro-militar - João Bento de Lacerda há 11 anos na presidência da Ordem dos Músicos e Sindicato dos Músicos Profissionais do Paraná, revolta-se com a discriminação contra os músicos e cantores paranaenses "mesmo quando o Governo e a Prefeitura investem milhões em eventos". Processa atualmente a Emater pelo descumprimento da lei que obriga um percentual para os profissionais do Paraná em eventos oficiais (na última exposição agrícola no Parque Castelo Branco, não houve qualquer participação de artistas locais) está também revoltado com o deputado Rafael Greca e a Fundação Cultural de Curitiba. - "Quando da última Festa de São Francisco, no Largo da Ordem, o cachê oferecido para o grupo de 8 artistas de Nilo foi de Cr$ 50.000,00, quando sabemos que semanalmente a Fucucu torra milhões de cruzeiros com artistas e convidados de outros Estados". Natinho também está chocado com o fato de, até agora, nenhum músico ou conjunto paranaense ter sido lembrado para ao menos abrir o grande show da anistia, amanhã, na Pedreira Paulo Leminski. Embora fã dos grandes nomes que participarão - e reconhecendo a importância desta superprodução promovida diretamente pelo gabinete do prefeito Lerner, lamenta: - "Temos certeza que nossos colegas e organizadores do show, por certo aceitariam sugestões de que houvesse a presença de profissionais do Paraná - que entenderiam o sentido filantrópico do evento e não exigiriam cachês. Mas que deveriam ao menos terem sido convidados".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
29/01/1992

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