Josué e Zequinha, réquiem para músicos da província
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de maio de 1991
Paralelamente ao crescimento da bibliografia da música brasileira, estimulada com o fato de que os dois mais importantes livros lançados em 1990 - "Chega de Saudade - A História e as Estórias da Bossa Nova" de Ruy Castro (Companhia das Letras, 463 páginas) e Noel Rosa: Uma Biografia" de João Máximo e Carlos Didier (Editora da Universidade de Brasília, 533 páginas) estarem tendo sucessivas edições esgotadas - acontecem também publicações menos badaladas - mas igualmente importantes.
Enquanto em Fortaleza, um dos mais dedicados pesquisadores de nossa MPB, o Nirez - Miguel Angelo de Azevedo, edita uma biografia do compositor e pianista Lauro Maia, em Florianópolis, saiu um álbum biográfico com as principais composições de um dos mais estimados compositores daquela cidade, o Zequinha.
Em Porto Alegre, o jornalista Danilo Ucha, um dos principais redatores da "Zero Hora" e editor do "Jornal da Noite" - publicação que dá grande cobertura à música popular - publicou já há algum tempo a biografia de outro compositor já falecido, o violinista Jessé Silva. Os gaúchos, aliás, com uma das mais intensas vidas noturnas - são mais de 100 em Porto Alegre com música ao vivo, dezenas delas de primeiro nível - e com meia dúzia de etiquetas lançando uma média de dez elepês por mês (a discografia gaúcha já se aproxima dos 6 mil títulos), tem também dado atenção à área editorial no que concerne à música brasileira. O jornalista Juarez Fonseca, editor do caderno 2 da "Zero Hora", critico musical respeitado nacionalmente, publicou pela editora Tchê a biografia do trovador e compositor-intérprete picaresco Gildo de Freitas (1927-1984). Já outro jornalista, Keni Braga, dedicou um livro ao flautista Plauto Cruz, um dos mais conhecidos instrumentistas gaúchos, aos 70 anos, trabalhando todas as noites e participando de festivais nativistas. A LP&M, publicou, em 1987, "Jazz em Porto Alegre", de Hardy Vedana (184 páginas, 23 fotos) registrando os músicos que fizeram jazz à moda gaúcha. Entre os pistonistas citados está o conhecido Osval Dias de Siqueira, paranaense de Tibagi, 60 anos a serem completados no dia 29 de maio, que, entre 1962 a 1974 residiu em Porto Alegre, ali tendo marcante atuação profissional. ( )
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Jessé Silva, gaúcho de Erebango, pequena cidade entre Passo Fundo e Erechim, nasceu em 26 de agosto de 1919 e morreu há pouco mais de dois anos, algumas semanas após seu amigo Danilo Ucha ter conseguido publicar a sua biografia - "Jessé Silva - Época de Ouro" (Editora Palomas, 78 páginas, capa de Juarez Fonseca). Músico desde a infância, Jessé fez carreira notável tendo inclusive residido no Rio de Janeiro, em 1973, quando conviveu com alguns de seus ídolos - entre os quais Pixinguinha, Jacob do Bandolin e Sivuca, entre tantos.
Danilo Ucha, 47 anos, quase 30 de jornalismo, já tendo passado por várias redações e ampla vivência internacional - responsável pelas colunas da noite e de livros no "Zero Hora" é dono de um estilo dos mais agradáveis e que faz desta biografia de Jessé um livro de leitura atraente. Dá agora a dimensão merecida a um dos grandes músicos de seu estado, cujo talento ficou registrado em duas dezenas de gravações, desde a pioneira "Baião na Correia", em parceria com Pery Cunha, até seu último disco, "Galia", feito em 1984. Jessé participou de gravações de Pixinguinha e Jacob do Bandolim e, mesmo preferindo voltar ao seu estado do que ficar no Rio - onde teria feito carreira - era sempre um ponto de referência na música gaúcha.
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Zequinha (José Cardoso, Florianópolis, 27/10/1930-6/9/1990), é outro exemplo de um talento que mesmo tendo oportunidade de procurar escalas maiores, optou por ficar em sua cidade, ali desenvolvendo toda uma vida de trabalho. Em publicação da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da exemplar Universidade Federal de Santa Catarina (que beleza quando uma universidade tem suficiente abertura para valorizar artistas populares!) foi lançado no final do ano passado um álbum com 17 partituras de composições (sambas, choros, valsas, canções, marchas) de Zequinha, que pode, assim, ter suas criações mais conhecidas melhor divulgadas e executadas - não só na capital catarinense, onde deixou milhares de amigos, como em todo o país.
Tendo começado a estudar violino aos 11 anos, em 1943 sua família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde com o seu pai, Marcelino e seu irmão, Jorge, formou o Trio Catarinense. Por dois anos (1943/45) participou do famoso programa "Trem da Alegria". Que Lamartine Babo (1904-1963) havia criado em 1942 na Rádio Mayrink Veiga (mantendo-se até 1955), e no qual havia o divertido Trio de Osso - formado por Lamartine, Herbert de Boscoli e Iara Sales (o nome era pela magreza dos componentes e uma sátira ao Trio de Ouro, formado originalmente por Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas).
Em 1964, Zezinho voltaria a Florianópolis e continuaria na música, atuando na Rádio Guarujá fazendo shows em clubes como a União Operária, onde formou seu primeiro regional em 1949 (de 1950 a 1954, atuaria na Rádio Guarujá). Em 1954, Zezinho foi convidado a atuar no regional de Domingos Machado, que a então próspera Rádio Guairacá, em Curitiba, fundada seis anos antes, tinha como uma das atrações para o seu programa de auditório. Na época, poucos metros adiante, na Rua Barão do rio Branco, funcionava a PRB-2, que tinha justamente como líder de seu regional, um músico com muitas semelhanças com Zezinho - o inesquecível Janguito do Rosário. Nesta época, Zequinha também atuou na Rádio Difusora, em Paranaguá. Em 1957, o violinista catarinense viajou para o Rio de Janeiro onde atuou em várias casas noturnas. De volta a Florianópolis, foi diretor musical da Rádio Anita Garibaldi (hoje Rádio cultura). Em 1958, venceu o carnaval com a marcha "Podezz Ziz" e foi para a Rádio Diário da Manhã, ali permanecendo até 1963 - quando aquela emissora, a exemplo do que aconteceu nacionalmente nas emissoras, dispencou seus elencos fixos e passou a atuar apenas com programação mecânica. Mesmo sem abandonar a música, trabalhando em orquestra e conjuntos, compondo, nos últimos 22 anos Zequinha dedicou-se mais ao ensino de violão. Só em 1982, quando do boom provocado pelo ressurgimento do choro, animou-se a formar um regional, intrigado por ex-alunos dos cursos que orientava na Casa de Arte.
Nota (*) Como pistonista, arranjador e líder de uma das mais tradicionais orquestras do Paraná, Osval atua em nosso meio musical desde 1952. Após ter retornado de Porto Alegre, refez sua orquestra, que regularmente está se apresentando em várias partes do Paraná e Santa Catarina.
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