10 ANOS SEM ELIS REGINA (Porto Alegre, 17/3/45 - São Paulo, 19/1/1982)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de janeiro de 1992
10 anos sem Elis!
Há exatamente dez anos - madrugada de 18 para 19 de janeiro de 1982, vítima de uma overdose, a cantora mais famosa do Brasil morria, solitária, em seu apartamento em São Paulo. Foi um choque para todo o país. Desde Francisco Alves - cuja morte, num acidente automobilístico na via Dutra, na manhã de 27 de setembro de 1952, também fez o Brasil chorar - não havia tanta comoção pela morte de uma artista popular.
A televisão - especialmente a Rede Globo - cobriu durante todo o dia os fatos, acompanhando até o seu sepultamento no dia seguinte. Páginas e páginas da grande imprensa, programas especiais produzidos a toque de caixa em rádios e televisões de todo o país lembravam a Pimentinha, a cantora gaúcha, que com seu jeito todo especial de cantar, seu humor nem sempre fácil - mas uma profunda sensibilidade e dramaticidade como intérprete - se transformou num ídolo nacional em menos de 10 anos de efetiva carreira, projetando-se internacionalmente.
Hoje, uma década depois, Elis vive?
O Elis em movimento, criado em São Paulo, para manter aceso o entusiasmo de seus fãs, parece estar um tanto desestruturado - haja visto os poucos eventos anunciados na última semana para a efeméride de hoje. Quando Elis morreu, dezenas de edições especiais de publicações esgotaram em poucas horas e, em Curitiba, a sempre musical Olenka Braga, editora de "Coro de Cordas" fez um número especial que vendeu como pão quente. No ano passado, fez um segundo volume, com novos textos (que preparamos a seu pedido) e que foi o maior encalhe nos 11 anos em que circula esta publicação especializada em apresentar letras e partituras de músicas brasileiras.
Ao que saibamos, nenhuma emissora de Curitiba programou um especial mais significativo sobre Elis Regina. De seus mais de 20 discos - deixados na Continental, Polygram, Sigla e Odeon - muitos estão em catálogo, agora em CD, há montagens de vários outros, inclusive com faixas que, originalmente, em seu rigor crítico, ela nunca permitiu que fossem lançadas enquanto viveu.
Ouvir Elis hoje, rever seus vídeos que talvez sejam reprisados hoje por alguma rede nacional de televisão (até agora, nenhum deles foi lançado em VHS, a disposição dos colecionadores), reler suas entrevistas ajuda a se entender melhor o Brasil musical destes últimos 20 anos - em que ela teve uma presença tão intensa.
Como Silvinha Telles (Rio de Janeiro, 27/8/1930 - 17/12/66), Maysa (São Paulo, 6/6/1936 - RJ, 22/1/1977) - que a antecederam no tão jovem adeus à vida e, em 29 de abril de 1991, Luiz Gonzaga Júnior - coincidentemente, três mortes nas estradas em acidentes rodoviários - Elis fez parte de uma geração que surgiu ao som da Bossa Nova mas, cada um procurou seu próprio caminho, com a perenidade como artistas de grande dimensão. Haveria outros exemplos de tantos intérpretes (e compositores) que já deixaram este nosso mundo, mas Silvinha, Maysa, Elis e Gonzaguinha são nomes que estão mais próximos em nossa retina, sempre lembranças com amarga saudade. (*)
Lembrar Elis em suas passagens por Curitiba é ver um pouco de seu próprio comportamento, muitas vezes imprevisível. Em 1965, logo após ter feito "Arrastão" (Vinícius de Moraes/Edu Lobo) vencer o I Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela extinta TV - Excelsior, em Guarujá, São Paulo, o dinâmico Joffre Cabral e Silva (1917-1969), fundador e presidente do Santa Mônica Clube de Campo, a trouxe para um show que superlotou a então pequena sede (construída em madeira) do "maior clube de campo da América Latina". Na tarde daquele sábado em que ali esteve, a entrevista de Elis foi tumultuada. Mau humorada, literalmente virou a mesa - derrubando garrafas e copos - quando jornalistas insistiram em tentar extrair algum posicionamento político de uma cantora que aparecia num momento de mudanças no país e cantava em "Terra de Ninguém" (Marcos/Paulo Sérgio Valle), que "quem trabalha é que tem/direito de viver/pois a terra é de ninguém".
13 anos depois - em 2 de setembro de 1978 - era outra Elis que, durante 3 horas e meia, em nossa casa, gravava talvez aquele que tenha sido o mais sincero depoimento entre tantas e tantas entrevistas que deu pelo Brasil afora. Num depoimento para o acervo da Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira - da qual havíamos sido um dos fundadores em 1º de março de 1975 - Elis, e o seu então marido César Camargo Mariano, passaram toda uma tarde em nossa companhia - e também do hoje badalado diretor de teatro Marcelo Marchioro (na época, obscuro engenheiro do Badep, fanático por Elis) e sua noiva Nayra Baena de Souza e mais o compositor curitibano Homero Reboli. Elis falou sobre sua carreira, sua família, fez um flash das gravações que fez a partir do "Viva a Brotolândia" (Continental), - que abominava, seu primeiro elepê - até o disco que estava planejando para aquele ano. Elis marcou a entrevista por opiniões firmes, claras, geralmente mostrando uma grande indignação pelo que já acontecia no Brasil (imagina-se se ela estivesse neste Brasil collorido de 1992!), num depoimento que poderia ter rendido uma série de especiais na Rádio Estadual do Paraná se não fosse a tradicional burocratização (e incompetência) que há décadas marca o prefixo oficial.
Um material ainda inédito em termos de aproveitamento radiofônico, mas que, transcrito em texto com zelo da jornalista Mai Nascimento, permitiu que em 21 de janeiro de 1983, o suplemento FIM-DE-SEMANA, que na época, ao lado de Mai e Dante Mendonça, editávamos às sextas-feiras em O ESTADO DO PARANÁ, fizesse um documento histórico. Em 8 páginas, tudo que Elis falou naquela hoje longínqua tarde foi transformado numa entrevista-depoimento que, na opinião do mais respeitado jornalista musical do Brasil, Tarik de Souza, do "JB", se constitui num verdadeiro "testamento de idéias".
Na impossibilidade de reproduzir todo este documento, nos permitimos para este domingo, coincidentemente 10º aniversário da morte de Elis, reaproveitar algumas partes mais importantes da gravação.
Aos que eventualmente tenham lido o documento do "Fim-de-Semana" publicado há 9 anos, possivelmente não se lembram do que Elis falou. À uma nova geração que, esperamos, descubra a importância de Elis para a música brasileira, talvez o seu pensamento, a sua palavra tenham alguma importância. É uma tentativa de contribuição a memória musical de nosso país, que sempre foi uma de nossas grandes preocupações.
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