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MPB, 15 anos em que o marketing é quem manda

Em 1973, quando CLAUDIO MANOEL DA COSTA começava no jornalismo, a era dos festivais de Música Popular já tinha praticamente acabado a forma de grande impacto. Um ano antes, em setembro de 1972, a Rede Globo promoveu o VII FIC - o último da série - que premiou "Fio Maravilha" (Jorge Ben), revelando a ex-empregada doméstica Maria Alcina como uma intérprete original e destacando também "Diálogo" (Baden Powell/Paulo Cesar Pinheiro), defendida no Maracanãzinho por Tobias e Claudia Regina - dois entre tantos cantores lançados em festivais que não deram certo. Entre abril de 1965 - quando "Arrastão" (Edu Lobo-Vinícius de Moraes), na voz da pimentinha Elis Regina abria o ciclo dos grandes festivais - até hoje, as mostras competitivas de MPB ainda representam uma porta para novos talentos. Só que nestes últimos anos, mesmo tentativas bem produzidas ("Abertura", "MPB-Shell", "Festival dos Festivais" etc.) não conseguiram mais empolgar o público em escala nacional. Os festivais resistem regionalmente - mas pouco fazendo para a promoção dos artistas que neles competem (embora haja uma chamada geração "ratões dos festivais", que sobrevive apenas dos prêmios que busca nestes eventos). Só no Rio grande do Sul, com o forte movimento nativista - a partir da Califórnia, surgida há 17 anos, é que o ciclo dos festivais mostrou maior resistência - e fortaleceu, inclusive, a indústria fonográfica com mais de 3 mil discos lançados nestes últimos anos. No Paraná, só agora, os festivais mais bem estruturados - como o Fercapo, em Cascavel, começa a ter suas finalistas editadas em elepês. Mas a música brasileira não vive apenas de festivais - embora, é preciso reconhecer, que os grandes nomes que aí estão - Chico Buarque, Gonzaguinha, Edu Lobo, Caetano e Gil, Milton Nascimento (para falar só das estrelas maiores) tenham surgido na golden age. Assim como a estrela maior de nossa música, o hoje internacional Antônio Carlos Jobim, é o resultado da fase da Bossa Nova - mas cujos tantos outros talentos (Carlinhos Lyra, Sérgio Ricardo, Claudete Soares, Marcia, Johnny Alf, Alaide Costa, etc.) foram tão prematuramente esquecidos. João Gilberto é o mito maior e faz o certo: espaça suas apresentações - como a que fez na semana passada, no Palace, em São Paulo, para não se desgastar num mercado extremamente cruel (e ignorante) que não respeita ninguém com mais de 50 anos e fica, antropofagicamente, a exigir uma eterna juventude (e renovação) de seus ídolos - o que leva o quase cinquentenário (ele completa 46 anos no dia 19 de abril de 1989) Roberto Carlos a insistir na velha regra de não se modifica o time que está ganhando. A cada ano, em dezembro, o seu novo álbum é exatamente igual em concepção, capa e estrutura musical dos anteriores - como vem acontecendo desde 1965, quando no lp "Jovem Guarda" cantava "Quero que tudo mais vá pro inferno" e "Mexericos da Candinha". O disco de Roberto Carlos-88 - é como o de 87, e o de 86: baladas românticas, cuidados de produção, sofisticação máxima e um marketing para fazer com que as vendas ultrapassem aos 2 milhões de cópias - principalmente depois que a ex-modelo Xuxa, ex-namoradinha de outro rei - o Pelé - conseguiu desbancá-lo em vendagem. A Cz$ 6 mil, lançado na praça há mais de um mês, Roberto Carlos com canções descontraídas como "Papo de Esquina" (dele e de seu parceiro perpétuo, Erasmo Carlos) ou numa homenagem a Gardel/Lepera ("Volver", cantando em espanhol - para treinar o projeto de, ao lado de Júlio Iglesias, ampliar sua penetração internacional), Roberto Carlos é o exemplo de produto de consumo, pasteurizado - mas que dá certo. Tão certo que o empresário Atilio Vanucci Filho, coordenando uma nova tournée do Rei, só aceitaria fazer uma única apresentação de RC em Curitiba (Guairão, dia 26), se o superintendente Constantino Viaro isentasse de taxas e ainda autorizasse a venda de ingressos entre Cz$ 25 a Cz$ 17 mil. Que piada... Cada vez mais o processo industrial substitui o talento e qualidade musical do Brasil. Há muito que a figura do diretor artístico - de saudosa memória - cedeu lugar ao "gerente de produto" e hoje as pesquisas valem mais para direcionar qualquer lançamento do que o talento de um artista. Na era do laser, com produções cada vez mais caras, os executivos da indústria não podem errar sob pena de perderem muito bem remunerados empregos. Assim, a dificuldade é fazer com que ótimas cantoras como Simone, Gal, Maria Bethania ou Beth Carvalho possam equilibrar repertórios de qualidade com vendagem certa. Simone, por exemplo, cada vez mais superstar (que saudades daqueles tempos de simplicidade, do início de carreira) há três semanas já está nas lojas com seu novo elepê, enquanto que Beth Carvalho, felizmente, mudando de gravadora (da RCA para a Polygram - em "Alma do Brasil" retoma a linha do melhor samba que a consagrou como a grande intérprete - numa área que ficou mais fácil após a prematura morte de Clara Nunes (1943-1983), em que pese um geração after Alcione que belisca a mesma área - especialmente no balanço do pagode, mas Beth, quando quer, é a grande sambista, emotiva e maravilhosa como mostra em faixas como "Vestida de samba", "A Sete Chaves", "Saigon", o irônico "Milagre Brasileiro" - ou a seleção de sambas da antiga, com hits de mestre Manaceia, Caneia, Rufino, Aniceto do Império, entre outros, - neste seu verde-amarelo "Alma do Brasil". Wando, paulista, é outro exemplo do trabalho comportamental da música - reflexo de mudanças nos critérios de produção: assumindo um romantismo erótico, cada vez mais explícito, em "Obsceno", seu décimo terceiro elepê (Polygram), assume totalmente a linguagem do amor-carne, paixão desenfreada - como em "Bailarina" ("Nas mãos do seu colo eu me atiro / te guardo a sete chaves / dentro de mim bailarina") ou "Vem me agasalhar" ("Cole o seu corpo / no meu corpo / que quero ficar / dentro desse dentro"). A corrida internacional da música de consumo - com as fusões do rock dos anos 50/60, as novas tendências, as novas tecnologias e os supergrupos cada vez mais sofisticados e pretenciosos em seus projetos, o boom do chamado rock brasileiro - atingindo uma faixa que ainda está colonizada culturalmente - tem, para compensar, neste últimos anos, alguns aspectos positivos. Os catálogos de discos clássicos e jazz têm crescido, especialmente junto a grandes empresas como a Polygram/CBS/ EMI-Odeon e, por último a RCA, enquanto pequenas marcas - Imagem Brasdisc, entre outras - também começam a, impulsionadas nas águas do sucesso das edições de Free Jazz, suprir os que apreciam jazz. A faixa de música erudita, de alto poder aquisitivo, garante a absorção dos CDs - uma forma superior de som perfeito, que vem crescendo de forma impressionante nos últimos meses - apesar do custo de cada unidade ficar ao redor dos Cz$ 20 mil. Os instrumentistas deixaram de ser apenas side men de acompanhamento dos chamados canários e alçaram vôos solos, com estímulos de produtores como Carlão (Visom), Mário Aratanha (Kuarup) e, especialmente Walter Santos/Tereza Souza, que pelo Som da Gente, disciplinaram até a genialidade dispersiva do Bruxo Hermeto Paschoal - que encerra o ano com um belíssimo álbum duplo instrumental - seguramente entre os melhores do ano. xxx Num flash-back de uma década e meia não se poderia também deixar de registrar o fim da chamada música de Carnaval. Em 1973, quando CLÁUDIO fazia os primeiros registros dos bailes carnavalescos, ainda apareceu um samba bastante cantado - "Ninguém Tasca" (Martinho da Muda/João Quadrado) e, no ano seguinte, o "Boi da Cara Preta" (Zuzuca) fazia sucesso. Mas naquele ano, já crescia a tendência de fazer dos sambas-de-enredo das grandes escolas alcançarem o povão - e a homenagem ao grande Alfredo da Rocha Viana, falecido um ano antes, aos 75 anos, com "O Mundo Melhor de Pixinguinha" (Evaldo Gouveia-Jair Amorim/Velha) era dignamente sucesso ao menos no Carnaval carioca. De lá para cá, cada vez mais a música de Carnaval foi desaparecendo - e só os sambas-de-enredo, hoje uma indústria altamente lucrativa é que sobreviveram. A tal ponto que o admirável João de Barro - o Braguinha, 82 anos, autor dos maiores sucessos carnavalescos de todos os tempos, há cinco anos não consegue sequer uma gravação de suas marchinhas - que ele, vigoroso e talentoso, continua a compor. Precisa acresentar algo mais? LEGENDA FOTO 1- Beth Carvalho: som verde-amarelo. LEGENDA FOTO 2 - Roberto Carlos: a repetição que vende. LEGENDA FOTO 3 - Simone: agora é marketing.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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18/12/1988

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