Um livro de arte para expotação
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de dezembro de 1988
O jornalista Antônio de Oliveira Pinto, crítico de cinema da RTP - Rádio Televisão Portuguesa e do Diário Popular de Lisboa - onde também escreve sobre livros de arte e, eventualmente, artes plásticas, foi um dos primeiros estrangeiros a folhear o volume "Fitas e Bandeiras Venske" de Orlando Azevedo. Veterano profissional, acostumado a ver/sentir as melhores imagens, sua opinião foi de deslumbramento frente às fotos que Azevedo conseguiu captar de uma fábrica desativada e que graças ao apoio financeiro de duas secretarias de Estado - Indústria e Comércio/Cultura - conseguiu ver reunidas em livro, após dois anos de uma via crucis por gabinetes oficiais.
A espera compensou: desde o mês de outubro, quando "Fitas e Bandeiras Venske" teve seu lançamento no Museu de Arte de São Paulo, paralelamente a exibição das fotos originais, em formato grande, todos que conhecem o mínimo de arte fotográfica não se cansam de elogiar Orlando, hoje um dos mais respeitados profissionais do Paraná, Estado ao qual chegou ainda adolescente, vindo de Lisboa, ele que é açoriano de Ilha Terceira, onde nasceu em 1949.
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Orlando é daquelas pessoas que com sua formação cultural européia sempre se preocupou em fazer bem as coisas. Em seus tempos de adolescente, naturalmente entusiasmado pelo rock aqui formou o mais sólido grupo musical - A Chave - no qual, inicialmente como uma espécie de orientador teórico, depois baterista, deu uma grande projeção. Justamente por não se render ao comercialismo, A Chave embora tenha obtido um alto nível artístico, ficou apenas no registro de um compacto simples.
De seus tempos d'A Chave, ficou a camaradagem com Carlos Gaertner, formado em jornalismo e amigo dos mais fiéis, que se empenhou na produção de "Fitas e Bandeiras de Venske", batalhando pelo seu financiamento.
Formado em direito, Orlando viria a se interessar pela fotografia - e com a felicidade de encontrar uma musa, esposa e companheira que tem também a magia das imagens, Vilma Slomp, nasceu o Casal 20 da fotografia do Paraná. Neste últimos10 anos, tanto Orlando como Vilma têm acumulado premiações, participações nas mais importantes mostras e, especialmente, convites para fazerem trabalhos especiais, além de, em Curitiba, o estúdio do casal estar entre os dois mais procurados pelos diretores de arte das melhores agências que se preocupam em bem utilizar as verbas dos clientes e que desejam material de primeira qualidade.
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Com textos em português e inglês, "Fitas e Bandeiras Venske" é daqueles livros que se pode (e deve) oferecer a amigos no Exterior, como significativos da melhor produção cultural no Paraná. Vendido em seu lançamento, há uma semana, na galeria de arte Waldir Simões, a apenas Cz$ 5 mil, é uma obra que possivelmente merecerá repercussão internacional. Lamentável, apenas, que inexista no Brasil uma crítica especializada em livros de fotografia para se ter apreciações mais profundas sobre o trabalho de Orlando, do ponto de vista estético.
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Normalmente discreto, econômico em seus elogios, Casemiro Xavier de Mendonça, hoje um dos três mais respeitados críticos de artes plásticas do Brasil - durante 1988 afastado do jornalismo opinativo diário, devido a compromissos internacionais (acompanhou mostras sobre o barroco brasileiro em vários países da Europa e Estados Unidos), não só fez o inteligente texto de apresentação, como fez questão de vir na noite de lançamento do livro.
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Iniciando seu brilhante texto com referências a Anton Tchecov (1860-1904), e o pintor francês Jean-Baptiste-Simeon Chardin (1699-1779), Casemiro refere-se às fotos de Orlando Azevedo como demonstração "de um olhar já treinado por uma boa cultura visual, pois existem soluções formais às quais não se chega apenas por pura intuição criativa. É preciso algo mais sólido. E para este tipo de imagens, onde o assunto não é flagrante do momento ou o exotismo da situação, é preciso também muita reflexão para que finalmente transpareça esse tempo em suspenso, que veste os objetivos como uma pátina imperceptível".
Num admirável poder de síntese o ex-crítico de "Veja" e "Jornal da Tarde", salienta a seguir:
"Assim como em outras artes, os fotógrafos no Brasil são muitas vezes pressionados a trabalhar com as tendências que naquele instante dominam o mercado. E por isso, apesar da existência hoje, na década de 80, de artistas brasileiros da fotografia que com segurança poderiam disputar o reconhecimento internacional, é muito mais árduo para todos eles conseguirem uma afirmação em seu próprio país com uma linguagem independente".
Referindo-se especificamente ao trabalho de Orlando Azevedo neste seu ensaio fotográfico, Xavier de Mendonça entendeu que ele "apresenta um universo específico e de forma muito pessoal".
- É perigoso transformar esse tipo de imagens numa nostalgia adocicada, em imagens difusas e com um excesso de tons suaves. Ele consegue uma contenção no justo limite. Ao mesmo tempo, suas composições quase abstratas poderiam voltar aos exercícios formais que desgastam a produção de tantos fotógrafos. A sua viagem entre os fios, carretéis e retalhos da Fábrica Venske tem uma postura de música de câmara - efeitos sutis - sem nenhum espaço para os grandes alardes sinfônicos. Ela exige uma atenção demorada mas as fotos se articulam com leveza e inteligência para compor o painel final.
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Como já registramos inúmeras vezes (aliás, "Tablóide" foi a primeira coluna a falar deste projeto de Orlando) as fotos foram feitas no enorme barracão que a fábrica de fitas fundada em 1907 por Gustavo Venske ocupou a partir de 1938 na Rua Ubaldino do Amaral, alto da Rua XV. Inicialmente com 10 mil metros, chegou a ter 16 mil metros quadrados, quando desativada a oito anos. Durante muito tempo os teares - e mesmo parte do estoque - ali permaneceu, o que fez Orlando fazer em seu interior mais de 2 mil fotos, das quais selecionou o material para este livro.
Hoje, a área pertence ao empresário Edmundo Lemanski, que teve uma original forma de aproveitá-lo: está fazendo contratos com instituições culturais internacionais para ali implantarem suas sedes. A primeira a aceitar a proposta foi o Instituto Cultural Brasileiro-Germânico/Goethe Institut, que em fevereiro transfere suas instalações no início da Rua Mateus Leme para a nova sede - a antiga fábrica Venske.
LEGENDA FOTO - Orlando Azevedo e Casemiro M. Xavier de Mendonça: o fotógrafo e o crítico.
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