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Aramis

Era uma vez um projeto para promover a música paranaense

Mais uma imensa baixa no panorama cultural paranaense: após 18 meses de trabalho, investimentos no valor de US$ 200 mil e prejuízos que passaram dos US$500 mil, o animador cultural Romário Borelli está fechando a Alamo-Sul, estúdio de som que pretendia atuar na área de produções fonográficas em Curitiba, atingindo todo o Estado. Nos próximos 10 dias, Romário se desfaz do mobiliário de escritório - já negociando com uma ascendente agência de propaganda (Linguagem e Comunicação), encaminha o moderno equipamento de gravações para o Alamo, em São Paulo, e venderá o equipamento mais simples, além de alguns instrumentos e vedações acústicas, a grupos musicais que se interessem em adquirí-los. Generosamente, apesar dos prejuízos sofridos, Romário entregará as fitas-masters dos sete elepês que pretendia editar dos artistas. Para alguns, inclusive, dará os fotolitos com a arte da capa (criada pelo artista pernambucano Luís Carlos - que também deixou Curitiba), oferecendo, assim, condições para que os artistas possam, por sua conta e risco, batalharem pela prensagem e lançamento. Há pouco menos de dois anos, Romário começou a implantar a Alamo-Sul com sonhos de aqui fazer não só uma atuante etiqueta musical, mas um verdadeiro núcleo cultural. Hoje, ao desativá-lo, admite que foi vencido por uma série de fatores adversos - em primeiro lugar, o monstro chamado inflação. xxx A Alamo-Sul nasceu da disposição do engenheiro de som e empresário Michael Stoll, presidente do Alamo - um dos maiores estúdios do país (e o principal na sonorização de filmes, vídeos etc.) em diversificar suas operações. Inglês que veio para o Brasil nos anos 50, a convite de Franco Zampari para dar seu know-how à então nascente Vera Cruz, Michael Stoll montou em São Paulo um estúdio voltado especialmente à sonorização de filmes, que há muito está entre os melhores da América do Sul. Assim desejando que houvesse uma diversificação em sua linha de produção e considerando que Borelli, seu genro, havia decidido fixar-se em Curitiba (sua esposa Sandra, técnica do Ipardes é agora professora de antropologia da Universidade Federal) apoiou a implantação de um moderno estúdio. Somando o equipamento que já dispunha com novos gravadores e uma mesa de 36 canais, importada da Inglaterra, o novo estúdio foi montado (Rua Lúcio Rasera, 1035, no bairro Bigorrilho, próximo ao Parque Barigüi), há 18 meses. Em janeiro do ano passado, Romário começou a planificar uma produção, prestigiando artistas de diferentes tendências musicais. Afinal, como escritor, ator e mesmo cantor (ver box nesta mesma página), Romário desejava que a Alamo-Sul fosse uma extensão cultural do estúdio paulista. xxx Nestes 12 meses, o Alamo-Sul produziu material suficiente para uma dezena de elepês, além de ter realizado alguns trabalhos avulsos. Contratado pela Fundação Teatro Guaíra, fez a gravação e produção do primeiro lp da Orquestra Sinfônica do Paraná. E, neste ano terrível em termos empresariais, Romário sentiu o quanto torna-se difícil o trabalho de produtor cultural independente. Além da inflação que inviabiliza qualquer projeto de maior envergadura, encontrou dificuldades técnicas na prensagem dos discos. Depois que a Sinfônica, regida pelos maestros Alceo Bocchino e Orlando Colarusso, gravou (na sua própria sala de ensaios, no subsolo do grande auditório do Guaíra), a fita-master, começou uma verdadeira saga para que o disco afinal ficasse pronto e fosse entregue - o que aconteceu no final de dezembro do ano passado. xxx Praticamente todas as fábricas de discos do eixo Rio-São Paulo (Continenal, Barclay, Polygram, CBS) estavam com sua produção tomada no último trimestre. A prensagem de milhares de cópias de discos de superstars em termos de venda (Roberto Carlos, Xuxa, Chitãozinho e Xororó, Amado Batista etc.) inviabilizava contratos para produção de terceiros. Além disso, os preços aumentaram em mais de 2.000% neste ano, fazendo com que só a prensagem de cada unidade alcançasse a soma ao redor dos NCz$ 40,00. Romário tentou os trabalhos de uma fábrica instalada há poucos meses em Porto Alegre - a RGS Discos, pertencente ao grupo nativista Os Mirins. Utilizando antigas prensas da Mocambo, que a fábrica Rozemblite possuía no Recife (e que foi desativada devido a sucessivas inundações do Rio Capibaribe), a fábrica gaúcha ainda não dispõe de condições técnicas mínimas. A prensagem do disco da Sinfônica mostra-se precária, de forma que Borelli recusou-se a receber o material - mas tendo um prejuízo pessoal de NCz$ 50 mil. Desesperado em encontrar uma fábrica que fizesse um bom trabalho foi a Buenos Aires e contactou uma das principais indústrias fonográficas daquele país - a "Juramento". Bons preços e qualidade satisfatória. Entretanto, a burocracia para executar um trabalho no Exterior tornou inviável fazê-lo na capital argentina. Só a custa de muita paciência - e a preços caríssimos - a Barclay (RCA) acabou prensando os discos da Sinfônica do Paraná, finalmente entregues à Secretaria da Cultura, cumprindo o contrato. Após esta experiência amarga, exaustiva e sobretudo frustrante - com prejuízos imensos - Borelli desistiu: discos, nunca mais. xxx Se há alguns anos era impossível viabilizar a produção de um disco independente com a venda de menos de 50% de uma quota mínima (mil cópias), hoje qualquer produção, por mais modesta que seja, não fica por menos de Ncz$ 400/500 mil. Como o mercado fonográfico do Paraná é mínimo (não é capaz de absorver produtos que custem acima de Ncz$ 150,00 a unidade), insistir na prensagem de dezenas de discos que havia gravado seria aumentar os prejuízos. Assim, a opção de Romário foi a de desativar o estúdio e entregar o material registrado aos artistas para que eles próprios, se quiserem, tentem editá-los - buscando patrocínios junto à iniciativa privada ou apoio oficial. xxx A continuidade do moderno estúdio Alamo-Sul poderia ser feita através da exploração de trabalhos publicitários - concorrendo com o Sir e o audison, os dois maiores (e dos mais lucrativos) do Estado. Entretanto, por sua própria formação humana e intelectual, Romário não se dispõe a fazer um trabalho publicitário, totalmente diverso de sua forma de ver o mundo. Assim, preferiu a desativação do estúdio e voltar a escrever seus textos, dar aulas e fazer conferências - atividades que exercia antes desta tentativa de implantar um selo musical no Paraná. xxx Durante 1989, Romário bancou as gravações (estúdios, pagamento de músicos, arranjos etc.) da cantora Merinha, de raízes tradicionalistas; João Lopes - o autor de "Bicho do Paraná", com um novo projeto chamado "Pé Vermelho"; Cabelo (João Romano), com um projeto denominado "Paraná" e as duplas Campinho e Campeiro, Zezé e Simões, Zé Poeta e Poesia e Dino Reis e Diones. Já mixadas, estas gravações aguardam o processo de industrialização. Havia muitos outros projetos culturais que teriam desenvolvimento em várias frentes. Infelizmente, Romário é mais um desiludido da cultura do Paraná, especialmente em Curitiba. Não culpa ninguém, especificamente - a não ser a própria conjuntura nacional. E com isto, o sonho de fazer o Paraná ter uma presença maior no cenário musical foi para o brejo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/01/1990

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