Freire-Maia, nosso candidato ao Nobel
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 30 de junho de 1988
Muito mais do que a data redonda em si, os 70 anos de Newton Freire Maia, lembrados ontem, com uma ampla programação organizada por seus muitos amigos, representou um pouco do reconhecimento desta cidade a uma de suas melhores "cabeças" - que pode ser visto como um exemplo em qualquer prisma do caleidoscópio de sua vida: professor, cientista, pai, intelectual, homem de fé e, sobretudo, amigo daqueles que tão bem preenchem a receita do poeta Fernando Brant ("amigo é coisa/para se guardar/ debaidebaixo de 7 chaves/do lado esquerdo do peito").
Mineiro da Serra da Boa Esperança - a lírica cidadezinha na qual Lamartine Babo viveu uma das mais bem humoradas histórias de amor de sua vida e que se transformou num clássico do cancioneiro nacional, a biografia de Newton é ampla e, felizmente, tem sido cuidadosamente tratada. Pessoalmente já gravei mais de 10 horas com seus depoimentos, sempre repletos de bom humor, profundidade, otimismo e equilíbrio - que refletem um homem que, por sua dimensão de geneticista é, porque não, um nosso muito particular candidato a um Nobel. Se não um científico ou da Paz - que pelo espírito conciliador e sensato, sempre o caracterizou - o Nobel da integridade e da amizade.
Não é preciso falar da importância que foi a vinda de Newton para que a Universidade Federal do Paraná, tão pobre em sua longa história, tivesse ao menos na área de genética humana uma dimensão internacional refletida em centenas de publicações, dezenas de discípulos que hoje, por centros de ciência e pesquisas do mundo , levam o conhecimento que tiveram nas aulas com Newton os momentos básicos.
Socialista e humanista, intelectual de sólida formação, nunca deixou que os ismos tolhessem sua visão do universo e assim, num certo momento de sua vida, descobriu Cristo - e hoje, católico fervoroso e consciente, é o exemplo do cientista que prova a convivência da fé e da matéria. Das homenagens ontem recebidas - um seminário com presenças de geneticistas de expressão nacional (aqui presentes em homenagem pessoal), projeção de um vídeo sobre sua vida e obra e um confraternizante jantar, o ponto, mais emotivo foi a missa ao entardecer, com o coral da UFPR.
Falar de Newton Freire Maia - sua vida, sua trajetória de cientista, da sua dignidade política e pessoal, recolhendo suas opiniões sempre francas e corajosas - mas jamais deixando de ter o equilíbrio da maturidade - faz com que qualquer jornalista mediante sensível que dele se aproxime torne-se um membro nato de seu (imenso) fã-clube. Mas ao lado dos muitos Newtons que nele existem, há um, particularmente, que sempre me delicia quando, no correr de cada dia, nos reencontramos: suas lembranças dos tempos do cinema mudo em Boa Esperança e das cartas que, menino de calça curta, recebia do biólogo Augusto Lumiére (1862-1954), que o viu, antes de mais nada, como um garoto prodígio, interessado em ciência, mais do que alguém que tanto aprenderia a amar o cinema. Que ele sabe apreciar tanto quanto a melhor música, o jazz mais harmoniosos - e que lembra sempre Miles Davis, da fase dourada dos anos 40/50 ("The Birth of Soul", "Sketches of Spain", "Milestones") como a sonoridade perfeita.
A este Newton, cientista do mundo, amigo do coração, um brinde maior! Que os próximos 70 anos sejam ainda mais felizes.
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