Ontem, agora e sempre a poesia maior de Helena Kolody
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de março de 1991
O acavalamento de uma série de edições patrocinadas pela Secretaria da Cultura que estão sendo lançadas neste mês - de mais de trinta livros programados para o encerramento da administração René Dotti (alguns inclusive nem ficaram prontos a tempo de saírem até o dia 15 último), trouxe algumas felizes coincidências que permitem aos leitores de maior discernimento - e entre os raros que se dão ao trabalho de analisar nossas publicações (como o sempre atento João Manuel Simões, que por sinal pouco tem editado nos últimos meses), a fazerem possíveis aproximações.
Longe de qualquer pretensão crítica - tarefa a qual jamais nos propusemos - não deixa de ser oportuno registrar, ao menos, que entre os livros de poesia que saíram nestas últimas duas semanas estejam refletidos tendências de autores de diferentes gerações e, principalmente dando suas visões do mundo.
Em primeiro e absoluto lugar de destaque, a maior de nossas poetas, verdadeiro símbolo do lirismo do Estado e que, felizmente, nos últimos anos tem sido devidamente reconhecida na dimensão de seu talento: Helena Kolody. Embora considerando ter encerrado oficialmente sua produção, na modéstia que sempre caracterizou esta filha de ucranianos, nascida em Prudentópolis, e que além de ter sido mestre de várias gerações que passaram por suas sábias aulas no Instituto de Educação do Paraná, construiu uma obra das mais sólidas, dona Helena não deixa de fazer suas poesias. Graças a insistência de Regina Benitez, a cuja dedicação e competência, aliás, deve-se o boom editorial oficial neste final de administração dottiana, torna-se possível conhecer alguns poemas inéditos de Helena Kolody, reunidos nas 85 páginas de "Ontem Agora". Como sempre nas edições coordenadas graficamente por outra jovem caprichosa, Teresa Cristina Montecoli, as poesias de dona Helena chegam em sua letra de normalista, dando um sentido ainda mais personalizado a quem sabe ver tão profundamente as coisas do coração em cristais em forma de palavras.
Assim, remexendo em gavetas, encontrando poemas escritos em diferentes épocas que não haviam entrado em suas obras anteriores, temos esta coletânea cuja leitura oferece um imenso prazer a quem sabe ver/sentir a poesia em sua plenitude. Nostalgicamente, um pequeno canto escrito há 21 anos ("Cantiga de Recordar"), introduz "Ontem Agora", que poderia ter uma terceira palavra em seu título: "sempre".
"Doce lembrança orvalhada
de madrugadas amigas
Fumaça de chaminé
subindo na manhã fria
Florida malva rosa
debruçada no jardim
Uma revoada de sonhos
Na vida que amanhecia
Cantiga de recordar...
Ai que saudades de mim!"
Na nostalgia do mundo, Helena contempla o mundo e as transformações de sua cidade. Em 1988, vendo seu nome num muro, lembrando uma de suas poesias, escreveria também... só que em papel - agora impresso:
"Meu nome / desenho a giz
No muro do tempo
Choveu,
sumiu"
("Grafite").
Ilustrada com fotos de Alice Varajão - uma carioca que nos últimos anos tem realizado a mais completa documentação de nossa vida artística, com suas lentes de sensibilidade - a poesia de dona Helena diz o suficiente em poucas palavras. Como nesta frase, menos do que um Hakai:
"Minha ventura se chama saudade e tem o teu rosto!".
O fascínio das palavras de Helena Kolody é tanto que se corre o risco de, a guisa de um registro, usarmos todos este seu novo livro - que deve ser adquirido, lido e preservado como exemplo da dimensão de uma poeta maior.
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