Poesia maior para o Natal
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de dezembro de 1988
Na montagem de "Viagem no Espelho", o editor Roberto Gomes faz uma viagem ao inverso: ao invés de começar pelas primeiras poesias de Helena, o livro abre com trabalhos recentes ("Poesia Mínima, 1986), nas quais, já coloca a sua intimidade com as palavras, num trabalho de ourives qua as trabalha com perfeição.
As palavras têm sentido
num código particular
Cada qual é singular
Em sua maneira de ler
("Código")
O gosto pela leitura, capaz de ter uma síntese tão perfeita:
Navegou / No veleiro dos livros
Desembarcou / e conferiu
E o mundo que viu / Não era o que imaginou
("Navegante")
A poesia é um Dom. E Helena em três linhas fala dele.
Deus dá a todos uma estrela
Uns fazem da estrela um sol
Outros nem conseguem vê-la
Em "Encontro dos Contrários", uma imagem para ficar.
O Encontro dos contrários
gera o corisco e o trovão
Nasce a chuva,
o verde,
vida
A juventude sempre foi presença na poesia de Helena Kolody. Em "Jovem" diz, com otimismo, sua mensagem.
Suporta o peso do mundo
e resiste
Protesta na praça / Contesta
Explode em aplausos
Escreve recados
nos muros do tempo
E assina
Compete
no jogo do incerto da vida
Existe
O que dizer perante uma jóia poética como "Gestação"?
Do longo sono secreto
na entranha escura da terra
O carbono acorda diamante
Há poemas que se materializam em uma frase - e que são invocados com perfeição em muitos momentos. Jaime Lerner tomou por empréstimo de Helena Kolody a forma exata para encerrar o seu discurso quando recebeu o diploma de prefeito, há duas semanas.
Para quem viaja ao encontro do sol
é sempre madrugada
Recuamos oito anos e em "Infinito Presente", Helena já dava sua "Opção":
A todo momento
uma encruzilhada
livremente preferimos
Um caminho entre os possíveis
A escolha é vitória
coroada de renúncias
Partir também é a reflexão da poeta.
Amiudam-se as partidas...
Também morremos um pouco
no amargor das despedidas
Cai deserto, anoitecemos
enluarados de ausências.
("Anoitecer")
Uma definição:
O poeta nasceu no poema,
Inventa-se em palavras.
Espelho - uma imagem presente em várias fases de sua obra - e razão do título da antologia.
Existia no Espelho.
Súbito,
buscando sua imagem,
não mais se encontrou
no espaço vazio
("Espelho ausente")
Na viagem ao "Tempo" (1970), Helena falava de criaturas-temas que sempre fascinaram seu universo poético:
Persigo um pássaro / E alcanço apenas
No muro / a sombra de um vôo
De "Trilha Sonora", em 1966, a perfeição sintética de poesia:
No silêncio luminoso da tarde
Árvores desfolham-se em pardais
("Cromo")
(Há alguns meses, gravando entrevista para o projeto Memórias Históricas do Paraná, Dona Helena explicava:
Esta poesia nasceu num entardecer quando centenas de pássaros voaram das árvores na praça Ruy Barbosa. Quando havia árvores na praça e os pardais ali pousavam nos dias quentes de verão.)
Para refletir. E refletir.
Como pesa o vestido do tempo
No espírito imortal?
("Fardo", 1966)
Há 22 anos, "Era Espacial" já mostrava a poeta antenada com o admirável (admirável?) mundo que surge neste final de milênio.
O homem irá viver na Lua.
em cavernas.
Como se alegrará o troglodita.
Soterrado em sólidas camadas
de civilização.
Na mesmo época, uma poesia preocupada, que começava dizendo:
O homem esposou a máquina
e gerou um híbrido estranho:
um cronômetro no peito
um dínamo no crânio.
("Maquinomen")
Gira a roda do tempo e em "Vida Breve" (1964). "Tempo" era assim definido:
Cai a areia da vida
Na ampulheta da morte
Outro momento de reflexão:
A solidão da vida.
Longo ensaio
Da solidão da morte
("Ensaio", 1964)
Ler a poesia de Helena Kolody é viajar no mar do pensamento, da beleza da reflexão - e entre tantos livros editados neste ano que se encerra, poucos, muito poucos, têm tanta beleza como a "Viagem no Espelho". Para encerrar - já que o espaço acabou - um hai-kai que o melhor mestre desta arte poética não deixaria de assinar - e que Helena escreveu em 1945 ("Música submersa"), quando nunca havia ouvido falar na arte do hai-kai.
De grinalda branca.
Toda vestida de luar,
A pereira sonha.
("Pereira em flor")
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