Uma Fundação Newton Carneiro para preservar o seu acervo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de abril de 1987
Na Avenida Visconde de Guarapuava, uma grande mansão ao estilo virginiano, rodeada de prédios, guarda o maior acervo das artes plásticas e documentação iconográfica não só do Paraná mas mesmo uma das mais respeitáveis coleções do Brasil. Durante mais de 40 de seus 72 anos, o professor Newton Isaac Carneiro, reuniu pinturas, esculturas, objetos de arte e, principalmente livros, publicações, documentos que o fariam um dos mais admirados estúdios da arte no Brasil. Poucos sabiam que pelo seu conceito de bibliófilo, integrava o Conselho da Biblioteca Nacional, ocupando, inclusive, sua presidência.
A morte inesperada do professor Newton Carneiro e sua esposa, dona Elza, em acidente automobilístico, há uma semana (e que devido ao feriadão não teve o registro na imprensa que merecia), priva o Paraná de uma personalidade ímpar, que soube sempre usar as boas condições de vida que teve, para formar um invejável patrimônio cultural. O deputado Rafael Greca de Macedo, uma das pessoas que sempre soube reconhecer a importância cultural de Newton - foi o único parlamentar a se pronunciar na Assembléia, lamentando a trágica morte do casal Carneiro. Nesta edição do "Almanaque", num texto repleto de informações sobre Carneiro, o homem e o intelectual, Rafael lembra a sua importância.
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Se o ex-governador João Elísio não tivesse entregue o governo do Paraná em situação tão precária em termos financeiros, ao ponto do orçamento da Secretaria da Cultura estar com um ridículo saldo incapaz para qualquer projeto de maior envergadura, o Estado poderia pensar ao menos numa forma de adquirir o acervo deixado por Newton Carneiro. Quando a então secretária da Cultura e Esportes, Suzana Maria Munhoz da Rocha Guimarães, insistiu em detonar mais de Cz$ 4 milhões na implantação, a toque de caixa político, do discutível (e ao que parece, já abandonado), Museu de Arte do Paraná, aqui comentamos que muito mais importante do que criar aquela nova (e inútil) unidade, seria estudar uma forma de fazer com que, no futuro, o acervo do professor Newton Carneiro fosse incorporado ao Estado, para que não só os seus amigos e convidados, mas todos os interessados, pudessem conhecer as preciosidades que, ao longo de uma vida, ele soube reunir.
Quis o destino que, num acidente automobilístico, quando Newton e sua esposa se dirigiam a sua fazenda no Interior, tivessem uma morte brutal e estúpida, entre tantas que, no último feriadão, pintaram de vermelho o cinzento asfalto de nossas rodovias.
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De momento, o acervo artístico deixado pelo professor Newton Carneiro não corre risco de ser transferido para outro Estado ou mesmo outro País.
Homem de sólida situação financeira, deixou um imenso patrimônio aos seus quatro filhos, os quais sabem do significado - mais que financeiro, artístico-cultural, das obras de arte e biblioteca que fazem da mansão da Avenida Visconde de Guarapuava um verdadeiro museu. Entretanto, a necessidade de repartir este patrimônio poderá provocar, no mínimo, o esfacelamento de coleções de livros raros, mapas, gravuras, sem falar em quadros e esculturas - de artistas de dimensão de Debret e Rugendas.
Ainda recentemente, com a morte do historiador José Honório Rodrigues, sua fabulosa biblioteca passou a ser negociada com universidades americanas, já que no Brasil nenhuma instituição se dispôs a levantar os US$ 300 mil solicitados pela viúva do escritor. No Paraná mesmo, ainda hoje, não foi totalmente absorvida a perda irreparável que representou, há mais de 20 anos, a venda da biblioteca paranista de Acyr Guimarães. Após sua morte, a família se cansou de oferecer o acervo a então secretaria da Educação e Cultura, que, insensível a sua importância, nada fez para que o mesmo aqui permanecesse. Então, a viúva vendeu a biblioteca contendo coleções únicas de jornais e revistas aqui editados, livros e mesmo documentos, a Universidade de Camberra, na Austrália - na época formando um setor de estudos latino-americanos. Hoje em certas pesquisas, que dependam de publicações aqui editadas mas das quais não restaram coleções no Paraná, a única opção seria viajar a Austrália e consultar as coleções que a Universidade de Camberra soube adquirir...
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Impossível calcular, sem um preciso levantamento, o valor do acervo deixado pelo professor Newton Carneiro. Afinal, há obras raríssimas, que adquiriu em leilões realizados em Lisboa, Paris e Londres - pois era, inclusive, cliente cadastrado da Sotheby's.
Dificilmente, o governo teria cacife para bancar o custo deste acervo, ainda mais numa época de lamentações financeiras. Entretanto, abre-se uma grande opção, dependendo, naturalmente, de delicadas e diplomáticas negociações com os seus filhos: por que não transformar a Mansão da Avenida Visconde de Guarapuava numa fundação-museu, a exemplo das existentes em tantas cidades...
Da Fundação Castro Maia, no Rio de Janeiro, a Gulbenkian, em Lisboa, são centenas as instituições culturais que nasceram do amor de empresários, profissionais liberais ou milionários tradicionais pelo belo e artístico.
Formaram coleções de arte tão maravilhosas que não poderiam ser desfeitas com sua morte e, democraticamente, transformaram-se em museus, hoje incluídos em roteiros de qualquer pessoa culta que viaje pelas cidades onde as mesmas se encontram.
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Newton Carneiro, filho de uma família tradicional, empresário bem sucedido, político - deputado federal em duas legislaturas, Secretário da Educação e Cultura no governo Bento Munhoz, presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, professor universitário, viveu uma época em que era possível a uma pessoa física formar um acervo que hoje até para pessoa jurídica é difícil. Foi, como diz a sua admiradora, Cassiana Lacerda Carolo (que promete um longo ensaio a seu respeito) "uma pessoa privilegiada que investiu no saber" e teve o privilégio de ter todas as condições para conciliar os recursos pecuniários com a inteligência.
Assim, Newton Carneiro deixou não apenas um patrimônio imobiliário para seus filhos, mas um acervo artístico que hoje seria impossível de reunir. Sua mansão, com obras de arte, objetos vindos da Europa dos séculos XVII e XIX, tapeçarias, não apresenta apenas uma riqueza pessoal, de elite - embora, obviamente, somente uma pessoa privilegiada financeiramente pudesse ter condições para tanto. Representa uma época diferente, de outros valores - e que, naturalmente, a transformação do mundo faz com que cada vez mais se tornem raros..
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Entre a idéia de se pensar numa Fundação - estimulada, obviamente, com os benefícios da Lei Sarney - e sua concretização, muita água terá que rolar. Entretanto, espírito generoso, que sempre procurou colaborar com pesquisadores, estudantes e mesmo editores de obras de arte - além de ter sido um dos maiores estímulos para que Cassiana Carolo pudesse realizar o magnífico programa editorial na Secretaria da Cultura (graças a gestão de Luiz Roberto Soares), o professor Newton, por certo, gostaria de saber que o saber e o ver de arte, bom gosto e informação que reuniu ao longo de toda sua vida não deixará o seu Estado - e poderá servir para que milhares de pessoas - milhões no futuro - a ela tenham acesso. É um sonho, uma idéia, uma proposta!
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