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Aramis

As obras de arte nos porões da burocracia

Há 15 anos, quando assumiu pela primeira vez a Prefeitura de Curitiba, uma das primeiras preocupações do arquiteto Jaime Lerner foi perguntar pelas obras de arte do município. Homem culto, conhecedor da boa pintura e escultura, Jaime surpreendeu os velhos funcionários: afinal, era a primeira vez que um prefeito se preocupava com o acervo artístico da casa. Um acervo pequeno é claro, mas que revelou preciosidades com um precioso óleo de Guignard, em sua melhor fase - que hoje vale, tranquilamente, mais de Cz$ 600 mil. Este quadro estava há anos perdido numa pequena sala e ganhou, então, um espaço nobre no gabinete do prefeito - e apesar das reformas peemedebistas dos últimos anos, espera-se que ali continue. xxx Três anos antes de Jaime Lerner chegar à Prefeitura, o pintor Fernando Velloso havia começado uma tarefa dificílima: inventariar as obras de arte do Estado. Um projeto que Velloso alimentava desde os tempos do governo Moisés Lupion - a criação do Museu de Arte Contemporânea, foi finalmente tornado realidade pelo governador Paulo Pimentel, que no último dia de sua administração, inaugurou a primeira sede - um velho casarão na Rua 24 de Maio, 250 - onde antes funcionara uma pensão de estudantes - aliás, primeiro endereço do então estudante Juarez Machado, em sua vivência em Curitiba. Pertencente à Associação dos Servidores Civis do Paraná (que ali construiria sua magnífica sede própria) - o imóvel foi cedido, temporariamente, para que o MAC nascesse com um endereço - e não apenas no papel. A sensibilidade do então presidente da Associação, Odir Gomes, amigo pessoal de Fernando Velloso, viabilizou a inauguração e mesmo com um pequeno acervo o Museu foi aberto. No governo Emílio Gomes, Fernando conseguiu a grande vitória: evitar que o belo prédio construído nos anos 20, na Praça Zacarias, que serviu a várias secretarias de Estado (Saúde, Trabalho, Bem-Estar Social) fosse vendido para a Caixa Econômica Federal. Preservando o prédio, ali foi instalado o Museu de Arte Contemporânea, hoje um endereço obrigatório no roteiro turístico da cidade. xxx Para povoar as paredes do Museu de Arte Contemporânea, Fernando Velloso iniciou um trabalho de detetive das artes, tentando localizar preciosas telas de artistas paranaenses espalhadas em repartições do Estado - muitas vezes jogadas em depósitos como "material inservível" ou em escuras acomodações. Com habilidade e coragem - mas tendo que enfrentar a prepotência de burocratas ignorantes, a empáfia de alguns secretários de Estado e, especialmente, diretores de departamentos e divisões, Velloso conseguiu recuperar parte do acervo artistico do Estado. Parte, porque muitas telas não saíram dos gabinetes, devido a má vontade das "otoridades" - que mesmo informadas da importância de que estes trabalhos passassem ao acervo de uma unidade cultural, visitada por milhares de pessoas - insistiram em matê-las em seu gabinete. Por exemplo, um dos melhores óleos de Schifelbein - contemporâneo de Andersen, reconhecido como um dos melhores artistas que viveram no Paraná - não se sabe enfeitando a sala de que burocrata. Em compensação, o MAC possui apenas um modesto Schifelbein, quando poderia ter ao menos dois de seus trabalhos - já que este artista morou a parte de sua vida em União da Vitória e suas poucas telas estão espalhadas em algumas coleções particulares. xxx Passados quase 20 anos da criação do Museu de Arte Contemporânea, o seu acervo ainda é pobre - e nele faltam bons trabalhos de Arthur Nísio, Traple, Viaro, Freisslebein e outros mestres da pintura. O Museu Alfredo Andersen reúne o que foi possível coletar da obra do chamado pai da pintura paranaense, mas em muitas repartições - e mesmo no Palácio Iguaçu - estão telas que caberiam muito melhor no MAC. Agora, numa iniciativa surpreendente, a professora Suzana Munhoz da Rocha Guimarães está anunciando intenções de criar uma Pinacoteca Estadual. Quem conhece o mínimo de museologia e, especialmente, sabe das limitações artísticas do Paraná, não entende como pode a Secretaria da Cultura e Esportes - em cuja inteligência repousam as esperanças de que não se repitam os absurdos cometidos nestes últimos 3 anos de desgoverno José Richa - estar estimulando tal idéia. Afinal, se para o próprio MAC o acervo artístico já é pequeno, o que justifica criar uma nova estrutura, com funcionários, espaços, equipamentos etc. Alegar que o Museu de Arte Contemporânea abriga apenas a nossa pintura moderna é ignorância plena. Afinal, os pioneiros das artes no Paraná têm uma obra tão pequena que não justificam um museu a parte. E além do mais, quem tem o melhor acervo dos pinoneiros de nossa pintura é o colecionador Newton Carneiro, que em sua mansão em estilo virginiano, na Avenida 7 de Setembro, guarda obras preciosas - cujo destino após a sua morte chega-se a temer. Seria o caso do governo pensar em adquirir o seu patrimônio artístico - e não cogitar em estourar milhões num segundo e dispensável museu de artes plásticas, como ameaça à sra Suzana Guimarães. xxx O acervo do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, implantado por iniciativa de Assis Chateaubriand, através do "Diário do Paraná", nos anos 50, acabou sendo pulverizado em parte, apesar de todo empenho do diretor daquela instituição, o crítico Eduardo Rocha Virmond. Algumas telas estão hoje no MAC, mas muitas acabaram sendo extraviadas. Como também "extraviaram-se" dezenas de telas de órgãos públicos - especialmente da Secretaria da Educação e Cultura - ao longo destas décadas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
04/11/1986

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