O Paraná necessita de livros. Mas será preciso uma Fundação?
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de maio de 1987
A repercussão não poderia ser melhor. Afinal, não há quem seja contra: tudo que se relacione ao livro merece ter prestigiamento. Um país se faz com homens e livros, repete-se exaustivamente, só que as bibliotecas, já poucas, emagrecem-se no lugar de crescer e há centenas de localidades sem uma única biblioteca.
Portanto, quando atendendo uma sugestão do deputado Gernote Kirinus, o advogado Renê Dotti criou, há alguns dias, um grupo de trabalho para "promover estudos sobre a necessidade e a viabilidade da criação de uma Fundação Estadual do Livro vinculada à Secretaria da Cultura", a divulgação foi grande - como sempre, aliás, em tudo que diz respeito à Secretaria da Cultura.
xxx
Entretanto, a simples euforia não é recomendável - e basta lembrar a frustração pós-Cruzado I para mostrar que as coisas devem ser (re) pensadas e refletidas. De princípio, louve-se que, pela primeira vez, um parlamentar, no caso o ex-pastor Kirinus, homem vindo do Sudoeste, simples mas bem intencionado, mostrar preocupação por questões culturais. Raramente, um parlamentar se lembra da Cultura, preocupados que são por interesses pessoais e imediatos - empregos, vantagens para seus grupos, pressões sobre o Executivo, etc. Uma prova do despreparo intelectual da Assembléia há décadas, é que a mesma nunca teve, anteriormente, comissões para assuntos culturais, assessorias e mesmo técnicos na área. Ao contrário, por exemplo, do Rio Grande do Sul, cuja Assembléia tem um dos mais movimentados auditórios de Porto Alegre, com programação cultural de primeiro nível e se integra as dezenas de eventos que ocorrem no estado - dos festivais nativistas ao cinema em Gramado.
Entretanto, ao propor a criação de uma Fundação Estadual do Livro, o deputado Gernote Kirinus o fez, por certo, movido pelo entusiasmo e sugestões de amigos, desconhecendo, tecnicamente, como funcionam outros organismos semelhantes e a conveniência (ou não) de criar mais uma estrutura dentro do Estado. Num momento em que o governador Álvaro Dias tem que tomar posições antipáticas de demitir funcionários (a maioria com pequenos salários) para enxugar a gordurosa máquina administrativa e a Secretaria do Planejamento preocupa-se com a multiplicidade de órgãos estaduais, que podem, rapidamente, ser suprimidos, o que justificaria mais uma Fundação, com três diretores (cada salário, seria o mínimo de Cz$ 50 mil, incluindo encargos sociais), assessorias, secretarias, manutenção, sede, etc.?
É a primeira pergunta que se faz, em termos práticos, numa hora em que a Secretaria da Cultura, tradicionalmente com o menor orçamento do estado, não tem condições de dar andamento aos mínimos - e mais urgentes - projetos e sua fundação já existe - V Teatro Guaíra - foi encontrado com menos de Cz$ 6 mil em caixa e vive num estado de mendicância vergonhosa, a espera dos milagres da Lei Sarney.
xxx
Que a política editorial do Estado precisa de normas específicas não há dúvida. Infelizmente, nos últimos 4 anos, praticamente, nada se editou de importante, ao contrário do que se fez na administração do governador Ney Braga, quando o então secretário Luis Roberto Soares, desenvolveu um programa que mereceu repercussão nacional, com dezenas de livros de assuntos voltados ao Paraná, reedições (inclusive os primeiros três volumes de "O 19 de Dezembro"), álbuns de arte (Serra do Mar, que vem se tentando reeditar atualmente), revistas etc. E tudo isto se fez sem necessidade de qualquer estrutura cara, ao contrário, tão econômica que nem constava do cipoal burocrático da pasta. A professora Cassiana Licia Lacerda Carolo, - da Universidade Federal do Paraná, sem prejuízo de suas atividades didáticas, apoiadas por duas eficientes auxiliares e amparada por um bom conselho consultivo - no qual a grande presença era o falecido professor Newton Carneiro - conseguiu desenvolver em pouco tempo um trabalho de ótimos resultados. Para tanto valeu o bom senso administrativo, a definição das obras certas a serem publicadas (e o conselho, do qual faziam parte o empresário Aldo Almeida, o advogado Eduardo Rocha Virmond e a professora Cecília Maria Westphalen foi fundamental) e, sobretudo, a vontade de se realizar. Frise-se que na época, não havia estímulos para a participação do empresariado no patrocínio das edições e o custo era bancado, basicamente pelo próprio estado.
xxx
Claro que nem tudo foi um mar de rosas e sobraram críticas & reclamações, como sempre acontece. Mas a experiência provou que uma equipe ágil, sem maiores mordomias, pode trabalhar eficientemente, com bons resultados. Portanto, a idéia de se comprometer futuros recursos em discutíveis fundações, com toda estrutura assustadora que a mesma ameaça, deve ser pensada duas vezes.
O exemplo do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul é sempre lembrado. Só que lá o IEL surgiu modestamente, fazendo um trabalho de infra-estrutura, graças à visão que a professora e escritora Ligia Overbuck, já falecida, tinha da questão. Antes de criar instituições oficiais, procurou-se criar (o que é muito mais importante) leitores. Para tanto, a disciplina Literatura Rio-grandense consta obrigatoriamente dos curriculuns do primeiro e segundo grau e é matéria obrigatória no vestibular unificado. A leitura não começa pelos clássicos, mas pelos contemporâneos - os mais próximos possíveis da realidade de cada região - e isto faz as crianças e jovens crescerem com um amor pelos autores de seu estado. Resultado: os autores gaúchos vendem espontaneamente e as editoras floresceram, passando de 30 em todo o estado, oito das quais com projeção nacional.
xxx
A LPM, de Ivan Pinheiro Machado, está hoje entre as 20 maiores do país, seguida pela Tchê, de Ayrtom Ortiz - com catálogo dos mais diversificados, a Mercado Aberto, Movimento, Sulina e outras. Uma grande editora de Porto Alegre, a Martins Livreiro, publica só literatura regionalista e tem mais de 500 títulos em estoque. Isto sem falar na tradição da Globo, patrimônio cultural não só gaúcho, mas brasileiro, hoje pertencente ao grupo Roberto Marinho, mas mantendo seu catálogo fiel.
xxx
A Feira do Livro, que entre outubro/novembro movimenta Porto Alegre é uma realidade cultural - e não um amontoado de bancas de ofertas, com palestras, debates, troca de idéias. O jornal "Zero Hora" mantém um dos melhores suplementos literários do país, editado pela competência de Danilo Ucchoa, nosso bom amigo, um dos grandes profissionais da imprensa gaúcha, assim como Jaime Culpstein, durante anos, fez do suplemento "Livros & Artes", do "Correio de Notícias", de "O Estado de São Paulo" e o de Minas Gerais, este editado pela Imprensa Oficial naquele estado.
xxx
Enfim, exemplos não faltam para mostrar que no Rio Grande do Sul, a indústria editorial - e a cultura literária - é coisa séria. Só que não nasceu debaixo para cima e o Instituto Estadual do Livro foi conseqüência - e não causa - de um trabalho antes de tudo espontâneo. E até hoje, o IEL gaúcho está entre os órgãos de administração mais enxutos do país.
Tags:
- Aldo Almeida
- Álvaro Dias
- Cassiana Lícia Lacerda Carolo
- Cecília Maria Westphalen
- Correio de Notícias
- Cruzado I
- Eduardo Rocha Virmond
- Fundação Estadual do Livro
- Imprensa Oficial
- Instituto Estadual do Livro
- Ivan Pinheiro Machado
- Lei Sarney
- LPM
- Luís Roberto Soares
- Martins Livreiro
- Mercado Aberto
- Newton Carneiro
- Ney Braga
- O Estado de São Paulo
- René Ariel Dotti
- Roberto Marinho
- Secretaria da Cultura
- Secretaria do Planejamento
- Serra do Mar
- Universidade Federal do Paraná
- Zero Hora
Enviar novo comentário