De como o Estado perde o Círculo Bandeirantes
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de fevereiro de 1987
Entre a herança que o secretário Renê Dotti receberá no próximo dia 16 de março, ao assumir a Secretaria da Cultura, uma das mais incômodas será a de ter que buscar recursos para ao menos reparar o edifício-sede do Círculo de Estudos Bandeirantes. Além da Secretaria ter perdido a possibilidade de dispor deste central e amplo edifício, ainda é a responsável pela demolição de várias paredes internas, que, ficando abandonadas por anos, provocaram problemas na estrutura do prédio.
Alertada pela professora Cassiana Licia Carolo da importância do Círculo de Estudos Bandeirantes, a secretária Suzana Guimarães ainda tentou reativar o convênio que havia caducado entre a sua pasta e a diretoria do Círculo. Entretanto, lembrou-se tarde demais: a Pontifícia Universidade Católica do Paraná já se havia movimentado e passou a ter um têrmo de compromisso com o CEB, que agora se integra ao seu patrimônio.
É lamentável que por irresponsabilidade e incompetência do ex-Secretário da Cultura, o Estado tenha perdido a chance de agilizar um prédio histórico, excelentemente bem localizado e que poderia sediar o Centro de Documentação e Divulgação Cultural do Paraná, planejado para ser uma moderna unidade reunindo importantes acervos. Infelizmente, houve uma criminosa omissão da Secretaria da Cultura no governo José Richa de forma que ao vencer o convênio, firmado em 31 de agosto de 1979 entre a Secretaria e a diretoria do Círculo, e com validade por cinco anos, e como o Estado não cumpriu sua parte, não houve mais interesse em renová-lo por parte da entidade fundada por "onze bandeirantes", em 12 de setembro de 1929.
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Para entender melhor a história: desde a morte do professor José Loureiro Fernandes, há 10 anos, que o Círculo de Estudos Bandeirantes, uma ativíssima instituição cultural durante as décadas de 30/40/50, sofreu um processo de esvaziamento. Os velhos sócios foram se afastando, falecendo e a frequência ao edifício de três andares, com suas amplas salas e um auditório que, no passado foi das mais movimentadas, caiu.
Pela localização e mesmo estilo (eclético) do prédio, sua biblioteca com livros e periódicos valiosos, é claro que o espaço começou a ser "namorado" por muitos. O astuto Rafael Greca de Macedo, quando ainda era um obscuro (mas já atuante) diretor da Casa Romário Martins, convenceu o então prefeito Saul Raiz a lhe dar carta branca para tentar um convênio com a diretoria do Círculo e integrar o prédio as unidades da Fundação Cultural. Apesar de toda sua argumentação, o hoje garboso deputado estadual, não convenceu os idosos diretores do Círculo, que temiam pelo futuro da Instituição nas mãos da Prefeitura.
Coube a professora Cassiana Carolo, logo que a Secretaria da Cultura e Esportes foi criada no governo Ney Braga, fazer um bem sucedido trabalho junto a diretoria do Círculo, que resultou, em 31 de agosto de 1979, na assinatura do convênio de 18 cláusulas, pelo qual a Secretaria assumia várias responsabilidades, inclusive obras de restauração do prédio. Assinaram o documento, representando o Círculo, o seu presidente, José Pires Braga (já falecido) e nove conselheiros - Liguaru Espírito Santo, Mario Braga de Abreu, Rosário Farani Mansur Guérios, Carlos Franco Ferreira da Costa, Ernani Almeida Abreu, Mario Montanha Teixeira, Luiz Pilotto, Nelson Luiz de Sousa Pinto e Benedito Nicolau dos Santos Filho.
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A Coordenadoria do Patrimônio Histórico, então ocupada pelo arquiteto Salvador Gnoatto (filho do ex-vereador João Baptista Gnoatto), elaborou um projeto para reforma do prédio, que previa a demolição de tetos e pisos que se encontravam podres (144,20 metros quadrados), a construção de 275 metros quadrados nos fundos, aumentando assim a área de 580 para 716,86 metros quadrados. As obras foram iniciadas - defronte o prédio apareceram placas com nomes de várias firmas contratadas pela Emopar - mas, infelizmente, as mesmas não tiveram continuidade. Algumas paredes foram demolidas para a futura ampliação e com isto algumas salas do prédio ficaram ainda mais expostas as intempéries.
Com a mudança do Governo e a designação de um novo Secretário da Cultura e Esportes, imaginava-se que as obras fossem retomadas. Infelizmente, dentro do revanchismo peemedebista que procurou ignorar tudo que havia sido iniciado na administração Ney Braga, evidentemente que o convênio com o Círculo de Estudos Bandeirantes ficou esquecido. Passaram-se assim os cinco anos e o Estado não cumpriu a sua parte. Com toda razão, a diretoria do Círculo, denunciou o acordo e sentiu-se liberta para estabelecer contatos com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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Filha de um dos conselheiros e ex-diretores do Círculo de Estudos Bandeirantes, o governador Bento Munhoz da Rocha Neto, a secretária Suzana Guimarães tão logo assumiu a pasta, alertada da perda deste espaço, procurou ainda retomar o convênio. Era tarde demais! O reitor Euro Brandão, da Universidade Católica, que é membro do Círculo há muitos anos, seu ex-diretor inclusive, já tinha praticamente acertado a incorporação da entidade à Universidade Católica. Suzana Guimarães, corajosamente, colocou a boca no trombone: denunciou a irresponsabilidade de seu antecessor da Pasta, a cuja insensibilidade, falta de visão e omissão, se deve o não prosseguimento das obras. Mesmo alegando-se que na administração de Luis Roberto Soares as obras tenham sido suspensas, nada justifica que um convênio desta importância fosse boicotado no Governo José Richa. Afinal, quem perdeu com isto foi o Estado e a cultura paranaense.
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O professor Euro Brandão, 57 anos, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, não gosta da palavra "incorporação" do Círculo ao patrimômio da PUCP. Faz questão de frisar que o CEB continuará a existir, "como sempre existiu". Apenas é que após 18 meses de estudos, consultados os 180 sócios que restam da instituição, "chegou-se ao consenso de que a Universidade Católica seria o organismo ideal para que o CEB pudesse ser reativado. "Assim, através de assembéia geral, estabeleceu-se um plano de trabalho, reformaram-se os estatutos e já a partir de março a Universidade Católica começará a gestionar para que o Círculo volte a ser uma instituição ativa" explica Euro, que, estatutariamente, assumirá a presidência do Círculo (fruto do novo estatuto, este cargo passa a ser do Reitor da PUCP), em substituição ao sr. Mario Montanha Teixeira.
O Estado - ou seja a Secretaria da Cultura - deverá ser acionada para refazer as paredes demolidas e entregar o prédio em boas condições. Euro Brandão acredita que não haverá necessidade de uma ação judicial para tanto, já que a atual secretária Suzana Guimarães, informalmente, reconheceu a responsabilidade oficial na paralisação das obras. Em compensação, o Reitor da Universidade Católica acredita que o Círculo poderá funcionar aberto ao público - e não apenas para os seus membros - sendo possível mesmo que se integre a atividades da Secretaria da Cultura. Mas tudo isto será feito através de estudos e acordos posteriores, quando, se não houvesse a omissão no Governo José Richa, o Círculo de Estudos Bandeirantes, sem prejuízo de sua existência legal, poderia estar com o prédio restaurado e sediando várias ativas unidades culturais.
Uma irresponsabilidade que, num país civilizado e com justiça, levaria a cadeia os responsáveis por este crime cultural.
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