Heloísa, a videomaker, quer contar história de Antonina
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de abril de 1989
Se depender do entusiasmo de uma nova geração de videomakers que começa a surgir em Curitiba, o Paraná terá ao menos uma presença nos próximos festivais nesta bitola - inclusive no FestRio (novembro), em cujas edições anteriores, infelizmente, estivemos totalmente ausentes.
Enquanto Guido Viaro, 20 anos, já começou a rodar a sua visão da "Loira Fantasma" e um grupo de estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná tem nada menos que 20 horas gravadas em VHS, do vídeo "Jaqueline" [Josephine] (o difícil será reduzir este material para 40 minutos), surge também uma outra videomaker, Heloísa Azevedo Passos, 20 anos, em fase de realização de um vídeo de 40 minutos sobre um mito curitibano que há anos vem sendo tema para recriações artísticas: a mística Maria Bueno.
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Estagiária do Museu da Imagem e do Som, ali encontrou no competente Valêncio Xavier um ponto de apoio para se atrever a vôos maiores do que experiências amadorísticas como vinha fazendo. O primeiro resultado foi o vídeo sobre Miguel Bakun, produzido já por sua própria empresa - a Máquina Produções Arte Cinematográficas. O projeto mais audacioso é o vídeo sobre Maria Bueno - temporariamente interrompido devido seus compromissos com o cineasta Fernando Severo, de quem é assistente de fotografia nas rodagens de "Longas Sombras no Final da Tarde", cujas filmagens tiveram início no último dia 22, em Morretes. Entretanto, ao menos dois dos cinco blocos em que Heloísa dividiu o projeto Maria Bueno foram rodados: o que focaliza os bastidores da produção de "A Mandala de Maria Bueno", no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, e cenas da apresentação daquele bailado, criado por Carlos Trincheiras. A partir destes dois núcleos, Heloísa vai desenvolver uma visão de Maria Bueno, ouvindo em outro segmento os intelectuais que se voltaram ao tema - como Oracy Gemba, Walmor Marcelino e Raul Cruz, que em suas peças "Maria Bueno", "Os Fuzis de 1984" e "Graças, Maria Bueno!" ofereceram visões diversas da humilde doméstica que, assassinada pelo amante militar, no final do século, se tornaria um mito religioso - hoje adorada por milhares de curitibanos que diariamente vão ao seu túmulo, no Cemitério Municipal, em busca de milagres.
Justamente, esta adoração a Maria Bueno constitui o terceiro núcleo do filme, com cenas (algumas já filmadas) na sua capela-túmulo e também nas duas casas que existem com o seu nome e que se dedicam a obras filantrópicas. Trabalhando seriamente sobre este tema, com auxílio direto de Valêncio Xavier (que inclusive dirigirá um dos segmentos, nos quais serão utilizados atores e atrizes para reconstituição da morte de Maria Bueno) e com apoio do Banestado - que cedeu o equipamento U-matic - o trabalho final deverá ter 40 minutos.
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Filha de um engenheiro apaixonado por cinema - e de quem herdou o entusiasmo pelas imagens, Heloísa abandonou no terceiro ano um curso de agronomia por sentir que tem muito mais afinidade com a arte do que com a agricultura. Um ano na swinging London, mergulhada em sessões do Film British Institut, lhe deram a decisão de se voltar ao vídeo (e ao cinema, naturalmente), o que começa a fazer agora.
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Fotografia é outra paixão de Heloísa Passos, o que a levou a desenvolver em colaboração com a estudante de história, Lucila Maria Breotto, também estagiária do MIS-PR, o projeto "A história que as imagens contam", destinada a faixar [fixar] em fotos, livros e exposições as cidade do Paraná. O primeiro será sobre Antonina, cujo novo prefeito, Leopoldino Abreu, ex-assessor da Secretaria da Cultura, está preocupado em fazer alguns eventos culturais - embora até agora não tenha podido realizar nada, ao que alega "por falta absoluta de recursos".
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O projeto que Heloísa e Lucila desenvolveram para Antonina - e que resultará numa exposição fotográfica e edição de um livro (mas que buscam patrocinadores) parte das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, cuja presença naquela cidade está marcada por dezenas de casarões abandonados há mais de 30 anos. A reconstituição de toda uma época de poder financeiro de Matarazzo - que se instalou em Antonina em 1915 - foi pesquisada e, na medida do possível, será documentada. A partir de 1916, o grupo empresarial começou a implantar várias unidades produtivas em Antonina, abrindo milhares de empregos, construindo prédios - muitos com arquitetura marcante, dentro da época em que foram feitos - e fez, até os anos 50, aquela cidade próspera e conhecida.
Em 1954, o cais foi ampliado, construiu-se uma usina de energia elétrica e aumentou-se a capacidade do moinho de trigo. Quatro anos depois, organizava-se uma unidade de bombeiros que além da área industrial atendia a própria comunidade. Mas a decadência começaria também nos anos 50: em 1953 a unidade de refinação e moagem de açúcar era desativada; cinco anos depois fechava a fábrica de sabão e uma experiência de fabricar rações balanceadas, iniciada em 1960, durou apenas 7 anos. Em 1972 cessam as atividades industriais com a paralisação dos moinhos de trigo e sal e o fechamento do grande armazém de secos e molhados - que atendia mais de 70% da cidade. Em 1973 são vendidos os sítios Monte Alegre, Pinheirinho e Zoada D'Água.
A prosperidade se inverteu. Operários aposentando-se ou procurando outros locais. Desemprego. O porto também foi abandonado.
Todo este ciclo terá documentação de Heloísa, num projeto dos mais interessantes - e que já conta com 200 fotos. Entretanto, para ser concluído não basta seu juvenil entusiasmo e as palavras de estímulo do prefeito Leopoldino: há que se encontrar um mecenas para bancar o custo - calculado há tempos em 18.690,00 - mas hoje necessitando de um reajuste.
Ironicamente, aquele que poderia ser o grupo financiador, nem pensar! A outrora poderosa Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, hoje nem cogita em gastar um centavo em projetos culturais - pois há muito deixou de ser, nacionalmente, sinônimo de poder & glória financeira.
LEGENDA FOTO - Heloísa: a videomaker de Curitiba.
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