A ilha que todos buscam
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de outubro de 1983
Em certo momento da vida, quem não desejou << fugir para uma ilha distante >>, pensando, assim, livrar-se dos problemas e aborrecimentos que o afligem? Um inglês chamado William Shakespeare (1564-1616), há quatro séculos já imaginou esta solução para um de seus personagens e sobre isto escreveu uma de suas melhores comédias, justamente seu penúltimo texto: << Tempestade >> (1611), para muitos dos experts em sua obra, um verdadeiro auto-retrato do bardo de Stratford on Avon, simbólica e poética. Através da riqueza verbal do protagonista - Próspero, duque de Milão que, tendo trono usurpado pela próprio irmãos, auto-exila-se numa ilha habitada por espíritos e por um selvagem, Shakespeare expunha, assim, sua visão humanista do mundo, exaltando as virtudes da liberdade e da compaixão em detrimento do poder sobre os semelhantes.
Exatamente 370 anos depois, o tema é atualizado para nossos dias e mantém todo o seu cigor resultando num dos melhores filmes do ano: << Tempestade >> (Center III, até amanhã) é um perfeito exercício de comprovação de que as grandes questões não se esgotam ao longo dos séculos. Muito pelo contrário, readquirem maior força. O Próspero, duque de Milão, é agora Philip dmitrios (John Cassavetes), arquiteto bem sucedido em Nova Iorque, mas insatisfeito com seu trabalhos sua vida> A traição de sua esposa. Antonina (Gena Rowlands), com seu mafioso patrão. Alonzo (Vittorio Gassman), o leva a trocar a metrópole americana por uma distante ilha grega, levando sua filha adolescente, Miranda (Molly Ringwald), No caminho, o arquiteto liga-se a Aretha (Susan Sarandon), uma versão moderna de Ariel, protótipo da mulher liberada, que depois de dois casamentos, não hesita em seguir novos caminhos, usando como quer a sua liberdade. Na ilha, vive o pastor Kalibanos (Raul Julia), solitário e que passa a alimentar sonhos eróticos com Miranda.
<< Tempestade >>, rodado entre julho e setembro/81 e lançado nos EUA no ano passado é um filme repleto de citações e homenagens. A começar pela escolha do casl John Cassavetes/Gena Rowlands, marido e mulher há mais de 20 anos e que tem dividido angústias conjugais - existenciais - cinematográficas, como nos clássicos << Os Maridos >> (1970) e << Assim Falou o Amor >> (Minnie and Moskovitz, 1971). o diretor Paul Mazurski, confesso admirador de cineastas europeus como Fellini (homenageado em segundo longa-metragem. << Alex in Wonderland >>, 70) e Truffaut (reverenciado em << Williw e Paul >>, 1980), há dois anos traçou um dos melhores perfis da crise do casamento no belíssimo << Uma Mulher Descasada >>.
A referência a Woody Allen, presente na festa na seqüência de abertura do filme, no apartamento de Alonso, também não é gratuita: além da lembrança de seu << Manhattan >>, na época ele trabalhava em << Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão >>, igualmente inspirado em Shakespeare.
Curiosamente, apesar de grande parte da ação transcorrer em Atenas e na distante ilha grega. << Tempestade >> é um hino de amor a Manhattan. a irreverência de fazer o pastor Kalibanos dançar ao som de << New York, New York >>, cantada por Liza Minelli, ou a belíssima seqüência final, com Philip, em helicóptero, retomando à sua cidade. A fotografia (perfeita) de Don Mcalpine desliza admiravelmente pelos arranha-céus,, pontes e ruas de Nova Iorque, ao som da obra-prima << Manhattan >> (Rodgers & Hart), na voz única da inesquecível Dinah Washington (1924-1967).
<< Tempestade >> se inclui naquela categoria de filmes-indagações, que questionam verdades/aparências do homem contemporâneo, mas em problemas que transcendem ao tempo cronológico. Emoldurado numa produção sofisticada, realizada com o maior capricho, excelente elenco e explêndida trilha sonora do japonês Stomu Yamashita (lançada em LP no Brasil pela Polygram há mais de um ano), é um filme que chega a várias faixas de espectadore: os que buscam apenas um entretenimento (o filme tem um tom de comédia), os que desejam ver << bonitas paisagens >> e, especialmente, aos que sabem ver o que de mais profundo tem uma história na tela.
Se existe um público fiel e entusiasta é aquele que aprecia a ópera. Em Curitiba, há pessoas exigentes e inteligentes, como o médico Hélio Germiniane, o empresário Joel Mendes, o publicitário Humberto Lavalle, o maestro Wolf Schaya - para só citar alguns exemplos mais representativos, capazes de qualquer sacrifício para assistir a uma encenação operística e colecionadores do que de melhor é editado no mundo. Este público - que prestigiou a montagem de << La Traviatta >>, feita por um grupo de idealistas amadores, no Teatro Guaíra - está ansiosamente aguardando que a Gaummont traga a Curitiba, mesmo que para exibições restritas, << Don Giovani >>, de Mozart - na adaptação cinematográfica de Joseph Losey, que apesar de estar com sópia censurada há mais de 4 anos, ainda não motivou projeção em nossos circuitos comerciais.
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Ontem e hoje, no auditório do Goethe Institut (Rua Duque de caxias, 4), um público entusiasta foi conhecer o filme << Die Meistersinger von Nurberg >> (Os Mestres Cantores de Nurberg), da ópera de Richard Wagner (1813-1883). Este filme-documentário, com quatro horas de projeção, teve sua exibição dividida em duas partes, mas no próximo dia 13, à partir das 15 horas, será mostrado integralmente.
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Luís Alberto Sottomaior, o novo representante território da Polygram, está impressionando com a aceitação das óperas de Wagner, lançadas em gravação digital. << Tristão de Isolda >>, com regência de Carlos Kleiber, tendo como solistas René Kollo, Kurt Moll, Margaret Price, Dietrich Fischer-Dieskau, Werner Goz e Brigitte Fassbaender, numa caixa com 5 elepês (selo Deutsche Grammophon), vendeu mais de 15 coleções somente em duas lojas da cidade.
FOTO LEGENDA - Cassaretes: a ilha sonhada.
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