As imagens do nosso tempo agora em vídeo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de dezembro de 1990
Assim como o Super 8 representou no início dos anos 70 a possibilidade de uma juventude que sonhava em fazer cinema realizar sua catarse visual na base de produções domésticas, também o vídeo, com maior facilidade econômica, oportuniza que cada sonho de cineasta que adormece nos cinéfilos seja ao menos exposta ao julgamento de espectadores - por menores que sejam as platéias atingidas.
Como os festivais e mostras de vídeo que se multiplicaram em progressão geométrica nos anos 80 tendem a limitar, cada vez mais, as realizações das bitolas Umatic, que exigem investimentos maiores, os organizadores do I Festival Nacional do Vídeo Amador (Maringá, 26 de novembro a 2 de dezembro), decidiram priorizar os realizadores realmente amadores, aos que utilizam, por enquanto, apenas Vídeo Home System - a preços compatíveis a quem se disponha a canalizar para a tela, mesmo que pequena, sua paixão pelas imagens em movimentos.
- "Não somos os sem terras, mas sim os sem telas", queixa-se a bela Lucila Meirelles, 30 anos, assessora da área de vídeo da Secretaria da Cultura de São Paulo e realizadora de alguns trabalhos premiados como "Crianças Artistas" e "Sinfonia Panamericana", sobre o guru dos hippies dos anos 60, José Agripino de Paula, poeta, escritor e cineasta (entre outros filmes, realizou o maldito "Hitler do 3º Mundo", com Jô Soares, nunca lançado comercialmente).
Embora já tendo adquirido estabilidade na área do vídeo que lhe permite fazer trabalhos em Umatic - inclusive na série de importantes documentários que aborda o problemas das crianças abandonadas - Lucila foi uma das realizadoras que se entusiasmou pela proposta do FestMaringá em abrigar os primeiros trabalhos de videastas em VHS.
Ao lado de Rita Moreira, 46 anos, que entre 1972/79 viveu em Nova Iorque onde foi uma das primeiras brasileiras a trabalhar em vídeo, Lucila levou seus trabalhos a Maringá, para mostrar que os caminhos são amplos para esta bitola. Se realizar um vídeo representa um esforço individual - "nada é mais dependente do que o videomaker", acrescenta o câmera Danilo Dallac'Qua - mais difícil é conseguir um espaço para mostrar os trabalhos concluídos. A televisão continua a ser um território praticamente inacessível (a não ser as Educativas e programas ocasionais como os mantidos por Cristiane Macedo na TV Gazeta, São Paulo). Salas de exibição apropriadas a vídeo são raras: até agora, o único espaço privado é o Magnetoscópio, que o videomaker Marcelo Dantas instalou em Copacabana, embora em algumas instituições (MIS-SP; Casa Lauro Alvim no Rio, entre outras), existam auditórios. Mas fora disto, nada especializado - o que faz uma nova reivindicação surgir: equipamentos e espaços apropriados nas principais cidades. O prefeito Ricardo Barros, de Maringá, pode dar um exemplo pioneiro no Paraná: no projeto de reforma do Cine Plaza, adquirido pelo município para se transformar num teatro, o vídeo poderá ter sua sala. Em Curitiba, infelizmente não há projetos a curto prazo: a nova Cinemateca - se sair - terá dois auditórios mas nenhum especial para vídeo.
Que não seja, entretanto, por falta de espaços que o vídeo deixará de crescer - pois mesmo com o curta-metragem em crise após a perda da lei da obrigatoriedade que garantia suas apresentações nos circuitos comerciais - ainda há gente valente fazendo seus filmes de 10 a 15 minutos, mesmo sabendo do retorno zero em termos financeiros.
O FestMaringá foi uma amostragem de diferentes tendências e estilos de quem se propõe a fazer vídeo VHS, percorrendo diversos gêneros: documentário, videoarte, ficção, experimental, etc.
Um dos aspectos que justificam atenção para com os videastas é que, mesmo nas piores condições técnicas, em trabalhos primitivos, pode-se documentar aspectos (que se perderiam) da realidade.
Entre as dezenas de vídeos excluídos da parte competitiva estiveram, entretanto, propostas sinceras de pessoas, preocupadas em registrar com suas câmeras, fatos, pessoas, e mesmo "causos" regionais. Por exemplo, Ulisses Machado documentou as grandes enchentes deste ano em Francisco Beltrão; Antônio Carrobez, de Marialva, fez um trabalho de preocupações ecológicas ("Preservando a Natureza"); João de Sales, de Cianorte, se voltou a documentar os tipos humanos dos rodeios em "Chiquinho, um Peão Diferente", enquanto Luiz Francisco da Fonseca, deu sua visão ecológica em seu "Antonina, Projeto da Natureza". Márcio Pereira Slompo, de Ponta Grossa, fez uma proposta histórica em "Campos Gerais na Rota das Tropas".
A expressiva quantidade de inscrições de vídeos realizados por paranaenses - infelizmente a maioria sem condições de competir - é uma demonstração de que existe aquilo que é fundamental: interessados em se voltarem a nossa realidade, nossa história - que, se tiverem um mínimo assessoramento - através de cursos de roteiros, câmera, iluminações, etc. - acompanhados de um projeto esquelética documentação visual de nosso Estado.
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