A importante Missa de Lobo e o som rural de SRG e discipulos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de abril de 1973
"Dentro da música popular brasileira, Edu é quem segue um determinado caminho, é o caminho de uma fase do Lyra. Edu é quem prosseguir esse caminho iniciado por Carlos Lyra, ampliando a passagem e dando toda uma contribuição especial. O que acho excepcional no Edu é que ele realmente continua fazendo um tipo de pesquisa em termos de Brasil, evoluindo cada vez mais em sua possibilidade instrumental, em termos de tema e rítmo. Missa Brasileira, por exemplo, é coisa há muito esperada. Era o sonho do Lyra, que já havia começado a esboçá-lo (tinha duas musicas prontas), sob o título de Missa agrária, Glória a Deus Senhor nas alturas / E viva eu de amargura / Nas terras do meu senhor. Depois não deu mais pé, e o Lyra teve que parar. Agora, se o Edu fizer, tenho certeza de que vai fazer genialmente".
(Gianfrancesco Guarnieri, (1)
Por uma feliz coincidência, Carlos Lyra ouviu pela primeira vez a "Missa Brasileira" de Edu Lôbo ao meu lado, há pouco mais de um mês. Em silêncio, com a máxima atenção, Carlinhos fez questão de escutar por duas vezes toda a Missa - Kyrie, Glória, Incelensa, Oremus e Libera Nos - antes de emitir qualquer opinião. Assim mesmo discretamente reconhecendo o trabalho sério de Edu, meu amigo há muitos anos, Lyra não deixou de fazer duas ponderações Uma no sentido amplo, de comunicação - apoiando o pensamento de euclides Cardoso, diretor da radio Iguaçu: o hermetismo de obra, difícil de ser aceita pelo publico que esperava o mesmo Edu de "Upa Neguinho ou "Arrastão". O segundo ponto que Lyra ponderou com base para tanto (2), foi na linha seguida para a criação da Missa, em termos liturgicos.
Ao invés de simplesmente conceder com o ponto de vista de Lyra, prefiro aqui transcrever o que explicou Edu Lobi com relação a este seu disco feito no Brasil desde que foi para os Estados Unidos, em 1969:
"Este não podia ser apenas "um disco a mais". Tinha de ser alguma coisa diferente Mas estou muito satisfeito com o que foi realizado e posso afirmar que este tem tudo para ser o meu melhor disco. Diria até mais: sem nada de falsa modéstia, este é o meu "primeiro" disco. O primeiro onde consigo fazer tudo o que realmente quero, sem músicas que não me satisfaçam plenamente, sem concessões"
Entende-se desta forma, a despreocupação de Lobo em oferecer musicas facilmente assimiláveis (o que não impede, entretanto, que toda a face A, seja dedicada a canções novas, bonitas e que não se pode em absoluto, classificar de "difíceis"). Maurício Kubrusly (3), lembro que "o próprio Edu Lobo, porém, não consegue uma avaliação precisa do que fez. Este só é realmente, o seu melhor disco por ser o mais bem realizado. Assim poderia ser chamado apenas de "primeiro... de uma fase mais elaborada", onde a preocupação com a forma atinge o máximo. No conjunto todavia, não pode mesmo ser o "primeiro", pois não é o mais importante E não é o mais importante porque não supera o signicado da atuação da Edu Lobo no começo dos anos 60, quando foi um inovador contrapondo - à ingenuidade da bosa nova - a força dos temas nordestinos e da exploração do folclore".
Entre as cincos músicas de lado un duas chegam a lembraro Edu dos anos 60 da fase "Ponteiro" ou "Cordão da Saideira". "Viola Fora de Moda" (em parceria com Capinam) e "Vento Bravo" (em parceria com Paulo Cesar Pinheiro). Com Ronaldo Bastos, Edu divide "Porto de Sol" e a já conhecida ( e excelente) "Zanga Zangada" Finalmente com Ruy Guerra temos "Dois Coelhos".
Aliás (Guerra é o único parceiro de Edu na "Missa Breve", do lado B, na "Incelensa". O trabalho brilhante de Edu Lobo como arranjador, conteve às cinco faixas um resultado final de ótimo nível. E este nível pode ser avaliado, por exemplo, pelas influências sugeridas - como as de Egberto Gismonti ("Porto do Sol"), Hermeto Paschoal ("Viola Fora de Moda") ou Eumir Deodato ("Vento Bravo", "Libera Nós". Como lembrou Kubrusly, o nome de Edu, colocado entre estes, representa um prestígio para todos dando-lhes uma dimensão justa.
- "eu sempre tive fama de ser um compositor erudito, de ser o "Estudioso". Mas isso nunca existiu, eu não tenho nem preparo nem base para ser erudito.
E A FAMOSA MISSA?
Ouçamos o próprio Edu:
- "O lado um tem possibilidades de ser bastante tocado. Mas o forte para mim, é o lado dois, que tem a "Missa Breve". Para que se tenha uma idéia do que significa esse disco, pela primeira vez na vida tenho vontade de vender meu produto ou seja, de partir para um bom esquema de divulgação (4).
O próprio Edu tem consciência de que o atual nível de seu trabalho o afastará do grande publico (acostumado ao apelo direto de "Uma Neguinho" ou "Corrida de Jangada"). Mas este é o preço que pagará "pela grandeza que pretende dar a sua atividade da qual conhece o exato significado" (5).
- "Digamos que eu tenho certeza de que não terei mais tempo, nem condições de ser um Stravinsky. Tenho 29 anos. Estou muito satisfeito em ter condições de ouvir, gostar e entender a "Sagração da Primavera".
Assim, Edu define o público que poderá entender a sua "Missa Breve". Um público que deve ter, obrigatoriamente, uma ampla informação musical - não tão ampla, ao ponto de conhecer bem, por exemplo, as missas inventadas por tantos compositores ao longo de várias séculos. Mas um público que coloque a "Missa Breve", como o faz seu autor ao lado da << Missa Luba >> ou da "Missa Crioula" (6).
- Minha missa não corre nenhum perigo de ser consumida a ponto de desgastar.
Uma coisa é certa: "Edu Lobo (XSMOFB 3748, Odeon, março/73) é desde já um dos álbuns mais importantes do ano. Um disco produzido com imenso capricho e alta qualidade técnica. Aliás, não poderia ser diferente, após Edu ter passado quatro anos nos Estados Unidos (7), estudando a fundo e disposto a voltar com um trabalho sem concessões. Ou o mínimo de concessões. Importante é examinar a ficha técnica do disco, notar quem acompanha Edu em, cada uma das faixas (um excelente texto acompanha o álbum ): Milton Nascimento, Danilo e Dori Caymmi Tenóro Júnior. Novelli, Fernando Leporace, Nelson Ângelo, Paulo Moura, o Quarteto em Cy e outros cariocas, baiano e mineiro, unidos numa mesma abordagem da música popular.
Alguns deles já tinham trabalhado junto, no ano passado, mas a grande reunião só agora acontece Ela teve de esperar pela volta de Edu Lobo, que os escolheu - a eles e a esta abordagem - para realização do LP.
- A musica brasileira está hoje numa situação excelente como não estava há anos. O problema é que só os músicos sabem disso. Não passa para o público. As exceções são raras. Difícil de saber se "Edu Lobo" será uma destas exceções, apesar do alto nível deste seu retorno. Como aconteceu em 1972, com os lps de Milton Nascimento (8). Nelson Ângelo, Joyce, Lô Borges e começa a repetir-se agora - como "O Som Livre de Hermeto Paschoal"(Phonogram), por exemplo. Discos do mais nível, representativa de um novo "movimento" (se alguém quiser assim rotular), mas ainda com uma faixa pequena de publico. Mas o importante é insistir.
----o----
Se em 1970, o maestro Rogério Duprat propôs uma reavaliação da música sertaneja ("Nhô Look" - As Mais Belas Canções Sertanejas / Phonogram-Polydor, 69.043), no início do ano passado, um novo trio - formado por José Rodrix (ex-Som Imaginário excelente compositor (9); o jornalista e compositor Luís Carlos Só (10) e Guttemberg Guarabyra (11), propôs, em termos brasileiros, um movimento semelhante ao da "Country Song", que desde 1965 vinha conquistando o público jovem nos Estados Unidos. Assim, junto com o primeiro disco de Sá / Rodrix/Guarabyra ("Passado/Presente/Futuro", Odeon, 3710, março/72), o grupo encontrou uma fase de sucesso, em apresentações nos teatros de São Paulo e Guanabara, dentro do circulo universitário de Benil Santos. Um bom esquema promocional, orientado pelo jornalista Júlio Hungria (JB/ O PASQUIM), manteve o grupo em evidencia, garantindo um publico já ampliado para seu segundo longa-duração ("Terra", MOFB 3761, Odeon março-73), que também antecede uma nova tournée do trio junto ao público universitário. Entre o primeiro e o segundo disco de Sá, Rodrix & Guarabyra, surgiram outros compositores-intérpretes na mesma linha: Ruy Maurity & Trio ("Em Busca do Ouro", Odeon, setenbro-72), "Taiguara, Piano e Viola" (Odeon, julho-72) e mesmo "Nelson Ângelo e Joyce" (Odeon, setembro-72). Já, simultaneamente a "Terra", temos outros "filhos" do trio: Sérgio Sampaio e Renato Teixeira.
Talvez sentindo esta proliferação no novo caminho que decidiram explorar ( os temas campestres: Cigarro de Palha/Ouvi Contar/Cumpadre meu, etc). Sá, Rodrix e Guarabyra preferem mais a nostalgia da faixa de público de 30 anos, num caminho francamente favorável após "A Ultima Sessão de Cinema". Assim, temos "os Anos 60", "Desenhos no Jornal" e "Blue Rivera", três composições com elementos para sensibilizar a faixa de público que descobriu a música / o mundo / o amor no final dos anos 60 e primeira metade da década passada. De uma forma geral, "Terra" é um álbum muito mais evoluído do que "Passado/Presente e Futuro". Em "Pendurado no vapor", há um solo de flauta excelente, que nos faz lamentar a ausência de uma ficha técnica mais completa, pemitindo a identificação do instrumentista. Aliás, os arranjos de Gaya e Mário Tavares foram das mais felizes: não há as estridentes guitarras, nem solos cansativos de percussão. Ao invés disto o pastoral som de flauta em contraponto a guitarra como pode sentir-se em "O Pó da Estrada". Com 4.11 minutos, "O Brilho das Padres / Paulo Afonso", é a faixa de maior pretensão: cordas e vocal num tema feliz. A bíblia história de Jonas & a Baleia inspira o divertido "Mestre Jonas". "Adiante" e "Até Mais Ver" complementam esta segunda e válida experiência do Sá /Rodrix/Guarabyra em longa-duração.
E OS SEUS "FILHOS"?
De principio é bom esclarecer: tanto Sérgio Sampaio como (principalmente) Renato Teixeira mostram em seus LPs muita personalidade e criatividade e ao falarmos em "filhos" de Sá/Rodrix/Guarabyra é apenas uma questão de expressão: uma mesma linha, a mesma busca da "autenticidade" e "pureza" em temas simples, mas não quer dizer que exista plágio.
Pois, por exemplo embora só agora enato Teixeira faça o seu primeiro lp comercial ("Pai sagem", Prova/Phonogram/Sinter, 1905, março-73), há dois anos, ele era escolhido por Marcus Pereira (12), para gravar um lp notável ("Álbum de Família"), que a sua agência distribuiu a clientes e amigos. Em "Álbum de Família". Renato reuniu "coisas que o tempo confiscou, deixando o usofruto dolorido que se convencionou chamar de saudade. A escola, o feriado da província, a Igreja Matriz - ponto de referencia na geometria das cidades e dos homens - a ave confidente, a ternura contida pela timidez, em antigo carnaval" (Marcus Pereira) Agora em "Paisagem", gravado com imenso capricho nos estúdios Prova de José Scatena, Renato Teixeira acrescenta aos temas nostálgico de "Álbum de família", canções que fala de montanhas e nuvens, sol e margaridas, e de muitos bichos - galinhas, cabras, sapos, ovelhas, cachorros, etc. Tudo enquadrado na contemplação proposta pelo título e originalíssima capa. Publicitário, especialista na criação de jingles, Renato Teixeira (13), e perfeito nas sinteses-imagens de suas letras: "Velha Historia", "As Coisas Que Eu Gosto" "As Galinhas" , << O Que Era Doce Acabou >> , " Cabreiro" "Marinheiro", "Passagem", "Sapo" "Quando Uma Nuvem Passa" "Bye Bye" e << Pedras do Caminho >> Sua voz agradável, os excelentes músicos que o acompanham - Fausto (viola, violão, baixo, vocal), João Carlos (piano) Guilherme (bateria) , Sérgio Centauri (flauta, com bons solos), o Peninha e Paulinho no sintetizador, garantem a esta produção de Scatena/Prova um alto nível, lembrando, aliás a melhor fase de realizações da RGE quando Scatena e Benil Santos eram responsáveis por sua direção.
Já Sérgio Sampaio consegue livrar-se, agora, da imagem que o sucesso de "Eu quero é botar meu bloco na rua..." (a única musica de sucesso popular do último FIC) lhe trouxe: a de um compositor "certinho", de imagens fáceis. Pois neste seu primeiro lp (Phonogram/Philips, 6369257, março/73), percorre diversos caminhos, numa linha urbana-nostalgica-sentimental: "Viagei de Trem" , "Pobre meu pai" , "Dona Maria de Lourdes" . É claro que a influência de Cae Gil pode-se notar em algumas faixas: "Leros & Boleros" , "Eu sou aquele que disse" e "Filmes de terror". Também a ironia e um humor (nem sempre refinado) presente em "Cala a Boca, Zebedeu" ou a aberta homenagemao amigo Rauzito Seixas as duas canções a mulheres; Odete e Maria de Lourdes). Com o próprio Sampaio acumulando a interpretação e violão, há um bom cuidado técnico na gravação, com a participação de músico da competência de Wilson das Neves e Mamão na bateria. Zé Roberto no piano e Moog. Um disco curioso, bem realizado, que mostra que Sampaio é mais do que apenas o autor do carnavalesco "Eu quero é botar meu bloco na rua".
NOTAS
(1) Um dos mais férteis dramaturgo brasileiros e que tem composto em parceria com Lyra. Edu e agora Toquinho, com as músicas que fez para "Castros Alves Pede Passagem" e "Um Grito Parado no Ar" - "Teatro Guaíra, em cartaz até domingo, dia 5).
(2) - Carlos Lyra fez os cursos primários e ginasial no Colégio Santo Inácio de Loiola com disciplina rígida e informação cultural bem cuidada.
(3) "Jornal da Tarde", 24.3.73.
(4) Tanto é que Edu pensa em fazer apresentações em varias capitais. Em Curitiba Heitor valente está transando duas apresentações no auditório da Reitoria.
(5) Maurício Kubrusly, JT.
(6) Ambas editadas em lp, no Brasil, pela Philips/Phonogram.
(7) Nos EUA Edu gravou "Cantigas de longe" (editado no Brasil pelo Phonogram) e "Mendes presente Lobo" (A&M Records) inédito em nosso País.
(8) "Clube da Esquina" (Odeon), para nós o melhor álbum nacional em 1972.
(9) Autor da trilha sonora de "Como era gostoso o meu francês" de Nelson Pereira dos Santos.
(10) Ex-editor da coluna de MPB no caderno comunicação do "Correio da Manhã"(1968-69).
(11) Lançado em 1967, ao vencer o FIC (fase nacional) com "Margarida".
(12) Publicitário, premiado este ano com o troféu Esfácio de Sá" do MIS, pela contribuição que vem dando a MPB, em especial ao editar a coleção "Musica Popular do Nordeste".
(13) Paulista de Paubaté, Renato veio para São Paulo em 1968. Participou do festival da Record com "Dadá Maria" e gravou esta musica com Gal Costa em sua primeira participação em disco. Em 1969, participou do Festival da Record com "Madrasta", em parada com Beto Ruschel, defendida por Roberto Carlos. Em 1972, foi classificado na fase nacional do FIC com "Marinheiro".
FOTO LEGENDA- Sérgio Sampaio
FOTO LEGENDA1- Edu Lobo, um disco importante.
FOTO LEGENDA2- Passagem Renato Teixeira de Oliveira
Tags:
- A Última Sessão de Cinema
- Álbum de Família
- Benil Santos
- Bye Bye
- Carlos Lyra
- Clube da Esquina
- Colégio Santo Inácio de Loiola
- Correio da Manhã
- Dada Maria
- Edu Lobo
- Egberto Gismonti
- Em Busca do Ouro
- Eumir Deodato
- Fernando Leporace
- Festival da Record
- FIC
- Gal Costa
- Gianfrancesco Guarnieri
- Guttemberg Guarabyra
- Hermeto Paschoal
- João Carlos
- Jornal da Tarde
- JT
- Júlio Hungria
- Lo Borges
- M Records
- Marcus Pereira
- Maria de Lourdes
- Mário Tavares
- Maurício Kubrusly
- Milton Nascimento
- MIS
- Missa Luba
- MOFB
- MPB
- Música Popular do Nordeste
- Nelson Ângelo
- Nelson Pereira dos Santos
- Nho Look
- NOTAS
- Paulo César Pinheiro
- Paulo Moura
- Philips/Phonogram
- Phonogram/Philips
- Renato Teixeira
- Roberto Carlos
- Rogério Duprat
- Ruy Guerra
- Ruy Maurity
- Sagração da Primavera
- Sérgio Sampaio
- Som Imaginário
- Teatro Guaíra
- Um Grito Parado
- Upa Neguinho
- Vento Bravo
- Wilson das Neves
- XSMOFB
- Zé Roberto
Enviar novo comentário