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Vinícius, como nasce a Poesia

Vinícius de Moraes começa a cuidar na próxima semana, em São Paulo, de um novo disco. Vai chamar-se "Vinícius Triste" e so sairá em novembro, já pela Philips (atualmente Vinícius e Toquinho estão pressos por contrato a RGE). Com produção de Roberto Menescai, o disco mostrará Vinícius com suas melhores músicas, evidentemente temas românticos, com diversos parceiros. Também dirá alguns poemas, inéditos de seu aguardado livro sobre o Rio de janeiro, no qual, no final do ano passado, em Salvador, trabalhou bastante. Apesar da cansativa temporada - primeiro em Salvador, posteriormente no Recife e Porto Alegre, agora em São Paulo (Tuca, até 5 de maio). Vinícius demonstrou nas 36 horas que passou em Curitiba, no inicio da semana (só viajou as 18 horas de terça-feira, num táxi-aéreo da Reta), estar em perfeita forma. Com seu uisquinho na mão (é mito que beba em excesso: bebe sempre e bem, mas não em excesso), permanente atenção para com todos que o procuram, falou da casinha que está construindo na Praia de Itapoã e para a qual aceita fazer uma nova excursão pelo Brasil (precisa Cr$ 200 mil, o que deverá faturar até o final de junho). Mesmo `cansado, após as duas sessões do Paiol, na noite de segunda-feira, comendo um filét-griset no Palácio, regado a bom vinho branco, entusiasmou-se ao falar de seu amigo Jaime Ovalle (1894-1955), uma das personalidades de maior influência na vida literária brasileira nos anos 30-50 e que morreu deixando uma mínima obra: o livro de poesias "The Foolsh Bird" (escrito em inglês, por uma de suas mulheres) e algumas letras de música inclusive "Azulão", em parceria com o poeta Manuel Bandeira). Falando de Ovalle, Vinícius conta como nasceu um poema: "Não há o momento certo, a hora exata. Por exemplo, um dia eu fiz uma entrevista com Ovalle, para Manchete, com perguntas bem malucas: Por que os açougues não abrem a noite? Quem acenou o Cruzeiro do Sul? O que é o câncer? Ele, que era um homem estranho e que tinha o pensamento sempre poético, disse: O câncer e a tristeza das células. E isto serviu como epígrafe ao meu poema "Sob o Trópico do Câncer que não tem nada em comum com Henry Miller". Iniciado em 1960, só em 1969 o poema ficou pronto, dito até hoje apenas pelo pacto no recital na Livraria Quadrante, em Lisboa e Registrado em disco pelo incansável Irineu Garcia ("Vinícius em Portugal", Festa-phonogram). Inédito no Brasil (aqui ainda não foi publicado), apresentamos com autorização do autor - a primeira parte deste longo Poema de Vinícius no total ocupando dez páginas, em suas sete partes. ---:o:--- Sai câncer, desaparece, parte, Sai do mundo. Volta à galáxia onde formetam os íncubos da vida, De que és a forma inversa. Vai, foge do mundo, Monstruosa tarântula, Hodiendo caranguejo incolor Fétida anêmona. Sai, câncer! Furco anão de unhas sujas e roídas. Monstrengo sub-reptício, Glabre homúsculo, Que empestias as brancas manhãs Com teu suave mau cheiro de necrose, Enquanto largas sob as portas Teus imundos volantes genocidas, Sai, gent out-ens, Hinaus, mit Ilhen! Tu e tua capa de matéria plástica, Tu e tuas galochas, Tu e tua gravata carcomida, E torna, abjeto, Ao trópico cujo nome roubaste. Deixa os homens em sossego, Ódios mascate. Fecha o zip da tua gorda pasta, Que amontoas caranguejos, baratas, sapos, lesmas Movendo-se em seu visgo, Em meio a amostra de óleos, graxas, corantes e germícidas. Sai, câncer, Fecha a tenaz e diz adeus à Terra Em saudação nazista. Galga, aranha, contra o teu próprio fio, E vai morrer de tua própria síntese Na poeira atômica Que ora se acumula na cúpula do mundo. Adeus, grume louco, Multiplicador incalculável. Tu, de que nenhum computador Jamais seguiria a matemática. Parte, ponete, fuera, andate via! Glauco esperto, gosmento camelo Da morte anterior à eternidade. Não ès mais forte do que o homem. Rua! Grasso e gomadinado prestanista Que prescreve a dívida humana sem aviso prévio. Ign-óbil, meirinho câncer, vil tristeza. Amada, Tranca a porta; corta os fios. Não preste nunca ouvidos Ao que o mercador contar. FOTO LEGENDA- Vinícius, e poema inédito
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
29/04/1973

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