Ítalo voltou, com poesia, 20 anos depois de Brecht
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de setembro de 1986
Uma coincidência que, por certo, nem o próprio Rossi (Ítalo Baibo Rossi de Fratti, São Paulo, 17/01/1931) se lembra: foi há exatamente 20 anos, em agosto de 1966, que esteve em Curitiba, numa estréia nacional da primeira superprodução dirigida por Flávio Rangel, na qual tinha um papel de destaque: era Matt em "O Sr. Puntilla e o seu criado Matt", de Bertolt Brecht. Agora, Ítalo está no Teatro do Paiol, ao lado de um dos seus melhores amigos, Walmor Chagas, 50 anos, num espetáculo que vem fazendo sucesso desde sua estréia: um recital de poemas de Fernando Pessoa (hoje a domingo, 21 horas).
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Em agosto de 1966, quando se comemorava os 10 anos da morte de Bertolt Brecht (1898-1956), Flávio Rangel fez uma audaciosa montagem da peça "Puntilla/Matt", com um elenco de grandes nomes - muitos dos quais já falecidos (como Jardel Filho e Napoleão Muniz Freire), e atrizes que então iniciavam sua carreira (como Isabel Ribeiro). Ítalo Rossi, em sincera entrevista ao jornalista (e ator) Simon Khouri, há 4 anos, para o livro-depoimento "Atrás da Máscara" (dois volumes, Civilização Brasileira, 1983), recordou, com certo amargor, aquela experiência. "Machucou muito trabalhar sob a direção de Flávio Rangel. Eu não estava de acordo com os caminhos traçados pela direção, mas o Flávio, muito inteligente e convincente, me comovia com suas intenções. Ele achava que eu estava ótimo e eu não me sentia bem no personagem. Se o ator não acredita no que está fazendo, ele não vai conseguir transmitir nada para a platéia e foi o que aconteceu: o espetáculo fracassou e atravessei uma fase terrível de minha vida. Foi uma época em que eu bebia muito e procurava me aproximar de pessoas que nada tinham a ver com o teatro."
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A longa entrevista de Ítalo a Khouri - que, por sinal, como ator no espetáculo "Feliz Páscoa", esteve em Curitiba na semana passada - mostra aspectos interessantes da personalidade de Ítalo. Eis uma de suas revelações: "... desde quando deixei de ser criança e passei a ser ator, já fiz 480 personagens diferentes! Eu sozinho jamais poderia atingir a gama de situações, momentos, personalidades, amores, ódios, traições, magnitudes e heroísmo que esses personagens atingiram. Eles são tudo o que eu não fui, eles são muito mais interessantes e verdadeiros do que eu."
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Walmor Chagas, que idealizou e roteirizou este "Encontro com Fernando Pessoa" - forma poética de homenagear os 50 anos da morte do maior poeta português, falecido em 1935, aos 47 anos, estreou no ano passado e recebeu a mais simpática acolhida da crítica. Marília Martins, crítica da revista "Isto É", acentuou que "dos heterônimos, no palco do teatro, se privilegia Álvaro de Campos, o poeta de versos longos e derramados. E é vestido deste personagem, meio bêbado, prolixo e sentimental, que Walmor Chagas conduz o espetáculo. A seu lado Ítalo Rossi faz as vezes de Alberto Caeiro, dono de uma lírica mais metafísica, ou recita alguns textos que Pessoa assinou com o seu próprio nome. E é assim, pondo para dialogar as diferentes personalidades do poeta e confrontando modos diversos de se fazer poesia, que estes dois consagrados atores tecem um recital excelente, onde a música sublinha a sonoridade dos versos, imprime novo ritmo à fala, atinge fortes momentos de emoção."
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