As revelações de Ítalo, o conspirador da revolução
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de julho de 1988
Semana a semana, o projeto Memória Histórica do Paraná, em tão boa hora reativado pelo homem de comunicação Sérgio Reis, diretor da área de marketing do Bamerindus, vem sendo enriquecido com depoimentos que ajudarão a se entender melhor o nosso Estado - em vários aspectos. Ampliando sempre o enfoque dos entrevistados - pessoas que, de uma forma ou outra, contribuíram em suas atividades profissionais, sociais e políticas, a equipe de entrevistadores, coordenada por João de Deus Freitas Neto, com a experiência de saber ouvir e deixar os entrevistados falarem informalmente, tem documentado, em videotaipe, palavras (com imagens) reveladoras - desde esclarecimentos de fatos que permane(ciam)cem obscuros, com diferentes versões - especialmente das últimas décadas - até histórias bem humoradas, mostrando o outro lado em momentos importantes.
O depoimento registrado na semana passada com o general (da reserva) e ex-parlamentar Ítalo Conti, 72 anos, foi extremamente rico em informações - vindos desde os bastidores da Campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália - na qual ele serviu como capitão (seu irmão, Adelio, 69 anos, também participou, mas como tenente, sendo inclusive seu comandado) até a sua presença na política paranaense, quando por três legislaturas foi deputado federal. Hoje, aposentado de atividades políticas - embora não negue que continue em seu escritório no 2º andar do edifício Asa, todas as tardes, recebe vários amigos e correligionários, Ítalo garante não ter planos para voltar à vida pública. Sogro do vice-governador Ary Velloso Queiroz e cunhado do guru da polícia paranaense, o gordo e felpudo Aníbal Curi, Ítalo não deixa de ser um homem de muitas ligações e contatos - mas hoje discreto, não aceitando nem mesmo "Missões Silenciosas" - título do livro de seu amigo general Walton Walters, ex-diretor da CIA, ex-adido militar do Brasil no governo Castelo Branco e que conheceu, na campanha da Itália - e cujo volume, com carinhosa dedicatória, ocupa lugar especial em sua biblioteca repleta de ensaios e estudos políticos, de autores das mais diferentes tendências.
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Conspirador. Eis uma adjetivação que não ofende Ítalo em relação a sua participação nas articulações do golpe de 1º de abril de 1964. Como secretário da Segurança Pública no primeiro governo Ney Braga - seu amigo desde os tempos de Colégio Militar, e em cuja campanha política teve uma discreta atuação (apesar de, como oficial da ativa, ter impedimento legal para tanto) e, naturalmente por seu trânsito junto a oficiais superiores que desde a renúncia de Jânio Quadros (agosto/61) não aceitavam o presidente João Goulart, Ítalo foi designado como o homem de ligação entre o Palácio Iguaçu e os militares que preparavam a derrubada de Goulart. No depoimento gravado para o projeto Memória Histórica do Paraná, Conti recordou que Ney o chamou a Pálaco quando recebeu a visita de três oficiais da linha duríssima - Sirzel, Mendes e o famoso Burnier para lhe colocar ao par da reação que crescia nos quartéis em relação a "comunicação" do governo de Goulart.
Os militares temiam o golpe por parte de Goulart, criando uma República Sindicalista, embora, hoje, Conti admita que "havia um exagero - pois, como ficou demonstrado, todos os esquemas militares, que as forças ditas comunistas estavam estruturadas revelaram-se totalmente frágeis e desorganizadas". Conti vai mais longe em seu pensamento:
- "Tenho certeza que se não fosse o comício das reformas de 13 de março e a quebra de hierarquia militar, a revolução contra Jango não teria tido condições de ocorrer."
No Paraná, a situação poderia ter sido diferente se o general Silvino Gaspar das Neves, "um cearense corajoso, legalista e que não estava ligado ao movimento militar" tivesse desembarcado para assumir o comando da 5ª Região Militar. O general Dario Coelho, que comandava interinamente a Região, e recusou as argumentações de que deveria prender o general Silvino assim que ele chegasse - e, ao contrário, lhe transmitiria o comando. Foi graças ao esquema da Aeronáutica, quando o piloto do avião que transportava o general Silvino alegou não ter condições de pouso em Curitiba - seguindo para Porto Alegre - que foi evitada sua posse. Ítalo, como experiente estrategista militar-político, raciocina:
- "Se o general Silvino tivesse assumido a 5ª Região Militar e mantido apoio ao Jango, a situação se inverteria. Isto porque no Paraná, os oficiais superiores não contavam com apoio dos sargentos e praças. Muitos coronéis, nas reuniões, quando se indagava de que recursos disporiam para resistir, não se arriscavam a fazer cálculos otimistas. Mostravam-se preocupados com o movimento dos sargentos, cabos - e por conseguinte atingindo aos soldados."
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Ítalo Conti sempre declarou-se anti-comunista, mas faz questão de frizar: "Sou contra o comunismo em termos de proposta e filosofia, mas não contra os comunistas. Prova disto é que sempre mantive ótimas relações com muitos líderes marxistas. O médico Jorge Karam, o professor Vieira Neto e vários outros homens que sempre tiveram autação no PC mereceram meu respeito", diz. O próprio Agliberto Azevedo, oficial que participou da Intentona em 1937 e que, em 1964, dirigia o PCB no Paraná, ao ser preso, mereceu - diz Ítalo - "tratamento respeitoso".
- "Determinei que tivesse uma cela própria no presídio do Ahú, com o conforto possível, comida de boa qualidade. Cheguei a visitá-lo, levando-lhe até um exemplar da Bíblia. E acredito que soube reconhecer isto, pois de vez em quando o Amaral (conhecido e simpático ativista comunista, que mantém contatos com o hoje octagenário Agliberto) - transmite-me sempre que o encontro, saudações do Azevedo."
Ítalo Conti, como secretário da Segurança Pública do Paraná em 1964, só determinou a prisão dos comunistas - ou tidos como - quando havia solicitação do Exército.
LEGENDA FOTO - Ítalo Conti.
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