No cimento da memória, a lembrança dos stars que passaram por Curitiba
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de março de 1991
Nas últimas três sessões do Cine Vitória, às 14, 17 e 20h30, em 28 de janeiro de 1987, as bilheteiras Reny Terezinha e Leonilda de Jesus venderam pouco mais de 100 ingressos para os espectadores que foram assistir à reprise de "Gandhi" (Gandhi, 1982, de Richard Attenborough), com tickets recolhidos na entrada pelos porteiros Manoel Pereira Santos e Silvio Cordeiro. Wilson Antônio, então o gerente da casa (hoje está no Cine Bristol), ouvia de Zito Alves histórias da inauguração do prédio, há 28 anos passados.
14 de novembro de 1963 foi uma noite de festas na Rua Barão do Rio Branco, com a projeção de "Taras Bulba", superprodução rodada na Argentina, dirigida pelo inglês J. Lee Thompson, com Yul Brynner (1920/1985). No personagem título, Tony Curtis e a bela estrelinha alemã Christine Kaufmann. A produção havia deixado um subproduto romântico: durante as locações nos pampas, Tony e Christine apaixonaram-se e acabaram casando.
Entretanto, o filme originalmente programado para a inauguração havia sido o western "Gerônimo, Sangue de Apache", de Arnold Laven, igualmente uma produção de 1962, com Chuck Connors como o famoso chefe da nação índia (1829/1909). Na última hora a United Artists o substituiu.
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Naquela noite de festas, as autoridades do governo, a começar por Ney Braga, que sempre gostou de cinema e, 12 anos antes, quando prefeito de Curitiba, havia promovido, já com seu amigo Ismael Macedo, aquele que foi o primeiro e único festival de cinema de Curitiba realizado no Cine Ópera; Jucundino Furtado, secretário do Trabalho; Ítalo Conti, secretário da Segurança Pública e o prefeito (eleito) Ivo Arzua, entre centenas de nomes conhecidos, também ali estavam presentes.
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Uma ironia. Menos de 7 meses após a inauguração, seria justamente Janet Leigh, ex-esposa de Curtis, que seria a presença maior na penúltima das festas do "Tribunascope", promoção que o colunista da "Tribuna do Paraná", Júlio Kogut Neto, organizou por nove anos.
Transferido do antigo Cine Ópera para o Vitória - o "Tribunascope" de 1964 aconteceu na noite de 13 de abril. Enquanto o delegado Miguel Zacarias, titular da Dops e oficiais do Exército caçavam "perigosos subversivos", 13 dias após a "Revolução", cinéfilos, socialites e curiosos lotavam o imenso cinema (quem não conseguiu entrar ficou nas calçadas). O então jornalista Henrique Lemanski, secretário assistente de João Féder (hoje conselheiro do Tribunal de Contas), na direção da "Tribuna do Paraná", com suas conexões com Harry Stone, que já era o poderoso "Embaixador da Motion Pictures" no Brasil (função que continua a exercer), havia conseguido convencer o americano a mudar o roteiro de retorno de estrelas americanas que haviam ido, uma semana antes ao então badaladíssimo Festival Internacional de Mar Del Plata: Janet Leigh, Karl Malden e Tony Perkins. Alguns artistas brasileiros também vieram, entre eles Jece Valadão, Vanja Orico (que ainda vivia das glórias de "O Cangaceiro", 1954) e a argentina-carioca Irma Alvarez (hoje esquecida). Foram dois dias de festas, quando até o governador Ney Braga recepcionou a comitiva no Palácio Iguaçu. Mil histórias - inclusive sobre supostos envolvimentos amorosos de Tony Perkins com mancebos curitibanos que um dia ainda merecem ser contadas num livro sobre aquela época, prometido (mas não cumprido) por Júlio Neto, que abandonaria o jornalismo e se tornaria assessor do ex-deputado federal Ítalo Conti, depois de ter dirigido a Usis no Paraná.
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Outras noites de luzes e estrelas no Cine Vitória: João Féder, sempre consciente do marketing que a promoção de grandes eventos culturais e sociais davam à "Tribuna do Paraná" - e com o apoio financeiro da Orcopa - chegou até a bancar a pré-estréia de "Madre Joana dos Anjos" (Makta Joanna of Anilow), com a presença do diretor polonês Jerzy Kawalerowicz, então com 37 anos e sua esposa, a atriz Lucyla Winnika - que na seqüência seriam recebidos pelo sempre ágil Jofre Cabral e Silva (1914/1967) em festa no Santa Mônica Clube de Campo.
A última das edições do "Tribunascope" realizada no Cine Vitória trouxe estrelas de menor brilho: a starlet Nancy Kovacs - que havia feito apenas pontas em filmes como "O Nono Mandamento" (mas que causou excitação ao usar uma blusa preta, transparente, sem sutiã), o loiro galã Troy Donahue, 1,90, favorito do cineasta Demer Daves e que tem sido revisto hoje em sessões Corujão na televisão ("Amores Clandestinos", "O Vale das Grandes Batalhas" e "O Erro de Susan Slade"), arrancou suspiros de adolescentes e orgasmos nas fantasias das coroas apaixonadas, mas quem o conquistou na festa-baile que José Vieira Sibut ofereceu na Sociedade Thalia foi a então Miss Brasil, Angela Vasconcelos. Além de linda, na época era uma das poucas donzelas curitibanas que falava não só o inglês, mas francês e alemão (afinal havia morado 4 anos em Berlim). Quem passou despercebido foi Statis Ghianelis, que Elias Kazan tinha escolhido para seu autobiográfico "Terra do Sonho Distante" ("America, America", 1963), então inédito (aqui seria exibido apenas uma semana no antigo Cine de Arte Riviera, anos depois). Apesar de seu físico de galã grego - Statis não deu certo! Mesmo lançado num filme do mestre Kazan não fez carreira e hoje ninguém sabe por onde anda (Troy Donahue, envelhecido, tem aparecido em filmes de terror classe B).
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A história do Cine Vitória registra outras grandes estréias, como dos filmes "Toda Donzela tem um Pai que é uma Fera", 1966, de Roberto Faria, e "Um Uísque Antes, um Cigarro Depois", comédia que Flávio Tambelini (1927-1976) chegou a rodar (um dos três episódios) em Curitiba, revelando então o talento de uma jovem e linda loira chamada Laís Mann, que se tornaria famosa teleapresentadora no "Show de Jornal", da TV Iguaçu, e até foi candidata a vereadora. Também no Cine Vitória a Pró Música - quando presidida por Henrique Garcês Duarte - promoveu concertos marcantes, lotando seus 1.800 lugares: em junho de 1971, a sinfônica de Utah, regida por Maurice Abravanel. Em abril de 1972, a ORTF - Orquestra de Rádio e Televisão Francesa, regida por Jean Martinon. Em julho de 1974, foi a vez da Orquestra Juvenil da República Federal da Alemanha, regida por Volker Wanheim. Há 24 anos, 21 de janeiro de 1967, ali era realizado o concerto de encerramento do III Festival Internacional de Música.
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Cinemas e teatros que têm história. Os antigos Hauer (hoje Cine Bristol), Palácio (hoje Astor), os saudosos Ópera e Avenida (agora um auditório classe A, para eventos especiais a partir de terça-feira), que merecem ser perpetuados em suas memórias, pois há muito a comentar.
LEGENDA FOTO 1 - Doce pássaro da juventude: o galã americano Troy Donahue, encontra na festa do Tribunascope, no antigo Cine Vitória, a mais bela paranaense, Angela Vasconcelos. Uma noite de sonhos dourados...
LEGENDA FOTO 2 - Numa das muitas festas nos tempos do Tribunascope, a starlet Nancy Kovacs serve na boquinha o então glamoroso ator Troy Donahue.
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