A última sessão do Cine Vitória
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de janeiro de 1987
Hoje à noite, quando os detalhados créditos de "Gandhi" se apagarem na encardida tela panorâmica do Cine Vitória e o operador José Haroldo Suriam desligar a velha Cine-Mecânica-Vitória, a cabina de projeções daquele que foi o maior cinema de Curitiba estará totalmente fechado. O gerente Wilson Antonio, chaveará, pela última vez, as portas de entrada do cinema e, amanhã, bem cedo, Aleixo Zonari entregará o prédio para a Secretaria da Administração. Completa-se, assim, o funeral do Cine Vitória, inaugurado há 24 anos e que, sem choro ou velas, morre para que a cidade ganhe um discutido Centro de Convenções.
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Hoje, ainda, nas sessões das 14, 17 e 20h30min, as bilheteiras Reny Terezinha e Leonilda de Jesus estarão vendendo ingressos para as três últimas sessões de "Gandhi" - recolhidas na entrada pelos porteiros Manoel Pereira Santos e Silvio Cordeiro.
Wilson Antonio, o gerente atual do Vitória, tinha apenas um ano quando Ismail Macedo, então o dinâmico executivo da Orcopa, inaugurou o Cine Vitória, aberto para uma noite de festas em 14 de novembro de 1963, com o filme "Taras Bulba". Naquela noite de luzes e cumprimentos, com a presença das autoridades do governo - Ney Braga, o secretário Jucundino Furtado, da Educação e Cultura; Aristides Simão, secretário do Trabalho; Ítalo Conti, secretário da Segurança Pública e o prefeito Ivo Arzua, centenas de nomes conhecidos na então ainda provinciana Curitiba se deslumbravam com a "modernidade" do cinema, seu amplo hall de espera, estátuas de bronze - que provocariam da colunista social de O Estado do Paraná, Dolores Piersom (uma das primeiras mulheres a dirigir motocicletas em Curitiba, caçadora de autógrafos; onde andará?) entusiásticos comentários.
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Para a inauguração chegou a ser anunciado o lançamento de "Gerônimo, Sangue de Apache", western produzido, dirigido e escrito por Arnold Laven, com Chuck Connors como o famoso chefe da nação apache (1829?-1909) e a atriz Kamala Devi (que não chegou a fazer carreira). Produção distribuída pela United Artists, na última hora foi substituída por um filme mais famoso na época: "Taras Bulba", também produção do ano de 1962, com Yul Brynner (1920-1985) no personagem do guerreiro cossaco (que viveu entre os séculos XVI/XVII), Tony Curtis como seu filho Andrei; e a bela atriz alemã, Christine Kaufmann, como Natalia Dubrov. Rodado nos pampas argentinos, em 1961, com direção do inglês J. Lee Thompson, durante as filmagens iniciou o romance de Tony com Christine por quem trocaria sua esposa, Janet Leight (o casamento com Christine, atriz também hoje esquecida, resistiria apenas quatro anos). No elenco de "Taras Bulba", uma produção de Harold Hecht, estavam também George MacReady, Sam Wanamaker, Brad Dexter, Pery Lopes e Vladimir Skoloff, que morreria dias depois do encerramento das filmagens.
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Uma ironia: menos de 7 meses após a inauguração do Vitória, seria justamente Janet Leight, ex-esposa de Curtis - astro de "Taras Bulba" - a grande presença numa outra pré-estréia no Vitória, por ocasião da penúltima das festas do "Tribunascope", promoção que Júlio Netto realizou durante alguns anos em Curitiba, sempre com presença de artistas nacionais e internacionais. Transferida do antigo Cine Ópera para o Vitória - o Tribunascope de 1964, aconteceu na noite de 13 de abril, e enquanto o (já falecido) delegado Miguel Zacarias, titular da DOPS, na época fazia prisões de subversivos e outros acusados pela "Revolução" de 1º de abril, os cinéfilos da cidade deslumbravam-se com uma noite digna dos melhores tempos do Chinese Theater, na dourada Hollywood dos anos 40/50. Tanto é que uma base em concreto foi preparada para que os astros internacionais da noite - Janet Leight, Karl Malden e Tony Perkins, vindos do festival internacional de cinema de Mar del Plata, na Argentina (então, um evento de prestígio internacional), mudassem seu retorno de volta a Los Angeles e parassem em Curitiba para prestigiar a festa "Tribunascope". Isto graças à amizade de Harry Stone com o jornalista João Feder (hoje conselheiro do Tribunal de Contas), na época diretor-secretário da Tribuna do Paraná, e que movimentava a cidade com grandes promoções. Stone já era o representante no Brasil da Motion Pictures, cargo em que permanece firme como a rocha do seu nome há mais de 30 anos, defendendo os interesses do cinema americano.
Alguns artistas brasileiros também vieram para aquela noite do Tribunascope - como Jece Valadão e, as hoje sexagenárias e esquecidas, Vanja Orico (atriz de "O Cangaceiro", em 1954) e Irma Alvarez.
Meses depois, também em promoção da Tribuna do Paraná, outra pré-estréia ali acontecia - "Madre Joana dos Anjos" (Matka Joanna of Anilow), com a presença do diretor polonês Jerzy Kawalerowicz, então com 37 anos e sua esposa, a atriz Lucyna Winnicka. Novamente, um espaço em cimento era providenciado para receber as palmas das mãos - as quais se seguiram, no mesmo ano, de outros artistas internacionais de passagem por Curitiba - a starlet Nancy Kovacs (fez algumas pontas em filmes importantes, mas não emplacou carreira), o galã Stanis Ghianellis (desaparecido apesar da chance que Elia Kazam lhe deu ao estrelar o autobiográfico "Terra do Sonho Distante/ América, América", 1963), Mery Welles (outra starlet americana que não emplacou) e o supergalã Troy Donahue, 1,90m, loiro de olhos azuis, vindo de sucessos como "Um Clarim ao Longe" (A Distant Trumpet), de Raoul Walsh (1892-1980) e, "Amores Clandestinos" (A Summer Place, 1959), "No Vale das Grandes Batalhas" (Parrish, 1961) e, especialmente, "O Candelabro Italiano" (Rome Adventure, 62), todos açucaradas produções românticas que Delmer Daves havia dirigido para a Warner. Especialmente o sucesso imenso de "O Candelabro Italiano" (até hoje reprisado com boa audiência na televisão), que permaneceu por mais de 2 meses em exibição no Lido (e ganhando do crítico Francisco Bettega Neto, então atuando na "Última Hora", o apelido de "O descalabro italiano"), fez com que milhares de adolescentes curitibanas cercassem o atlético Troy Donahue, sonhando com seus beijos e abraços. Só que a felizarda em merecer sua companhia, nas recepções que o (falecido) José Vieira Sibut ofereceu na Sociedade Thalia foi a bela e elegante Angela Vasconcelos, que havia sido eleita Miss Brasil em 1964. Poliglota, falando um inglês perfeito, Angela ganhou as atenções de Troy Donahue, que com ela dançou bastante e mostrou um particular interesse. Mas Angela, ficou apenas no just friends, pois não era exatamente uma fanática pelo belo galã.
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No Vitória - inaugurado como cine-teatro - aconteceram grandes eventos. Não só cinematográficos, como os acima lembrados - e aos quais poderiam se acrescentar também pré-estréias de filmes nacionais, como "Toda Donzela Tem um Pai Que é Uma Fera" (1966, de Roberto Faria) e "Um Uísque, Um Cigarro Depois" que teve um dos episódios rodado por Flávio Tambellini (1927-1976) em Curitiba, em 1970 - mas também por quatro grandes concertos sinfônicos.
O amplo espaço do Vitória - 1.800 poltronas - acolheu as grandes realizações da Pró-Música, quando o preço do dólar permitia contratações de sinfônicas internacionais. Em junho de 1971, a Orquestra Sinfônica de Utah, regida por Maurice Abravanel. No ano seguinte, em abril de 1972, a ORTF - Orquestra da Rádio e Televisão Francesa, regida por Jean Martinon, ali extasiou um público impressionado com a categoria dos músicos franceses. Em julho de 1974, foi a vez da Orquestra Juvenil da República Federal da Alemanha, regida por Volker Wangenheim, também fazer a cidade ter uma noite culturalmente inesquecível. Há 21 anos, em janeiro de 1967, no Vitória também acontecia o concerto de encerramento do II Festival Internacional de Música.
Concertos que exigiam de seus organizadores - especialmente do casal Eduardo-Henriqueta Garcez Duarte - muito trabalho, pois embora concebido como cine-teatro, o Vitória jamais possuiu camarins e a mínima infra-estrutura para apresentação ao vivo - iluminação, microfones, cadeiras para os músicos, etc. Mas, o esforço compensava e os concertos ali aconteceram com grande sucesso.
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