Lupion, um depoimento para a história política do Paraná
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de setembro de 1990
Desde que deixou o governo do Paraná - há 30 anos - Moysés Lupion evitou, de todas as maneiras, encontros com jornalistas. Sofrendo processos e investigações - iniciados nos primeiros dias da administração de seu sucessor, Ney Braga, e que, em 1968, intensificaram-se com inquéritos militares, cassado em seus direitos políticos pelo Ato Institucional nº 2 - numa lista de 100 nomes em que estavam políticos como Luiz Carlos Prestes, João Goulart, Jânio Quadros, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro - o homem que, pelo voto direto, por duas vezes governou o Paraná, teve que se exilar por um ano na Argentina. Um dos homens mais ricos ao ser eleito governador em 19 de janeiro de 1947, perdeu quase todo o seu patrimônio - que incluía 45 empresas atuando em vários setores.
Atacado, perseguido, humilhado, Moysés Lupion buscou o caminho da Justiça e, ao longo de quase 20 anos procurou se estabelecer a verdade dos fatos. Em 1976/77, a Comissão Geral de Investigações do Ministério da Justiça arquivou, por unanimidade, os processos de investigação. Os documentos que o inocentavam tinham o carimbo CONFIDENCIAL. A difamação foi pública e apesar de nunca terem encontrado provas concretas de "enriquecimento ilícito" todos os bens confiscados nunca foram devolvidos.
Dentro da história política do Paraná, a partir da redemocratização, impossível apagar a presença de Moysés Lupion - vindo de origens humildes, self-made-man que administrou o Estado em dois importantes períodos - sucedendo a interventoria de 13 anos de Manoel Ribas (1932-1945) e após o governo de Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1955).
Independente de apreciações e intervenções definidas, inexistem estudos profundos sobre a sua presença na política e administração pública e vida política do Estado. Afora registros da imprensa, apenas um livro - "Lupion, a verdade" (Paratodos, 1986, 467 páginas), escrito pelo seu amigo e advogado Raul Vaz, conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Paraná, é o único trabalho mais organizado publicado até hoje a seu respeito - oferecendo evidentemente, uma visão de sua vida, sua ação política e dos processos que sofreu.
Muitos jornalistas de grande experiência política tentaram, nestes últimos anos, conseguir depoimentos mais profundos de Moysés Lupion, que sob as mais diversas razões sempre esquivou-se de entrevistas. Em junho de 1968, o jornalista Carlos Roberto Maranhão, 41 anos, então repórter da revista "Panorama" (Hoje editor da "Palyboy"), conseguiu entrevistá-lo e produzir uma belíssima matéria ("Este Você Já Conhece"), uma das poucas fontes de referência sobre Lupion nestas três últimas décadas.
Um dos mais experientes e veteranos jornalistas políticos do Paraná, Samuel Guimarães da Costa, 70 anos, que acompanha a vida política do Estado há meio século, fez também algumas abordagens sobre Lupion, dentro da série "O Paraná, sua política, seus homens", publicada na "Panorama" - quando editada por José Cury (e que promete reunir em livro). Afora isto, apenas recorrendo-se a depoimentos de contemporâneos, coleções de jornais e revistas ou documentos oficiais para tentar se ter uma idéia da dimensão de Lupion - o homem e o folclore, a realidade e a mentira.
Poucas vezes Lupion tem aparecido em público - dividindo seu tempo entre o Rio de Janeiro, onde tem residência por 6 meses ao ano, desde 1972, quando sofreu cirurgia cardíaca, e Curitiba, ao lado de sua esposa, Vilma Ramon de Almeida Doepfer Troya, dedicada e apaixonada em seus cuidados para com o último dos políticos de uma época do Paraná.
Aos 82 anos - completados em 25 de março último, excelente disposição, Lupion e Vilma retornaram há seis semanas de uma viagem de 45 dias a Roma, Cairo, Tel Aviv, Jerusalém, Atenas, Istambul, Londres, Paris e Berlim. Agora, se preparam para nova viagem - desta vez a Buenos Aires.
Na semana passada, devido a morte de um de seus irmãos, veio a Curitiba, "apesar do frio, que me faz ficar longe deste Estado que tanto amo".
Na quarta-feira, concedeu um longo depoimento (80 minutos) para um vídeo que a cineasta Berenice Mendes vai realizar sobre a sua pessoa - quando o entrevistamos, ao lado da colega Nani Góes, ex-TV Manchete (onde apresentava "QI na TV"), agora dedicando-se ao jornalismo eletrônico.
Na ocasião, Moysés Lupion falou também rapidamente a dois jornalistas de "O Estado de São Paulo" e Rede Globo/TV Paranaense, respondendo algumas perguntas. Mas ao longo do depoimento, base do documentário a seu respeito, estendeu-se por várias considerações, recordando desde os seus tempos de garoto pobre, que ajudava a mãe a vender pães d'água em Jaguariaíva, sua cidade natal aos anos duros em que enfrentou perseguições. Ao longo de todo o depoimento, falou sem mágoa, rancor ou mesmo tristeza em relação aos seus inimigos políticos - os quais há muito tempo já perdoou. Preferiu falar da educação que foi uma das preocupações de seu governo, de seus tempos de empresário, de sua religiosidade e da esperança que deposita nas novas gerações.
Um depoimento que, emocionante e sincero, é apenas uma ponta do iceberg do muito que este homem público, tão atacado e polemizado - mas ao mesmo tempo participante de nossa vida - tem a dar para o melhor entendimento de nosso Estado. Hoje, dedicamos um espaço especial e trechos de seu depoimento - mantendo suas palavras, apenas acrescentando algumas informações detalhadas (números e datas) que, no momento, não recordava. Uma pequena colaboração à memória política do Paraná - que necessita de depoimentos mais amplos de Moysés Lupion, uma figura à espera de estudos e interpretações - e, no mínimo, do respeito pela sua grandeza de homem que, acima de posições políticas e pessoais, hoje, octogenário, estende a mão aos ex-inimigos e lembra que o que importa é o mandamento "Amai-vos uns aos outros".
Almanaque - Fazendo uma viagem ao passado, num flash-back, quais as lembranças do menino pobre de Jaguariaíva.
Lupion - São muitas e ternas. Meu pai, João Lupion Y Troia, espanhol da aldeia de Prado Del Rey, na Andaluzia, na Espanha, chegou no Brasil em 1880, com 21 anos, desembarcando em Santos - e dali vindo para o Paraná. Foi morar na Lapa, onde com suas pequenas economias, começou a prosperar como comerciante. Casou com Carolina Wille, nasceram seus primeiros filhos - Maria de Jesus, João, José, Francisca. Mas em 1894 veio a Revolução Federalista e minha família perdeu tudo. Meu pai, que havia aprendido a profissão de padeiro, acabou em Jaguariaíva, onde nasci a 24 de março de 1908 - ali nascendo também meu irmão David e irmã Elza. Em 1918, com a gripe espanhola, nos mudamos para Piraí do Sul e cada um dos filhos começou a procurar seus próprios caminhos. Eu viria para Curitiba, estudar com o professor Raul Gomes, fazendo o ginásio Paranaense, mas antes passando pelo Pathenon, do professor Duílio Calderari.
Almanaque - E o início de sua vida profissional, como contador-diploma que obteve na escola de Raul Gomes?
Lupion - Em 1924, com 16 anos, fui para São Paulo, ali trabalhando inicialmente na firma Ribeiro & Sguário - e à noite estudava na Escola Alvares Penteado, onde me formei em economia. Passei depois a trabalhar na firma A. E. Carvalho que operava com serrarias e no setor de exportações. Ainda jovem, cheguei a gerente mas o crack de Wall Street em 1929 refletiu-se no Brasil e a firma acabou desativando suas madeireiras.
Almanaque - E o retorno ao Paraná?
Lupion - Embora houvesse condições de trabalhar ainda em São Paulo, em 8 de dezembro de 1930 retornava a Piraí do Sul, onde comecei meus próprios negócios. Conheci e casei com Hermínia, filha de Pedro Rolim de Moura e Joana Borba Gato, neta do certanista Telêmaco Borba Gato.
Almanaque - Uma imagem lírica, que sempre é lembrada para mostrar as suas origens humildes, é a do garoto vendendo doces e amendoim na estação ferroviária de Jaguariaíva.
Lupion - Eu ajudava o orçamento vendendo os pães d'água e doces que minha mãe preparava. Eram três pães d'água, deliciosos, por um vintém. Apesar de pobres, éramos uma família feliz. Posso dizer que minha infância foi boa.
Almanaque - As boas lembranças da infância o fariam, quando adulto, retornar aquela região?
Lupion - Sim. Voltei e em dez anos, graças a Deus, prosperei. Tive duas filhas - Leovegilda, que casou com João Bulcão de Mello e Joana D'Arc, que casaria com Ruy Gandara - e que faleceriam em 1963 e 1986, respectivamente. Tive também o filho, José Ubirajara. Hoje tenho dez netos e dez bisnetos, para minha grande alegria.
Almanaque - E o desenvolvimento do empresário, como se deu?
Lupion - Associado ao meu irmão, José, começamos a atuar na área da madeira, quando me transferi para Arapoti. Posteriormente tivemos outras empresas - mineração, siderúrgica e até uma de navegação. Assim surgiram, firmas como a Mineração de Carvão Norte do Paraná, Madeiras do Brasil, Industrial Madeireira Ltda., que organizei em Foz do Iguaçu, a Metalúrgica Cacique - sempre preocupado em diversificar as atividades. A madeira tinha um limite embora, na época, já executássemos programas de reflorestamento.
Minha vida pública e priva-
da foi dissecada de cabo a
rabo, como diz a Dercy
Gonçalves.
Almanaque - Em 1945, o engenheiro Benjamin Mourão, num detalhado relatório de 76 páginas feito para o Banco do Brasil, estudando todas as propriedades do grupo Lupion, o indicava como um dos homens mais ricos do Brasil. Era correto?
Lupion (sorrindo e modesto) - Não. Não chegava a ser um dos homens mais ricos do Brasil. Era, posso dizer, um empresário bem sucedido. Em 1942, decidi vir morar em Curitiba, já que a atuação de minhas empresas espalhavam-se por vários municípios e mesmo outros estados.
Almanaque - O que o levaria, em 1945, a se animar a entrar na política, quando, de menino pobre, havia prosperado e se tornado um homem rico?
Lupion - Ocorreu. Analisei com Hermínia e amigos de confiança os riscos e decidi aceitar. Empresarialmente, acabei tendo prejuízos - pois muitas empresas já não tiveram o mesmo desenvolvimento. Depois, com as perseguições políticas, a situação tornou-se bem mais dramática.
Almanaque - Estudando-se a sua biografia, nota-se que o Sr. esteve à frente em muitos projetos. Por exemplo, a exploração do xisto betuminoso?
Lupion - Durante a II Guerra Mundial, quando faltava combustível, instalamos uma pequena usina no município de Curiúva, já que tínhamos dificuldades para movimentar nossa frota de caminhões. Teodoro Dietriche, um técnico competente, foi importantíssimo para a viabilização deste projeto. Ali destilávamos o xisto que permitia que os caminhões se movimentassem.
Almanaque - A economia de guerra e o período pós-guerra - com a reconstrução da Europa, especialmente na Alemanha, Itália e Inglaterra, com a importação de madeiras, beneficiou muito a economia brasileira da época, especialmente a de seu grupo?
Lupion - Se, de um lado, havia possibilidade de bons negócios, também existiam problemas. Por exemplo, não havia gasolina, o que fazia os veículos parar e impedia o transporte de mercadorias. Como empresário, minha tática era a de tentar resolver os problemas de forma objetiva, equacionando cada dificuldade e buscando uma solução. Fórmula que, dentro do possível, tentei, depois, aplicar no governo - só que então as coisas eram mais difíceis, não dependiam apenas de um trabalho direcionado mas encontravam as resistências políticas, outros interesses.
Almanaque - Voltando agora a política, como foi o processo de sua escolha pelo PSD para candidatar-se ao governo do Estado em 1946?
Lupion - O meu nome constava, inicialmente, para substituir ao de Manoel Ribas, como interventor, no período em que sucedeu a deposição de Vargas. Entretanto, isto impediria que tivesse um mandato regular e o jornalista Mathias Júnior, fundador do PTB, então presidido por Maximino Zanon e tendo como primeiro-secreteário Abilon de Souza Naves, meus amigos, sugeriu que fosse nomeado como interventor no madato-tampão o professor Brasil Pinheiro Machado. O nome do general José Agostinho dos Santos chegou a ser insuflado para disputar o governo pelo PSD, mas acabou sendo excluído dentro de várias manobras que conduziam os meandros da política de então. Pinheiro Machado acabou deixando a interventoria, substituído pelo general Mário Gomes da Silva, que veio de Volta Redonda, numa escolha pessoal de Dutra. Mas nessa altura, a minha candidatura era irreversível e surgiu a coligação PTB-PSD-UDN-PRP de apoio à minha campanha. Em 7 de novembro de 1964, no Clube Concórdia, a convenção do PSD oficializava a indicação. Foi uma campanha rápida - menos de três meses - pois as eleições foram a 19 de janeiro de 1947. O desembargador Antonio Leopoldo dos Santos presidiu a primeira eleição direta que acontecia no Paraná após a longa ditadura de Vargas. O PSD elegeria 16 deputados - incluindo João Chede, com 3.205, o mais votado; a UDN com 7 deputados - entre os quais Brosnislau Roguski, Rivadavia Vargas - pai de Túlio Vargas, Laerte Munhoz e outros. O PTB elegeu Aldo Silva, Aldo Laval, Antonio Santos Filho, José Machuca, Júlio Rocha Xavier e José Daru. O partido Republicano fez quatro deputados estaduais, o de Representação Popular um - Atílio Barbosa e o Partido Comunista do Brasil, com 775 votos, elegia José Rodrigues Vieira Neto.
Almanaque - Como o Sr. encontrou o Paraná ao tomar posse em 1947?
Lupion - Era uma época de dificuldades. O Paraná ainda não tinha tomado o desenvolvimento que garantisse uma arrecadação de acordo com as suas necessidades. Para aumentar a população do Estado e, em conseqüência, melhorar a renda, iniciamos o projeto de ocupação do território, através do "parcelamento" de terras. Com isto a arrecadação começou a crescer. Quanto ao funcionalismo, procurei corrigir algumas punições injustas que haviam ocorrido durante o período discricionário, readmitindo pessoas que haviam sido punidas injustamente.
Almanaque - Em 1950, o Sr. não conseguiu fazer o seu sucessor, pois o candidato Ângelo Lopes perdeu para Bento Munhoz da Rocha Neto. O que levou a vitória do oponente, que já o havia enfrentado em 1947?
Lupion - O Munhoz da Rocha já tinha uma boa base eleitoral. Tinha tradição - seu pai havia sido governador. Foi um bom deputado federal - brilhante constituinte. Tinha grande capacidade intelectual. Tudo isto o levou a merecer a sua vitória.
Durante 15 anos eu fui co-
mo toco de árvore em beira
de estrada: cada um que
passava, dava uma macha-
dada.
Almanaque - E a escolha de Ângelo Lopes (1902-1964) como candidato do PSD deveu-se a que razão, ao menos de sua parte?
Lupion - Ângelo Lopes havia sido prefeito de Curitiba, nomeado em 12/3/47, depois secretário da Fazenda e diretor da RVPSC. Era um grande técnico, um homem prático e que poderia continuar a minha administração.
Almanaque - Em 1955, o Sr. voltaria ao governo do Estado, com quase 190 mil votos - contra 131.152 de Mário de Barros, pelo PTB; 66.207 ao udenista Othon Maeder; 46.082 a Luiz Carlos Tourinho e 417 a Carlos Amorety Osório. Tomou posse em 31 de janeiro de 1956. Quais foram as grandes obras deste segundo governo?
Lupion - Havia grandes problemas: falta de energia, estradas, muitas dívidas. Começamos a equacionar a questão de energia elétrica, criando a Copel, que iniciou a construção das primeiras usinas. Mas havia poucos recursos, o que não impediu que iniciássemos as ligações rodoviárias Curitiba-Paranaguá/Curitiba-Ponta Grossa, que seriam auto-estradas, já com pistas duplas se tivéssemos conseguido recursos necessários. Para o Norte, consegui inaugurar um trecho próximo a Apucarana mas não houve tempo de, em minha administração, concluí-lo. Tentei até obter recursos no Exterior.
Almanaque - E suas relações com os deputados na época?
Lupion - Havia muita hostilidade. Para aprovação de um projeto de interesse ao Estado sofria toda sorte de exigências, obrigado a fazer composições. Entre os deputados que, com dignidade, me apoiaram, destaco o saudoso Accioly Filho. Lustosa de Oliveria foi outro. Em relação aos adversários, prefiro o esquecimento. Não gosto de agredir ninguém.
Almanaque - Na ocupação do Interior, neste processo que o Sr. estimulou em seus governos, explodiram questões de terras - que, em muitos casos, arrastaram-se até hoje. O que o Sr. poderia explicar em torno desta questão tão vulnerável em suas gestões?
Lupion - Houve, infelizmente, inúmeros casos de pessoas que recebiam os lotes para colonizar e faziam especulações, revendendo-os em seguida para pessoas vindas de outros estados - Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, provocando com isto problemas de difícil solução. No Oeste e Sudoeste, onde os conflitos de terra foram mais agudos, as causas eram políticas. Havia o problema principal entre o governo federal e uma empresa da região de Clevelândia - que atingiria pontos que quase tornaram necessário a intervenção de tropas federais. Em Porecatu, entretanto, eu fui pessoalmente procurar uma solução pacífica para a questão.
Eu sou católico. Sou cris-
tão. Participei de Cursilhos.
Tenho certidões negativas
de todas as acusações que
me foram feitas. Por que,
portanto, alimentar ódios?
Almanaque - O Sr. poderia explicar melhor a questão das terras na região Oeste, que explodiram na revolta dos posseiros em 1957, com repercussão internacional - fazendo até que a "Life" publicasse reportagens a respeito?
Lupion - Havia uma luta muito grande entre uma empresa que havia comprado uma grande área mas que já estava ocupada por vários condôminos, que, naturalmente, procuravam também defender seus direitos - mas o Estado não podia legalizar a área que já não lhe pertencia - mas sim do governo federal, administrava as empresas incorporadas ao patrimônio da União.
Almanaque - E quanto as acusações de violência, torturas, assassinatos na região?
Lupion - É muito difícil fazer acusações, nominar pessoas. A não ser os que estavam no local, que examinaram as contingências, podem chegar a conclusões definitivas.
Almanaque - Haveria muitas formas de definir os principais pontos de seu primeiro governo, Sr. Lupion. Mas um deles, foi a chamada conquista do território paranaense, com o estímulo ao estabelecimento de novos municípios, dentro daquela filosofia existente também nos Estados Unidos no século passado - "Vá para o Oeste, jovem, e cresça com ele". Gostaríamos que o Sr. nos falasse a este respeito - até hoje pouco abordado em interpretações sobre suas administrações.
Lupion - De princípio é bom recordar que na época - 1947 - o Paraná tinha ao redor de um milhão de habitantes, menos do que a população hoje de Curitiba. Havia pouco mais de 50 municípios e entendi que havia necessidade de colonização - já que existia terra virgem e da melhor qualidade. Então, foi iniciada a ocupação nas regiões que depois cresceriam - Paranavaí, Campo Mourão, Cascavel - e em conseqüência começaram a surgir novos municípios. Chegavam milhares de pessoas vindas de todas as partes - especialmente do Rio Grande do Sul. Os distritos cresciam e se transformavam em municípios. Quando encerramos o primeiro governo já havia duplicado o número de municípios.
Almanaque - Esta filosofia de interiorização e ocupação territorial foi uma opção pessoal, administrativa?
Lupion - Sim. Como me havia formado em economia pela Fundação Álvares Penteado, em São Paulo, entendi que esta expansão do Estado para regiões novas era tão importante quanto a educação - que sempre foi a minha maior preocupação desde que assumi o governo em 1947.
Almanaque - Como o Sr. estabeleceu as metas de seu primeiro governo, há 43 anos passados?
Lupion - Paralelamente a atenção a agricultura, a educação me preocupava: escolas de ensino básico e um ginásio em cada município que surgia - já como forma de tentar fixar famílias no meio rural. Minha meta era dar ao homem condição de fazer com que ocorresse o inverso e chegamos ao êxodo, aos bóias-frias, a favelas urbanas nas cidades, cada vez com maiores problemas.
Almanaque - Outra preocupação sua foi o sistema de transportes...
Lupion - Sim, pois até então o Norte e o Sul eram ilhados - o Oeste inexistia praticamente no mapa. A Estrada do Cerne surgiu como uma necessidade imperiosa para o transporte rodoviário e para a ferrovia idealizei a Central do Paraná, já que ligaria Ponta Grossa a Apucarana. Até então a ligação Norte com Ponta Grossa era feita por Jacarezinho - formando um arco. Embora a Central do Paraná tivesse sido apenas iniciada em meu governo - e concluída anos depois - foi definida nos primeiros tempos de minha administração.
Almanaque - O Sr. se referiu também à educação, como preocupação básica de seu primeiro governo...
Lupion - Há 43 anos - como hoje - o que o Brasil precisa(va) era educação, ciência e tecnologia, para acompanhar o desenvolvimento mundial. Há meio século não se falava ainda em Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo, mas entendia que, dentro do que era possível fazer, tinha que se estabelecer um básico sistema de ensino. Tive a felicidade de contar na Secretaria de Educação - que anteriormente se chamava Diretoria de Instrução Pública - com a colaboração de um dos maiores educadores do país, o professor Erasmo Pilotto. Tive a alegria de instalar faculdades de Direito em Londrina e Ponta Grossa e várias de Filosofia, Ciências, Letras - mais de uma dezena.
Almanaque - O Sr. que conheceu o Paraná tão bem de 50 anos passados - e o viu se transformar tão rapidamente, como explicaria este boom desenvolvimentista em poucas décadas.
Lupion - O Paraná tem condições geográficas excelentes, uma terra privilegiada das melhores do mundo, situa-se num solo de alta importância estratégica na produção. Na época em que assumi o governo a economia vinha do binômio madeira-erva-mate, explodindo porém com a cultura do café. Depois viria a soja.
Almanaque - O interventor Manoel Ribas voltou-se basicamente à agricultura e à pecuária - economias que conduziram o Paraná na época. Qual era o seu relacionamento com o interventor antes do Sr. entrar na política, quando era apenas um jovem empresário de sucesso?
Lupion - Ribas convidou-me para integrar a Câmara de Expansão e Comércio do Paraná. Aliás, o "seo" Ribas fazia questão de começar as reuniões às 7h da manhã, era um homem madrugador. Ele estava ao par de tudo, discutia, cobrava... Depois convidou-me para dirigir o recém-criado Instituto do Pinho, já que eu tinha experiência no ramo da madeira. Foi ele também que, quando se criou o Partido Social Democrático convidou-me para entrar no partido - avalizando a minha inscrição. Partido em que estive durante toda a minha vida pública.
Almanaque - E como o Sr. vê hoje a multiplicidade de partidos, troca de siglas pelos políticos, o fisiologismo?
Lupion - É surpreendente como os políticos hoje mudam de cor, de partido, por interesses momentâneos. Eu sou do tempo da real identificação partidária, da fidelidade política.
Almanaque - Depois de ter sido eleito para o governo do Paraná em 19 de janeiro de 1947, com 91.059 votos - contra 45.941 dados a Bento Munhoz da Rocha Neto, o Sr. seria eleito senador em 1954 e voltaria ao governo no ano seguinte. Como se processou esta sua segunda campanha?
Lupion - Foi uma convocação pessoal do Juscelino Kubitschek de Oliveira, que disputava a Presidência da República. Ele foi objetivo e não me deixou alternativa: "preciso de você novamente no governo do Paraná". Disciplinado, atendi o pedido do meu correligionário mineiro.
Almanaque - Quando o Sr. disputou o Senado obteve 162.814 votos, fazendo o PSD também o seu correligionário Alô Guimarães senador, com 135.204 votos - enquanto o Paraílo Borba (122.651) votos e Rocha Loures (44.342) eram derrotados. Para o Sr. disputar o governo houve um estratagema para o PSD não perder as duas cadeiras, que mostrou o raposismo do Partido. Como foi?
Lupion - Eu renunciei e o Alô Guimarães assumiu, como suplente, a minha cadeira - o que permitiu que o seu suplente, Gaspar Velloso, fosse para o Senado. Claro que, na época, isto irritou os outros partidos e provocou muitas discussões. Mas conservamos as vagas no Senado.
Almanaque - Quando o Sr. deixou o governo, em 1960, sofreu processos e perseguições. Passados trinta anos, como vê estes anos difíceis?
Lupion - Foram anos de dificuldades e amarguras. Felizmente, após longos processos conseguimos no Judiciário - especialmente no Supremo Tribunal Federal, e por unanimidade, que por falta de justa causa, os processos fossem arquivados. Em conseqüência, se as causas não eram justas e se eram injustas não eram verdadeiras; e assim as acusações eram mentirosas.
Hoje o Congresso está meio
desmoralizado. Por exem-
plo, deixou de reclamar 58
artigos da Constituição.
Almanaque - Mas até chegar a esta absolvição por falta de provas, o Sr. sofreu uma devassa total em sua vida privada e pública. Poderia nos contar a respeito?
Lupion - A Comissão Geral de Investigações procurou, inutilmente, tudo que pudesse me comprometer. Fui intimado a prestar longos depoimentos no quartel do antigo 9º RAM, devassando a minha vida, como diz a Dercy Gonçalves, de cabo a rabo... Eu fiquei por 15 anos como toco à beira do caminho de roça: cada um que passava dava uma machadada.
Sempre tive bom eleitorado.
Numa eleição, em Cascavel,
creio, levei todos os votos.
O meu oponente ficou com
zero voto.
Almanaque - Em algum momento o Sr. responsabilizou alguma pessoa que merecia sua confiança de o ter traído, de ter dado razão para tantas perseguições?
Lupion - Em absoluto. Foram todos meus amigos. Ao contrário, as autoridades militares, ao longo dos exaustivos interrogatórios no 9º RAM procuravam ligar-me a outras pessoas, para eu compromotê-las e vice-versa - especialmente o deputado Aníbal Cury, que também seria cassado pela revolução. Mas eu nunca permiti qualquer aproximação que prejudicasse as pessoas que, realmente, nada tinham a ver com injustas acusações.
Almanaque - Mas de onde vinham as perseguições? Quem o perseguia.
Lupion - Há muito deixei de mencionar nomes. Todo mundo sabe quem foi.
Almanaque - E o Sr. guardou mágoas?
Lupion - Eu sou católico. Sou cristão. Participei de vários Cursilhos da Cristandade. Aprendi a perdoar a todos. As coisas foram resolvidas. A justiça se fez: tenho certidões negativas de todas as acusações. Por que, portanto, alimentar ódios, tristezas?
Almanaque - O senhor sempre teve boas votações: quase 100 mil votos em 1947; 162.814 para o Senado em 1954; 185.108 para o Governo em 1965 e 217. 627 para o Senado em 1962, quando perdeu as eleições para Adolfo de Oliveira Franco e Amaury Silva devido a sofrer perseguições políticas. Conta-se histórias curiosas sobre a fidelidade de seus eleitores...
Lupion - Graças a Deus eu sempre tive uma confiança de meus eleitores. Minha base política espalhava-se por várias regiões, especialmente no Norte Velho - além dos municípios do Oeste e Sudoeste, criados em meu primeiro governo. Houve até um município - creio que Cascavel - que numa das eleições eu tive todos os votos. Meu adversário ficou com zero voto.
Almanaque - Em relação a eleição para o governo do Paraná, agora, o que o Sr. diria?
Lupion - Eu conheço os três candidatos. Embora tenha encerrado minha carreira política, ao disputar, simultaneamente, as eleições ao Senado, deputado federal e estadual, em 1982, posteriormente me filiei ao antigo MDB - quando conheci Richa - e, mais tarde Roberto Requião. Conheci muito o pai do candidato Martinez.
Almanaque - E para qual recomendaria o seu voto?
Lupion - Não optei por nenhum ainda. E espero que o povo escolha de acordo com sua consciência, com a proteção divina, sob a inspiração de Cristo, o melhor.
Almanaque - Walfrido Pilotto, escritor, homem que ocupou vários cargos na área da segurança e seu amigo, escreveu há muitos anos que o Sr. tinha os maus hábitos de levantar cedo, não suportar os que batem papo pelos cafés e trabalhar como um moto contínuo...
Lupion - Realmente, eu sempre tive o hábito de trabalhar o tempo que fosse necessário. Na iniciativa privada ou no governo. O relógio nunca limitou o que deveria ser feito. Um governador - aliás, não só governador, mas qualquer homem público - tem que resolver os problemas, ser ativo, não postergar soluções - por mais difíceis que sejam - e que não podem sofrer com a burocracia.
Almanaque - Falando do aspecto do Lupion cristão, do cursilhista, quando foi esta identificação maior a Igreja?
Lupion - Minha família sempre foi católica. Depois, em cursilhos, participei de vários encontros, nos quais fiz palestra, coordenei grupos de estudos, integrando-me a temas que os cursilhos procuravam difundir.
Almanaque - Foi esta sua identificação cursilhista que o levaria a ser tão generoso, perdoando tantas pessoas que o teriam prejudicado em sua vida?
Lupion - Se a pessoa é realmente católica - ou melhor - cristã, o perdão é fundamental. Antes de tudo devemos seguir o exemplo deixado por Cristo e respeitado os mandamentos de Deus - que dizia "amai-vos uns aos outros". Mais do que nunca, hoje precisamos de compreensão e entendimento humano.
Almanaque - Qual foi o momento mais alegre - e o mais difícil - de sua vida?
Lupion - O momento mais feliz foi quando, em 1947, com o apoio do povo paranaense, fui eleito governador do Paraná. Já o momento mais triste repetiu-se - na morte de minha mulher, Hermínia e de minhas filhas Gil e Joana D 'Arc.
Almanaque - Como o Sr. se autodefiniria? Quem é, realmente, Moysés Lupion.
Lupion - Sou um homem que realmente participei da vida empresarial raciocinando que o Estado precisava substituir a monocultura, a madeira, erva-mate, café, para atingir outras etapas de economia e desenvolvimento. Uma preocupação que levei para o governo e que vejo hoje necessária ainda - através da participação das novas gerações dos homens que têm responsabilidades neste país. Diria também que sou um homem comum, igual aos demais e que conseguiu, com a proteção de Deus, galgar posições e chegar, por duas vezes, eleito pelo povo, ao governo do Estado.
Almanaque - Moysés Lupion é um homem feliz?
Lupion - É muito feliz. Se tive sofrimentos - perseguições, perda de patrimônio, morte de esposa e filhas - tive a felicidade de encontrar uma segunda grande companheira - minha prima em segundo grau, Wilma Maria Ramon de Almeida Diepfer, com quem casei em 1969 - e que, nestes 21 anos tem sido o meu anjo de guarda e musa inspiradora - e que me dá forças para continuar a viver todos os dias que eu tenha direito.
Almanaque - Na contabilidade da vida, aos 82 anos, olhando a sua vida, o que ganhou e o que perdeu na vida política, acha que valeu a pena?
Lupion - Tenho a consciência tranqüila do dever cumprido. Fui absolvido das acusações - tantas - que me fizeram. Dei minha contribuição ao Paraná que tanto amo. Se perdi muito, também ganhei como ser humano. Se tivesse 40 anos, voltaria a fazer tudo de novo - lógico que com mais experiência.
LEGENDA FOTO 1 - Lupion: "Faria tudo de novo se tivesse 40 anos".
LEGENDA FOTO 2 - Na foto de 1942, cavalgando numa fazenda. (Foto arquivo família/reprodução de Joel Cerizzo).
LEGENDA FOTO 3 - Antecipando em 40 anos ao estilo Collor, Lupion, governador em 1948, dirige um trator numa de suas visitas a Ponta Grossa. (Foto arquivo familiar/reprodução de Joel Cerizzo).
LEGENDA FOTO 4 - Berenice Mendes (à esquerda) e Nani Góes: documentário em vídeo sobre Lupion e sua época. (Foto Joel Cerizzo).
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