As últimas horas de um presidente
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de maio de 1989
Escrever uma memória ainda não está nos planos do general Airton Tourinho. Entretanto, tem muito a contar - pois tendo permanecido por mais de 47 anos no Exército - desde seu ingresso no Colégio Militar, em Realengo, Rio de Janeiro - até sua reforma, em 1978 - após 12 anos de generalato - acompanhou importantes episódios da vida política e militar no Brasil. Uma espécie de trailler de suas memórias, foi dado num longo depoimento espontâneo, sincero e extremamente simpático para o projeto Memória Histórica do Paraná, que o Bamerindus vem patrocinando para guardar em sons e imagens a participação de paranaenses em nossa vida pública, cultural e política.
De uma família de militares - filho do general Francisco Antônio Monteiro Tourinho, que comandou a 5ª Região Militar após a revolução de 1930 e foi deputado federal em duas legislaturas, sobrinho do interventor Plínio Tourinho - com dois irmãos também generais da reserva - Plínio Francisco e Luís Carlos, naturalmente que a vida do general Airton Pereira Tourinho está integrada na vida militar. Único dos irmãos a chegar ao generalato na ativa, General do Exército, hoje, na tranqüilidade de sua aposentadoria, dedicando-se a leitura e ao seu hobbie favorito - o jogo de xadrez (campeão em inúmeras competições), pode rever o passado e trazer informações sobre fatos importantes. Muitos documentos pessoais de seu arquivo já foram confiados ao irmão Luís Carlos, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, enquanto outros registros que passaram por suas mãos, lamenta não ter feito cópias, pelo que significariam para historiadores. Guarda, entretanto, com carinho, uma série de fotos feitas na manhã de 25 de agosto de 1961, Dia do Soldado, quando o então presidente Jânio da Silva Quadros, passou em revista as tropas em Brasília, poucas horas antes de oficializar a sua renúncia - que acompanhou de perto, pois, como coronel, integrava o gabinete do chefe-de-gabinete do Ministro Guerra, Marechal Odilo Denis.
No depoimento gravado na sexta-feira, entrevistado pelos jornalistas João de Deus Freitas Neto, Luiz Geraldo Mazza e Hélio Fileno Puglielli, o general Tourinho confirmou, mais uma vez, uma tese que muitos historiadores da história contemporânea tem buscado maiores dados: quantas pessoas sabiam de sua decisão, até o momento em que o Jânio reuniu os ministros militares - Denis, da Guerra, brigadeiro Gabriel Grun Moss, da Aeronáutica e Almirante Silvio Heck, da Marinha - para lhes fazer a entrega das duas cartas, que oficializavam sua disposição de renúncia. Pouco antes da reunião no Palácio da Alvorada, quando ainda acontecia a solenidade do Dia do Soldado, o chefe do gabinete militar, general Pedro Geraldo de Almeida, ao avisar os ministros-militares da reunião de emergência, "para um assunto da maior gravidade", foi indagado se tratava-se da intervenção do Estado da Guanabara, cujo governador, Carlos Lacerda, na noite anterior, havia denunciado um plano golpista de Jânio. Pedro Geraldo - que, possivelmente era uma das pouquíssimas pessoas que conhecia a disposição de Jânio em renunciar, disse: "Não. É mais grave ainda do que uma intervenção na Guanabara".
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Os próprios oficiais superiores do gabinete militar e do Ministério da Guerra - não souberam, até a hora em que o presidente se deslocou, de avião, para Cumbica, em São Paulo, do que estava acontecendo. O coronel Tourinho havia sido informado pelo general Orlando Geisel, chefe-do-gabinete militar, mas com a recomendação expressa de que não comentasse o assunto até o desenrolar dos fatos. Daqueles momentos tensos, nos atos em que foram feitas fotografias, o general Tourinho guardou algumas cópias, que mostram as fisionomias preocupadas dos oficiais participantes dos episódios.
O momento em que Jânio quis invadir a Guiana
Quando o então trêfego deputado federal Pedro Lauro apresentou um projeto-de-lei para a anexação das Guianas ao Brasil, o assunto foi levado na brincadeira - apesar das implicações diplomáticas de sua atitude. Entretanto, pouca gente sabe, ao certo, que em 1961, não foi um deputado pitoresco como Pedro Lauro, mas sim o próprio (e também pitoresco) presidente da República, Jânio da Silva Quadros, que se preocupou em intervir ao menos numa das Guianas - a inglesa.
Sua atitude nunca chegou a se oficializar, mas ao menos resultou num documento: um de seus famosos "bilhetinhos", entregues ao então ministro da Guerra, Odilo Denis, e no qual recomendava que fossem estudadas "fórmulas estratégicas" para uma presença militar do Brasil naquela área, então possessão inglesa. O "bilhete" foi passado ao general Orlando Geisel, chefe-de-gabinete do ministro da Guerra que, por sua vez, o encaminhou ao então coronel Airton Tourinho, que ocupava a chefia do gabinete em Brasília - já que o Ministério não havia se transferido totalmente ainda do Rio.
Ao relatar este fato - numa longa gravação para o projeto Memória Histórica do Paraná, o general Tourinho disse que lamenta não ter guardado uma cópia do documento, "sem dúvida um registro da maior importância", acrescentou. O assunto foi discutido pelo coronel Airton Tourinho com alguns outros oficiais - inclusive o general Ernesto Geisel, então comandante militar do Planalto, e entre as providências que seriam necessárias para uma eventual presença militar na Guiana, estava a de transformar uma modesta unidade militar em Boa Vista, num forte destacamento motorizado e - o mais difícil - construir uma rodovia entre Caracas-Boa Vista (com extensão aproximada de 200 quilômetros), dando acesso rodoviário na região.
Poucas semana depois, entretanto, vinha a renúncia do presidente Jânio Quadros, e, obviamente, o assunto não foi mais tratado. Eventualmente, algumas referências indiretas foram feitas a respeito, mas está entre os muitos aspectos a serem ainda estudados em relação ao pensamento geo-político de Jânio Quadros, quando presidente (cargo para o qual se fala agora em seu retorno, como candidato pelo PSD).
Uma das argumentações que o então presidente Jânio Quadros fazia ao se preocupar com a necessidade do Brasil (e a Venezuela) intervirem na Guiana Inglesa, era a de que historicamente se tinha o fato de uma parte do território ter sido "retirada" do Brasil. Mas o mais grave, em seu entender, na época, era o esquerdismo de Chedid Jagan, líder do Partido Progressista do Povo, que em 1953 já havia assumido o governo com um conselho legislativo que permaneceu no poder até julho de 1957 - conseguindo vitórias novamente em 1957 e 1961.
Em 1960, uma conferência constitucional estabeleceu o ingresso da Guiana Inglesa na "Commonwealth of Nations". Posteriormente, nas eleições de 1964, Chedid Jagan voltou a triunfar nas eleições para o cargo de primeiro-ministro e, em maio de 1966, a Guiana Inglesa obteve a independência adotando oficialmente o nome de Guiana.
A presidência por que não?
Quando seu nome surgiu como um dos poucos generais da ativa que teria condições de disputar a Presidência da República, enfrentando o general João Batista Figueiredo - então já lançado à sucessão do presidente Geisel - o general Airton Tourinho pediu ao articulador de sua possível candidatura, general Hugo Abreu, o prazo de dez dias "para sentir quais as possibilidades que poderiam existir" - conforme recordou, sexta-feira passada, no depoimento prestado do projeto Memória Histórica do Paraná.
Além de seu prestígio no meio militar - e posições de independência em relação a outros grupos - o general Tourinho, que então integrava o Alto Comando do Exército, em Brasília, na sua condição de diretor do Departamento de Pessoal, analisou apoios que encontraria em alguns Estados.
- "Entre os governadores, existiam ao menos dois, como ex-militares, em sua juventude, que haviam sido meus alunos: Virgílio Távora, do Ceará, e Luís Cavalcanti, de Alagoas".
Havia possibilidades de sua candidatura crescer e, encontrando apoiamento nos meios políticos, derrotar ao general João Figueiredo.
Entretanto, outro general, este já na reserva, Euler Bento Monteiro, foi lançado pelos grupos que eram contrários à escolha de Figueiredo, "de forma que eu preferi deixar que a disputa se fizesse entre os dois oficiais-generais já na reserva", lembra o general Tourinho, mas que não esconde que, num certo momento, sentiu que teria condições de chegar à Presidência.
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Otimista apesar do grave momento que o Brasil atravessa, o general Tourinho é sintomático em sua análise da Revolução: para ele, a Revolução demorou mais tempo do que o necessário e após o governo de Castelo Branco - que merece a sua maior admiração - já deveria ter sido interrompido o ciclo militar. "Ou então, no máximo, no governo de Geisel", acrescenta.
Sobre uma interrupção do regime democrático, com uma volta dos militares, diz uma frase bem humorada - mas que não deixa de ter sua profundidade:
- "Os militares já fizeram o seu papel. E hoje estamos apenas observando".
Referindo-se ao período revolucionário, sintetiza numa frase o seu pensamento:
- "Ele estendeu-se por um período longo demais".
LEGENDA FOTO 1 - General Airton
LEGENDA FOTO 2 - Jânio
LEGENDA FOTO 3 - Geisel
LEGENDA FOTO 4 - Haroldo Peres
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