Key, nosso jurado no salão dos cartoons em Montreal
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de outubro de 1988
Integrar o júri do mais conceituado salão mundial de caricaturas e conviver por alguns dias com o maior nome dos quadrinhos - Will Eisner, é um sonho que qualquer quadrinhólogo teria para contar aos seus netos. Pois com a modéstia oriental que o caracteriza, o arquiteto Key Imaguire Júnior, 42 anos, curitibano, um dos idealizadores e implantadores da Gibiteca, acaba de viver este sonho.
Faz uma semana que Key retornou do Canadá, onde foi um dos cinco integrantes do júri do 25º Montreal International Salon of Cartoons, que este ano teve nada menos que 1.300 concorrentes. O presidente do júri foi Will Eisner, 72 anos, o criador do "Spirit" e, com toda a justiça, considerado uma lenda na história dos "comics" pela inovações que trouxe para esta forma de comunicação. "Hoje, definitivamente, o próprio Eisner faz questão de deixar claro que quadrinhos não é coisa para criança - apenas atinge "também" crianças", comenta Key, após três dias de convivência em tempo integral com Eisner.
Do júri fizeram parte também dois canadenses - Guy Metras e Roland Pier e mais um americano - Joso Szabo. O grande prêmio - US$ 5 mil - foi atribuído a Hélio Flores, do México, com um cartoon que contém uma mensagem sobre o apocalipse nuclear. Explica Key:
- "Durante dois dias, selecionamos os trabalhos inscritos. Depois, dos melhores trabalhos, procuramos os 15 premiados nas três categorias em que se divide o salão. Para o grande prêmio - por unanimidade, buscamos um trabalho que unisse a arte, a atualidade e uma mensagem mundial: em preto e branco, com uma comunicabilidade a primeira vista, o trabalho de Hélio Flores foi o vencedor. Não é um cartoon para rir. É para fazer pensar".
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São três as categorias em que o júri do Montreal Internacional Salon of Cartoons distribui premiações - cinco em cada uma. Na área do "Editorial Cartoon", os premiados foram Higgins (EUA), Finn Graff (Noruega), Tomisl Greein (Iugoslávia), M. Zlatkovsky (URSS) e Arturo Kemchs D'Avila (México).
Na categoria humor ("Gag Cartoon"), os premiados foram, pela ordem, para Jan Van Der Aa (Bélgica), Borislau Georgiev (Bulgária), Pavel Matuska (Checoslováquia), Franco Origone (Itália) e Pyotr M. Klunich (URSS). Finalmente, na categoria de "Comic Strip" (tiras de quadrinhos, publicadas em jornais e revistas), os premiados foram Guilermo Moreno (Chile), Lo Linkert (Canadá), Harry Hangreaves (EUA), Bob Darroche (Nova Zelândia) e Luc Descheemaker (Bélgica).
Do Brasil, neste ano, não houve nenhum candidato sequer pré-selecionado para o exame final. "Em anos anteriores, a presença brasileira foi mais destacada", comenta Key, que em sua biblioteca especializada - possivelmente uma das três maiores no país - orgulha-se de possuir os catálogos das 24 edições do Salão de Montreal.
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Quadrinhólogo desde a infância e reconhecendo que foi do encontro com seu colega Domingos Bongstabs, no curso de arquitetura, que nasceu a disciplina e interesse de aprofundar os estudos na comunicação ilustrada (ele e Domingos interessam-se por todas as variantes desta área), Key foi formando um patrimônio incrível em termos de quadrinhos. Importando livros e revistas, correspondendo-se com especialistas, se tornou numa das maiores autoridades no assunto e quando o arquiteto Jaime Lerner, outro quadrinhólogo entusiasta (embora não fanático) idealizou, há mais de 15 anos, uma Gibiteca, o projeto só poderia ser desenvolvido por Key e Bongstabs. Projetado para a primeira administração - como uma obra fabulosa, com formas de heróis e personagens consagrados, adequou-se a realidade brasileira: duas salas da galeria Schafer, na Rua XV de Novembro, quando aquele prédio foi reconstruído após o incêndio.
- "O projeto original, embora fantástico, só poderia ser executado num país riquíssimo - como a França ou Estados Unidos. E, ao que se saiba, nestes países não existe nenhuma Gibiteca", dia Key, que do próprio Will Eisner recebeu a confirmação: desconhece qualquer instituição, especializada, aos moldes da Gibiteca de Curitiba, nos EUA. Robert la Palmer, fundador e diretor do Salão de Montreal, também desconhece a existência de qualquer biblioteca especializada no continente americano.
Justamente por reconhecer o ineditismo da Gibiteca de Curitiba - uma das muitas obras culturais deixadas pela administração Jaime Lerner - e da qual tomou conhecimento através de relato de Edson Cortiano, chargista curitibano que, há dez anos esteve em Montreal, foi que La Palme veio ao Brasil e, em Curitiba, se tornou amigo de Key Imaguire. Impressionado pelo conhecimento do arquiteto curitibano em torno de "comics, "charges", "cartoons", etc., fez questão de convidá-lo para neste ano, viajar ao Canadá e integrar o júri internacional.
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Realizado desde 1963 - e considerado mais importante do que os salões de Bordiguera (Itália), Alemanha e Japão, o Salão de Montreal reúne trabalhos de cartunistas de todo o mundo. No Brasil, a mostra mais importante é a de Piracicaba, criada por Zélio (irmão de Ziraldo) e que, graças a sua continuidade, já tem prestígio internacional. Em Curitiba, a única tentativa - com uma tímida parte de quadrinismo - foi a Feira Nacional do Humor, também executada na administração Jaime Lerner, como tantos outros eventos culturais, ficou na primeira e única edição.
A Gibiteca, atualmente dirigida por uma moça esforçada, Marília Squiba, apesar de limitada em seu acervo - e sempre vista com má vontade pela atual administração cultural (como, aliás, todos os setores criados por Jaime Lerner) tem, entretanto, uma seqüência esplêndida.
Arquiteto da turma de 1972, professor de Arquitetura Brasileira há 15 anos na Universidade Federal do Paraná, especialista em arquitetura de restauro (foi sócio, por algum tempo, de Cyro Corrêa de Oliveira), Key tem três livros publicados - "Apesar de Você" (1974, cartoons), "Contos Cansados" (1978) e o interessantíssimo "Cinco Estudos de Cultura Popular", com trabalhos de pesquisa sobre inscrições em cédulas de dinheiro, gibi artesanal, volantes de cartomantes e grafismo. Quando dirigiu a Casa Romário Martins (1976/77), Key ali deu grande ênfase a pesquisa sobre os quadrinhos no Paraná, editando inclusive a revista "Casa de Tolerância" - infelizmente interrompida quando de sua saída. Atualmente, Key prepara uma exposição sobre temas inéditos: fotos-charges, para a qual está à procura de um patrocinador - e com condições de ser levada internacionalmente.
LEGENDA FOTO - Key: jurado de cartoons no Canadá.
LEGENDA ILUSTRAÇÃO - Com esta charge numa advertência para os riscos da corrida armamentista, o mexicano Hélio Flores ganhou o grande prêmio (US$ 5 mil) no 25º Salão Internacional de Cartoons, em Montreal. No júri, o curitibano Key Imaguire.
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