Madonna, quem é essa garota?
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de março de 1988
A pergunta é óbvia demais. É claro que o público sabe quem é Madonna Louise Veronica Ciccone, 29 anos, que em menos de cinco anos se tornou uma superstar, com índices dignos de a incluírem no Guinnes Book of Records: mais de 6 milhões de discos vendidos, cachês de até US$ 5 milhões e lotando estádios em Paris ou no Japão. Madonna colecionou multidões também em Londres; em Amsterdã, em Nice, em Turim, em Florença em sua tournée-87, pois, filha de um italiano, funcionário da Chrysler, em Detroit, ela procurou reencontra-se com suas raízes, alongando sua temporada na Itália.
Há dois anos, seu segundo filme, "Procura-se Susan Desesperadamente" (Desperatly Seeking Susan), de Susan Seidelman, dividindo o estrelato com Rosanna Arquette (e no qual fazia uma personagem muito própria dela), passava quase despercebido. Seu filme seguinte, "Shangai Surprise", dirigido por James Goddard (nem um parentesco com Jean Luc) e produzido pelo beatle George Harrison, foi um fracasso tão grande que nem chegou ao Brasil. Ao lado de seu ex-atual marido (separou-se e reconciliou-se nos últimos meses), o neurótico Sean Penn (preso já por 3 vezes devido a agredir fotógrafos que ousam olhar para sua esposa), "Shangai Surprise" decepcionou mesmo seus maiores fãs. Em compensação, "Quem é Essa Garota?" (Who's That Girl), estreado no final do ano passado nos EUA teve um público imenso - o que animou a Warner a apressar o seu lançamento no Brasil (em cartaz no cine Bristol).
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Há seis anos, Madonna era uma ilustre desconhecida. Pode-se dizer que sua carreira não foi na estrada mas entre alvos lençóis - especialmente de disc-jockeys influentes, com quem soube se relacionar para fazer com que suas gravações, a partir de 1982, escalassem as paradas de sucesso. Antes disto, aos 17 anos, já tinha trocado a cinzenta Detroit por Nova Iorque, onde chegou com energia e US$ 35 na bolsa. Vida boêmia, presença constante nas discotecas punks e new-wave, cursos de dança pagos com trabalhos de garçonete ou posando nua para fotos - que obviamente apareceriam nas maiores revistas do mundo depois de sua fama. Chegou a integrar por um semestre o grupo de Alvin Ailey e depois, como outros 10 mil bailarinos desempregados de Nova Iorque, fez um teste atrás do outro, sem conseguir nada. Em 1979 foi com o cantor francês Patrick Hernandez para Paris, como corista e show. Morava com o cantor, tinha uma vida sexual movimentada (diz Hernandez: "Se sentia atração por alguém pegava na hora. No dia seguinte mandava embora"). Em 82, depois de ser baterista do The Breakfast Clube, conseguiu gravar um "demo", que saiu pela Sire Records, pequena etiqueta.
Em 1984 fez um filme barato e pornográfico, "A Certain Sacrifica". Em 1985, casou com Sean e acertou no cinema: "Procura-se Susan Desesperadamente" foi um sucesso. Também musicalmente já acontecia: seu primeiro disco, "Like a Virgin", vendeu milhões de cópias (500 mil só no Brasil) e o terceiro, "True Blue", chegou a 700 mil cópias.
Mulher objeto, apresentando-se de calcinhas pretas de rendas, ligas - imagens fetichistas - sexuais dos anos 20, que irritaram as feministas mas também, capaz de assumir uma posição corajosa, como na canção "Papa Don't Preach", em que Madonna é uma grávida solteira que recusa o aborto proposto pelo pai.
Audaciosa, capaz de frases perigosas ("adoro os crucifixos, acho que são muito sexy, pois têm sempre um homem pelado deitado sobre eles"), Madonna tem sabido se autopromover e tornou-se bilionária. Ganhou capa da Time e cinematograficamente há até quem a identifique com Marlene Dietrich (e o fato de fazer "Shangai Surprise" é uma referência ao "Shangai Express", que "La" Dietrich fez em 1932) - sendo inclusive cotada para estrelar uma refilmagem de "O Anjo Azul" (1930), que Diane Keaton iria dirigir. Fala-se também que poderia estrelar uma versão americana de "Cleo de 5 às 7", sucesso francês da diretora francesa Agnés Varda. Ela só não gosta das comparações com Marilyn Monroe - embora as citações sejam inevitáveis: loira, sexy rebelde.
James Foley, um diretor talentoso revelado em "Paixões Violentas" (um drama com Sean Penn e Christopher Walken, é o diretor de "Quem é Essa Garota?" comédia non-sense, quase pastelão, que sobrevive apenas pela fama de Madonna. Como atriz, um pastiche do que mostrou em "Procura-se Susan Desesperadamente".
O melhor do filme está nos créditos - desenhos animados, simpáticos e que até lembram "A Pantera Cor de Rosa", pela integração na história (tola) que se segue. A trilha sonora, lançada pela WEA, ainda no ano passado, é atraente.
Griffin Dunne, a revelação do esplêndido "Depois de Horas" (After Hours) 86, de Martin Scorcese) é o yuppie London, que encarregado de despachar a ex-presidiária Nikki (Madonna) para a Pensilvânia, acaba envolvendo-se numa série de atrapalhações. Como comédia, sente-se que Foley, brilhante no drama ("Paixões Violentas"), tem mão pesada e é de se lamentar que um cineasta como Black Edwards não tivesse assumido este "Quem é essa Garota?". por certo, então, o resultado seria outro.
Como ficou, é um filme apenas para quem goste muito de mitos descartáveis. Como é a signorina Madonna Louise Veronica Ciccone.
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