Mel, Flor, Ponte, 14 Bis e o breque premeditado
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de outubro de 1981
Enquanto a Ariola teve o seu elenco reforçado com o MPB-4 e a Polygram conseguiu, de uma só vez, conquistar os até agora independentes Boca Livre (já com novo LP pronto para lançamento) e Céu da Boca, aparecem novos grupos vocais - instrumentais. A mesma Polygram, apesar de ainda continuar a ter por contrato o Quarteto em Cy, se preocupa em ampliar a estreita faixa de grupos vocais famininos, de forma que está apoiando publicitariamente o Sabor de Mel, formado por 4 irmãs - as potiguaras Shirley Shirlaine, Shirlene e Sheila Dantas Bezerra, bastante programadas com a faixa "A Festa das Frutas", com uma letra bastante atrevida e maliciosa.
Pela RCA, a surpresa agradável em termos de grupos vocais - instrumentais é o aparecimento do Flor de Cactus ("Pepitas de Fogo"), formado por Chico Guedes (guitarra, viola), Etel (baixo), Clauton "Neguinho" (teclados), Mingo (bateria, prcussão); Babal (percussão), naturalmente todos também vocalistas. Bons instrumentistas e vocalistas esmerados, os rapazes do Flor de Cactus escolheram um repertório de músicas atuais, de autores como Walter Queiróz ("Mel do mesmo tacho"), Geraldo Azevedo-Carlos Fernando ("Faça de Conta"), Zé Ramalho ("Pepitas de Fogo"), Sá-Guarabira ("Flor de Sol"), ao lado de temas interessantes como a musicalização feita por Gileno sobre um poema de Fernando Pessoa ("Nem Sempre Sou Igual"), composições próprias ("Música/Movimento Certo", "Luz de Lamparina"), ou até um surpreendente trabalho de J. Petrolino (Aluiso Falcão) junto a Arthur Gebara ("Mistura"). Aparentemente fundindo influências nordestinas a arranjos capazes de fazê-los, facilmente, ter aceitação pelo público jovem.
Basicamente instrumental - e com uma harmonia surpreendente, o Ponte Aérea é uma gratíssima revelação, num LP produzido por Renato Viola para os discos Cristal - distribuídos pela WEA. Constant Papineanu (teclados), Beto Martins (violões, guitarras), Pedro Guararibe (baixo) - os três também vocalistas, mais Nonato Teixeira (bateria/percussão), apresentam um repertório próprio desenvolvido com muita criatividade e, especialmente, harmonia instrumental: "Maracanã", "Movimento das Ondas", "Mandrake", "Rio Comprido", "Promenade", "Baião", "Bananal", além de uma faixa da dupla Sá e Guarabyra ("Brilho das Pedras"). No caso da Ponte Aérea, o vocal e instrumental fundem-se de uma forma harmoniosa, completando num resultado estimulante.
Idêntidos resultados são obtidos pelo grupo 14 Bis: seu terceiro LP ("Espelho das Águas", Odeon), atinge um ponto altamente criativo - mostrando que a formação brasileira, de Minas Gerais, funde-se as influências dos Beatles. Como diz Márcio Borges, identificado de letra a música ao 14 Bis, "Espelho das águas reflete o beatle que ficou em cada um de nós, das montanhas. Reflete os nós da madeira, os caminhos do mato e da natureza. Reflete a certeza furiosa dos watts distorcidos, deformados, elétrons tornados arte". Formado por Cláudio (guitara, violão, flauta) e Flávio Venturini (teclados, violão), Hely Rodrigues (bateria/percussão), Sérgio Magrão (baixo, violão) e Vermelho (teclados, violão) - todos também vocalistas, o 14 Bis é um grupo que surgiu com a influência salutar de Milton Nascimento, de quem tem gravado músicas extraordinárias: no ano passado foi "Canção da América", agora é "Nos Bailes da Vida". Mas nao são composições próprias - especialmente de Flávio Venturini, que sustentam a presença sólida do 14 Bis, alcançando vôos seguros, com músicas como "A Qualquer Tempo", "Razões do Coração" (parceria com Luis Carlos Sá) e, especialmente, "Lua de Algodão" (parceria com Cesar de Mercês).
Há algumas semans, aqui registramos rapidamente o primeiro LP do grupo paulista Premeditando o Breque. Surgindo em São Paulo, há poucos meses e defendendo músicas do festival MPB-81, este grupo se insere numa linha de muita validade da música popular: a devolução do humor e da sátira. Pode-se dizer que Arrigo Bernabé, o irreverente londrinense que foi a grande revelação em 80/81, se constitui numa influência sobre este quinteto que, com competência, brinca em diferentes gêneros - o samba-canção, o choro, o samba-de-breque. Tal como um pintor que para tentar o abstrato deve conhecer o acadêmico, também um conjunto musical para propor a irreverência, a brincadeira sonora, tem que ter integrantes com solidez musical. Os integrantes do Premeditando o Breque possuem esta competência e o resultado é que em seu LP (produção independente, 1981) chegam a lembrar, de uma forma brasileira, aquilo que Spike Jones fazia há mais de 30 anos nos Estados Unidos: a demolição sonora, a brincadeira nas letras, a utilização de sons não convencionais mas sempre com graça e competência. Spike Jones nos Estados Unidos, aos Luthiers na Argentina (este grupo teve um único LP lançado no Brasil) e agora o paulista Premeditando o Breque, mostram esta fusão do humor irreverente com a música, em faixas como "Conflito de Gerações", "Brigando com a Lua", "Feijoada Total", "Marcha da Kombi", "Nunca" e a curiosa "Luisa" - onde, mais do que em nenhuma outra, os diálogos, a informalidade, se ajustam a uma proposta romântica.
MARIA CREUSA (Silva Lima), baiana de Esplanada, 37 anos, tem um público seguro. Se levou algum tempo para conseguir sair da sombra do marido, Antonio Carlos - parceiro de Jocafi (José Carlos Figueiredo), hoje Maria tem seu próprio espaço. Cantora afinada, voz bem modulada, tem se preocupado em selecionar criteriosamente o repertório de seus discos, obtendo, assim, condição de manter um público que aprecia a música romântica, bem acabada e interpretada. Com um belo visual - cabelos longos, presença sexy - Maria Creuza tem sabido cultivar uma faixa especial que garante o sucesso de seus shows e o consumo de seus discos. Por isto, mesmo, não entrando na categoria das superstars tipo Simone (cujo lp de estréia na CBS, "Amar", sai esta semana), Elis ou Maria Bethania, consegue ser bem programada, "Sedução" (RCA, outubro/81), lhe traz como um repertório diversificado, encerrando ambos os lados com homenagens a Tom/Vinicius (afinal, o Poeta foi um dos primeiros a acreditar em seu talento), com regravações de "Caminhos Cruzados" e "A Felicidade". Romântica por natureza, Maria Creusa fica à vontade em boleros - como "Frenesi" de Alberto Domingues (versão de Lina Pesce) ou "Dejame Ir" (Chico Novarro/Mike Ribas), ou canções românticas como "Tordesilhas" (Antonio Carlos/Jocafi), embora valorize duas faixas já conhecidas - a clássica "Me Deixa em Paz" (Monsueto/Ayrtom Amorim) e "Alumbramento" (Djavan/Chico Buarque). Tentando também ser compositora ("Regra de Um Jogo", parceria com Zé do Maranhão, tem, entretanto, seu melhor momento ao interpretar "Assovio", do trio José Renato/Juca Filho / Cláudio Nucci.
NAT KING COLE (1917-1969) - passados 12 anos de sua morte, continua a ter uma grande empatia. A Odeon mantém seus discos em catálogo, seu irmão, Freddie Cole, chegou a fazer sucesso repetindo o seu estilo, sua filha Natalie Cole, escalou as paradas de sucesso e agora surge outro intérprete-xerox: Norman Gray, "Tributo a Nat King Cole", volume II (Seta/Ariola), segue o mesmo esquema do primeiro volume, lançado há poucos meses e com grande aceitação: reunião das músicas que tiveram em Cole a interpretação marcante, arranjos simples e uma empatia com uma faixa específica de público. Assim, com Gray - que lembra até nas modulações o estilo de Nat - temos "Ballerina", "It's Only a Paper Moon", "Smile", "Mona Lisa", "Unforgetable", "Seww Loraine", "Walking My Baby Back Home" e "Love", entre outros standards que com Nat King Cole, há 3 ou 4 décadas passadas, emolduraram sonhos de amor. PAULO SÉRGIO (Macedo) (10 de março de 1944 - 26 de junho de 1978), foi durante 13 anos, um dos cantores que ajudou ao produtor Adici Macedo de Carvalho, hoje um dos donos da Copacabana, a enfrentar épocas de vacas magras. Em 1967, quando Adiel possuia uma pequena etiqueta, a Beverly, se interessou por um jovem cantor que, com músicas ao estilo de Roberto Carlos, havia aparecido atra´ves de uma pequena etiqueta, a Caravelle. Apesar da inexpressividade do selo, Paulo se revelou um cantor de grandes possibilidades e assim, quando Adiel adquiriu o acerto da etiqueta, decidiu que o mesmo mereceria o máximo tratamento. A fórmula funcionou e, finalmente, na Copacabana - Paulo Sérgio gravou 13 elepês e vendeu mais de 3 milhões de cópias, afora 10 mil de compactos. Por isto, é natural que a Copacabana, dispondo ainda de um acervo com gravações inéditas de Paulo Sérgio, deseje manter seu público, embora, melancolicamente, nos últimos anos, a estrela do cantor começasse a se apagar. Numa edição sofisticada - com 2 posters coloridos e um didádito folheto histórico do cantor, a Copacabana lança o volume 14 da série "Paulo Sérgio". Todos os seus discos sempre tiveram apenas o nome e o número - assim como o esquema musicalmente nunca mudou. Isto não impediiu que tivesse um público adolescente, que durante anos o teve como uma espécie de xerox de Roberto Carlos. Aliás, a maior parte das músicas que deixou gravada para este 14o lp eram de Carlos Roberto - pseudônimo que, sintomaticamente, mostra a preocupação em beliscar o mesmo público. Temas semelhantes, estilo choroso e romântico - fizeram sempre Paulo Sérgio um cantor que viveu na sombra do ídolo maior Roberto Carlos. Mas tee uma presença e deixou seus discos. A Copacabana, numa justa homenagem, o reverencia com um álbum póstumo e um bem editado folheto, com fotos em cores sobre a sua vida.
NA SEMANA PASSADA - aqui registramos o reaparecimento do bolero, com discos como de Santos Morales (Sidney Espírito Santo Moraes, ex-líder dos 3 Moraes), que vende milhares de cópias de seus lps, feitos pela Sigla/Som Livre, não apenas no Brasil mas nos países da América do Sul e México. Pelo visto o filão é amplo e assim dois astutos produtores, Carlos M. De Carvalho e Paulo Rocco, montaram para a Seta/Ariola, um álbum - "Sempre é tempo de bolero", com fonogramas dos acervos da Phonogram, RGE, Continental e na própria Seta: Gregório Barrios ("Frio En El Alma", "Dos Almas", "Final"), Bienvenido Granda ("Perfume de Gardenia", "Angustia"), Los Aztecas ("Una Ventura Más", "La Barca"), a arqueológica Sarita Montiel ("Quizás, Quizás, Quizás") e até curiosas presenças como Mina ("Sabor A'Mi"), Dave Gordon ("Jura-me"), Mingo Rey ("Los Hombres No Debem Llorar") e a Pablo Hernades e seus vocalistas ("Acercate más/Três Palabras"). Pseudônimos à parte, não deixa de ser um esquema para fácil comercialização.
GLENN GOULD, pianista de renome mundial, gravou para a CBS a série de "Toccatas", de Bach. Afora, sai no Brasil, o primeiro volume desta série, reunindo as Tocatas em ré maior, em fá sustenido e a em ré menor. Uma produção caprichosa de Andresw Kazdin que vem ampliar as opções aos que se interessam pela música erudita, em especial aos colecionadores da obra de Bach em interpretações pianísticas.
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