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Aramis

Mercedes Sosa, uma lição de humanidade

Um pequeno detalhe que dá a dimensão da grandeza de Mercedes Sosa, não apenas como cantora das mais admiradas do continente, mas, sobretudo, como pessoa humana. Às 22h30min de segunda-feira, após jantar em companhia dos músicos e empresários que a acompanham nesta sua viagem de 40 apresentações pelo Brasil, no restaurante árabe Oriente, na Rua Cândido Lopes, fez questão não so de cumprimentar o libanês, proprietário da casa, mas, entrando na cozinha, abraçar e beijar todas as humildes serviçais, agradecendo a elas, pelo trabalho que tiveram em preparar o jantar. Numa mesa de apenas 10 pessoas, Mercedes cantou junto aos demais o "Parabéns a Você" ao percussionista Domingos Cura, que comemorava 51 anos. A empresária Gaby Leib, que produziu a apresentação de Mercedes, ontem a noite no Guaíra, junto com Walter Silva, providenciou até um bolo para que o músico assoprasse uma vela, simbolizando a data festiva. xxx Desde que chegou até partir, hoje, para Londrina, onde se apresenta a noite no Cine-Teatro Ouro Verde, Mercedes Sosa confirmou, mais uma vez, aquilo que sempre afirmamos: quanto mais talento tem um artista, mais simples, afável e gentil é para com todos. Apesar da cansativa excursão que vem fazendo e tendo viajado de ônibus de Blumenau a Curitiba, tão logo chegou no Araucária Palace Hotel e foi procurada por Roberto Berro, representante territorial da Polygram, [Mercedes] fez questão de se colocar a disposição da imprensa, para entrevista coletiva. Com toda atenção, recebeu a todos os repórteres - e mesmo alguns simples fãs que a procuraram - entremeando as respostas, com trechos de canções, registrados nos cassetes que os repórteres mais prevenidos levaram.. Depois, na suite A do hotel prestou um longo depoimento para o Museu da Imagem e do Som, entrevistada pelo diretor César Fonseca, que além de competente executivo, é também um estudioso da música popular, com conhecimentos da canção latino-americana. Com a tranqüilidade das pessoas que sabem o que querem e o que dizem, Mercedes falou de sua carreira, recordou seu início profissional, lembrou suas viagens, discorreu longamente sobre compositores e intérpretes do Continente, demorando-se em elogios a Chico Buarque de Hollanda, que considera um dos maiores talentos musicais e poéticos da atualidade. De seus 14 elepês - cinco apenas editados no Brasil (o quinto, aliás, "Cantata Sudamericana", de Ariel Ramirez-Félix Luna, sai nos próximos dias), disse que um dos prediletos é "Mujeres Argentinas", da mesma dupla, infelizmente sem programação de lançamento em nosso País - e, atualmente, proibido na Argentina. Praticamente exilada de seu país, Mercedes recebeu no Rio a visita de seu filho único, Fabien, 21 anos, e, quando da nova temporada carioca, no Teatro João Caetano, deverá encontrar-se com sua mãe, Dona Ema. Aliás, Gaby Leib, uma empresária artística das mais competentes, que trabalhou dois anos para organizar esta grande excursão de Mercedes Sosa pelo Brasil, enfrentando inicialmente os vetos oficiais a sua presença no País, depois estruturando o roteiro, que está cobrindo praticamente todo o País, preocupou-se em ampliar familiarmente a presença de Mercedes. Tanto é que trouxe de Buenos Aires, os músicos Domingos Cura (percussionista) e Oscar Alem (baixo e piano), que há mais de um ano não trabalhavam com a cantora, já que vivendo em Paris, vinha atuando apenas com o violonista Nicolas Brizuela. Também de Buenos Aires vieram Mônica, esposa de Nicolas e Aleira, esposa de Domingos. A equipe, no total de 15 pessoas, tem viajado intensamente, nos mais diversos transportes, encontrando diferentes tipos de teatros, mas sempre recebidos com extremo entusiasmo pelo público. José Catula Zanuorra, espanhol de Barcelona, há 25 anos atuando no meio artístico, é, desde 1974, empresário internacional de Mercedes Sosa e, junto com sua esposa, Maria Carmen, também a acompanha ao Brasil. Um dos diretores da Broadway Productions, Zamorra te sob contratos outros artistas importantes, como Nacha Guevara, agora no México, após temporada nos EUA - conforme aqui registramos há alguns dias. E como prevíamos, so agora, com Nacha Guevara - que igualmente deixou a Argentina, devido a pressões oficiais, deve voltar ao Brasil, ainda este ano, com um bom esquema promocional. Ela passou vários meses por aqui, fez um disco na Continental, mas não teve nenhuma atenção. Catula Zamorra tem compromissos para Mercedes apresentar-se pelos próximos 7 meses - encerrada a temporada no Brasil, seguem para o México, onde permanecerão por 20 dias. Zamorra, junto com 11 sócios, adquiriu, com um "advanced" de US$ 15 mil, pagos a Tim Rice e Andrew Lloyd Webber, os direitos para a produção na Espanha da ópera-rock "Evita", até agora só encenada em Londres, Nova York e Los Angeles. Jaime Azpilicueta, que há 4 anos dirigiu a encenação da obra anterior dos dois autores ingleses, "Jesus Cristo-Superstar" (levado ao cinema, em 1972, por Norman jewison), já está selecionando o elenco para esta produção que chegará a mais de cinqüenta milhões de pesetas, com estréia prevista para novembro, no Teatro Monumento, com 1.900 lugares, em Madrid. Para o Brasil, até agora ninguém ainda comprou os direitos de montagem de "Evita", apesar do sucesso das músicas (entre as quais, "Don't Cry For Me Argentina") e das encenações em Londres e Nova York. É que o produtor que montar o espetáculo em nosso País, terá que fazê-lo também em Buenos Aires. E além de, a médio prazo, não existir possibilidades da mesma ser liberada para aquele país, mesmo quando for montada, poderá provocar grandes convulsões, já que a visão dos ingleses Webber/Rice, em torno de Evita Peron (1919-1952), mulher de Juan Domingos Peron por sete anos, não é das mais respeitosas. xxx A temporada de Mercedes Sosa no Brasil - onde só esteve uma única vez, há 4 anos, em rápidas apresentações em São Paulo (Ibirapuera) e Rio (Teatro João Caetano), desta vez exigiu um alto custo de produção. Assim mesmo, houve preocupação de, sempre que possível, oferecer ingressos a preços mais reduzidos. Se os melhores lugares para a apresentação de ontem à noite no Guaíra custaram Cr$ 800,00, houve também - dentro da filosofia do governo Ney Braga em democratizar os espetáculos - entradas a preços populares e, dependendo da possibilidade, de tempo e público, Gaby Leib estudava ontem, com o secretário Luís Roberto Soares, da Cultura e do Esporte, a possibilidade de uma nova apresentação, sexta-feira, no ginásio do Tarumã. Até à hora em que encerrávamos esta coluna, tal espetáculo extra não tinha sido confirmado, mas se puder ser realizado - hoje Mercedes se apresenta em Londrina e amanhã em Maringá - o mesmo poderá ter ingressos a preços bem mais reduzidos. xxx Gaby Leib, ex-dirigente da Pró-Arte em Petrópolis, formação pianística clássica e que, há 10 anos, tem trazido ao Brasil alguns dos melhores espetáculos internacionais - para 1980, já tem programado nova temporada do mímico Adam Mirius e do pianista Oscar Peterson, afora a cantora Joan Baez (que pela primeira vez virá ao Brasil), comentava ao chegar que nunca encontrou um apoio tão grande de uma gravadora, como o que a Phonogram está dando. Aqui em Curitiba, Roberto Berro, a exemplo do que ocorreu em outros Estados, se colocou em tempo integral, para fazer da temporada de Mercedes Sosa, entre nós, a mais perfeita possível. Aliás, pela Philips, sai dentro de semanas, um elepê reproduzindo os melhores momentos das 3 apresentações que a cantora fez no Maracanãzinho, no Rio, com casas lotadas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
09/04/1980

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