A Arte de Mercedes Sosa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de junho de 1977
Dez anos após a descoberta da literatura latino-americana, via "Cem Anos de Soledad", do colombiano Garcia Marquez, afinal os brasileiros estão aprendendo que música latina-americana não são apenas os tangos de Gardel & Carraro, os sucessos de Pierro ("Mi Viejo"), e algumas duplas ou trios característicos da música andina. Há toda uma imensa gama de ritmos e artistas, espalhados pela Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Venezuela, Peru, Colômbia, etc., a espera de teram sua justa promoção. Já abordamos esse tema, aqui mesmo em O ESTADO e ao qual dedicamos todo um Especial ("Domingo Sem Futebol", rádio Ouro Verde). Hoje voltamos há alguns novos registros desta latinidade musical, com lançamentos expressivos, de várias correntes, interpretes-compositores.
Harry Zuckerman, da Companhia Industrial de Discos, foi um dos records-man que percebeu as possibilidades desse filão e assim, já há alguns meses, lançou vários discos, da MH-Music Hall, prestigiosa marca argentina, que até hoje pouquíssimas vezes editada. É claro que não poderia deixar de começar com Astor Piazzolla, o último superstar da música portena e que após muitos anos de consciente trabalho abtém um público seguro no Brasil, "Essência + Música" (MH/CID, 2.467), é da época em que Piazzolla trabalhava com Elvino Vardaro (violino), Jaime Gosis (piano), José Vasallo (baixo), José Bragato (cello) e tendo Jorge Sobral como cantor. Afora o próprio Piazzolla ("Tango Del Angel", "Melancólico Buenos Aires", "Três Minutos Com La Realidade", "Preparente"), outros compositores, como Homero Manzi ("Fuimos"), De Caro ("Loca Bohemia") e Virgílio/Homero Expósito ("Siempre Paris"). Outro antigo - mas historicamente da maior importância - disco da Piazzolla que agora é oferecido ao público brasileiro é "EI Tango"(Polydor/Phonogram 2480378, abril/77), trazendo Piazzolla nos primórdios do "Nuevo Tango", sem barbas ou bigode, cabelos a escovinha musicando textos de Jorge Luís Borges - o monstro sagrado das letras argentinas. Produzido em 1960, "EI Tango", como acentuou Tarik de Souza (JB, 9-4-77), flagra Piazzolla precisamente em meio ao cobate que foi abrigado a enfrentar, solitário, "entre peleas, tropadas y tiros" (alguns inclusive físicos, como ele nos relatou) para impor o seu Nuevo Tango. E este disco mostra uma de suas primeiras vitórias significativas: a associação com o estrindosamente contraditório escritor argentino Borges, tão libertário artista quanto caudilho homem de idéias. Apaixonado pelo tango e suas visinhanças políciales, Borges, já no poema-título, mergulha com precisão jornalística nesse ambiente, ajudado na descrição pelo voluntarioso Quinteto Nuevo Tango de Piazzolla e pelos vocais arrebatadores de Luís Medina Castro. No lado 1 deste disco histórico, temos seis canções curta - entre tangos, milongas e odes, enquanto que o lado 2 é a suite "EI Humbre de La esquina Rosada", onde Piazzolla introduzia inovações aleatórias: os ruídos obtidos pela percussão manual de seus instrumentos como o violino. Hoje, pouca novidade traz um disco como este, mas imagine-se no início da década de 60, antecipando mesmo às primeiras iconoclástias de Zappa e os gritos do "Sgt. Peppers", dos Beatles, "enfim à institucionalização da loucura e sua conseqüente transformação em ponto de Venda" (TS).
Se Piazzolla tem hoje, praticamente, toda sua discografia lançada no Brasil - apesar de sua carreira irregular, fazendo lps em tudo que é gravadora - os discos de seu mestre amigo, com quem praticamente deu seus primeiros passos como arranjados e bandoneonista continuam inéditos: Aníbal Troilo, o Pichuco, durante 30 dias, uma glória da música argentina. Só em 1975, com a sua morte, a RCA Victor Brasileira, editou um dos muitos discos que ele fez naquela fábrica na Argentina, mas assim mesmo mal promovido e divulgado. Por isso, dos mais importantes o aparecimento de dois discos de Troilo, pela MH/CID: "Bien Milonga", reunindo gravações dos anos 40, em cuidadoso processo de recuperação de velhos 78rpm, e que oferecem tanngos como "Ara Corazon", "Tanguango"(do próprio Piazzolla, em início de carreira), "Flor Campera" e Cuaquier Cosa" (prova de que Caetano Velloso não é tão original assim), nas vozes de cantores como Jorge Casal e Raul Beron. Já "Latitude de Buenos Aires", gravação mais recente (infelizmente sem mencionar a data exata), onde ao lado de Casal, temos outro notável cantor - Carlos Olmedo, marcando interpretações de músicas de Troilo ("La Cantina"), Catúlo Castilho ("La Violeta") e Oscar de Lá Fuente ("Intermezo"). Três outros elepês de tangos, do suplemento da MH-Music Hall, são os discos de Juan Cambareri ("Tangos Cumpadres"), Carlos di Sardi ("...Para Siempre") e Héctor Stamponi ("Romance Y Tango"), em todos alternando, os clássicos consagrados, mas também composições até agora desconhecidas o nosso público. O maestro Stamponi, traz em sua típica a cantora Elba Pico, enquanto que Cambareri mostra músicas como "Fuegos Artíficiales", "EI Ciruja", "Milonga de Mis Amores", Ilusion Marina" e "Union Cívica".
Na linha da música vocal, inspirados no Swingle Singers, o grupo Buenos Aires 8, é uma surpresa das mais agradáveis do ano. Suaves, criativos, o grupo vocal é simplesmente fantástico, apresentando músicas de Astor Piazzolla ("Buenos Aires Hora 8", MH 609) ou de outros autores - como Juan Carlos Cobian, Julian Plaza, Mariano Mores, Juan de Dios, Eduardo Arolas etc ("Tangos", MH-606), Este segundo lp, gravado, entre junho/agosto de 73 - e só agora editado entre nós (o "Buenos Aires Hora 8", já havia aparecido, há algum tempo pela Copacabana, mas foi retirado de catálogo), credencia-se, tranqüilamente, a entrar na relação dos melhores lançamentos internacionais do ano.
As recentes excursões de alguns nomes da música argentina ao Brasil - como Susana Rinaldi, Los Luthiers e Mercedes Sosa estimula as gravadoras a lançarem seus discos. A Continental, passando a representar a Trova, já colocou nas lojas os discos de Susana Rinaldi e dos excelentes Los Luthiers (e promete novos lançamentos para o próximo mês). E a Phonogram, afinal dedica um vigoroso álbum duplo, em sua série "A Arte De...", a Mercedes Sosa, que na Phonogram argentina tem uma discografia das mais respeitáveis. Nome dos mais importantes da música de raízes folclóricas - mercedes é, ao lado de Atahualpa - Yupanqui (há anos radicado em Paris), uma interprete de imensa força, cujo público vem crescendo, principalmente na faixa universitária - e que possivelmente a estimule a uma nova temporada em nosso País, incluindo talvez, desta vez, apresentação no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Nós dois lps de "A Arte de Mercedes Sosa" (Fontana, 6641623, maio/77) - também candidato a listados 10 melhores lançamentos do ano - foram selecionados as mais vigorosas músicas de autores chilenos e argentinos. De Violeta Parra, chilena, que se suicidou em 70, temos "Garcia A La Vida", "Volver a Los 17" ( que Mercedes gravou no lp "Geraes", com Milton Nascimento, na Odeom) e "La Carta" (acompanhada do conjunto "Quilapyun"). De Victor Jarra, fuzilado em 73, no Estádio Nacional do Chile, são os emocionantes "Te Recuerdo Amanda", e "Plegaria a Un Labrador. A dupla Ariel Ramirez - Felix Luna, autor de várias suites populares, gravadas por Mercedes ("Mujeres Argentinas", "Cantadas Sul-Americana", "Los Caudilhos"), e cuja edição, na integra, a Phonogram também promete - tem 2 temas avulsos incluídos neste álbum: "Alfonsina Y EI Mar" e "Canta Tu Cancion". Outros autores, da maior importância, também são lembrados como Yupanqui ("Los Hermanos", lançado no Brasil por Elis Regina), Daniel Viglieti ("Cancion Para Mi América"). H Guarany ("Si Se Calla EI Cantor") e Zitarrosa ("Violin De Becho").
A Victor, que no ano passado lançou 3 elepês, em embalagem simples, com o melhor do "Folclore Latino-Americano"(122.7001, junho/76) - e que não tivemos dúvidas em incluir entre as edições mais importantes do ano, surpreende agora com um álbum de outro valor argentino, ainda desconhecido entre nós: José Larralde. Seu "Dedicado a América Latina"(Victor, 107.7056, junho/77, revela um intérprete-compositor (e possivelmente também violinista, já que infelizmente, não é dada a menor informação a respeito de quem seja - e que instrumentos toca). Larraide, mostra criações de lata participação como "Caminito Montielero", "Manea" e "Macho", fazendo com que este seu disco merece especial atenção.
Igualmente sem maiores informações, mas digno de atenção a quem está com ouvidos abertos a latinidade são os lps dos Cantores de Cuyo ("De Mi Cuyo", Music Hall/Cid) e "Los Cantores de Alba" (MH/CID, 601) ambos com repertório de autores regionais, instrumentalmente limitados, mas com bons momentos poéticos. Por último, um grupo paraguaio, como o colonizado título de "Los Team Agers" ("Paraguay de Hoy", Music Hall/Itamaraty/CID, 2173). Mas apesar do título americano, o grupo gravou músicas de autores nacionais - Felix Perez Cardoso ("Misiones", "Leglata"), "Coronel Martinez"), Fernandez ("Siete Notas Musicalez "); Lucho Brossard ("Apuro Yare", "Que Pasa Chiquita", etc).
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A latinidade tem outros exemplos: a Odeon lançou há alguns meses o lp dos "los Jaivas", conjunto chileno há dois anos na Argentina - lançamento, difícil de ser encontrado nas lojas do Paraná. Igualmente ausente de nossas lojas os lps dos grupos de música latino-americana, autênticos ou formados por estudantes daqueles países em nosso. País feito na Grazy, etiqueta paulista que até hoje não conseguiu ultrapassar os 400 km que nos separam de São Paulo, para aqui sequer vender seus discos.
FOTO LEGENDA- Aníbal Troilo tangos latitud de Buenos Aires
FOTO LEGENDA1- A Arte de Mercedes Sosa
Gracias a La Vida Volver a Los 17 para Cantarle Del Derrumbe Índio Cancion para un Nino em La Cálle
Balderrama
Los Hermanos
Violins de Becho
Hermano Dame tu Mano
Cuanto Trabajo
Azul Provinciano
Marron
Te Recuerdo Amanda
Tristeza
Cancion para mi America
Alfonsina y El Mar
Duerme Negrito
Me Custan Los Estudiantes
La Carta
Plagaria a Un Labrador
Hasta La Vitoria
Canta tu cancion
Cuando Tenga La Tierra
(")
FOTO LEGENDA2- Jorge Luís Borges Astor Piazzolla ELTENGO Canta Edmundo Rivero recita Luís Medina Castro
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