Um encontro especial de Norton e Piazzolla
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de setembro de 1989
Se Miriam ou Peter Dauelsberg, diretores da Dell'Art, vieram acompanhando o grupo de Astor Piazzolla (hoje, 21 horas, única apresentação no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto), a aproximação será mais fácil, pois afinal, o casal é amigo de Norton Morozowicz há muitos anos. Caso os Dauelsberg não tenham vindo, caberá a Norton vencer a sua timidez (embora de tímido ele não tenha nada) e, no camarim do Teatro Guaíra, procurar ao mais famoso músico argentino. Em sua cordialidade portenha, por certo Piazzolla receberá o maestro curitibano com o maior abraço, tão logo o ligue com o jovem regente da Orquestra de Câmara de Blumenau. Afinal, há 65 dias, quando recebeu o elepê no qual a Orquestra de Câmara de Blumenau interpreta alguns de seus temas, ficou extremamente satisfeito com os arranjos, interpretação e regência dada a sua obra. Tanto é que, embora seja um homem muito ocupado, arrumou tempo para escrever uma carinhosa carta a Norton, cumprimentando-o pela realização do disco.
xxx
Sem se conhecerem pessoalmente - mas já identificados musicalmente, o curitibano Norton e o argentino Piazzolla deverão encontrar-se, portanto, hoje a noite pela primeira vez. Norton, naturalmente, estará entre os espectadores do recital que Piazzolla fará a partir das 21 horas (ingressos entre NCz$ 70,00 a NCz$ 25,00 ainda à venda nas bilheterias). Nesta nova excursão por 10 cidades brasileiras - iniciada no dia 15 de agosto e que será encerrada amanhã (Teatro Ouro Verde, Londrina), Piazzolla traz uma mudança no seu grupo "Tango Novo": ao invés de um quinteto, virou sexteto com o acréscimo de um segundo bandoneon, Daniel Binelli. Os outros músicos são Gerardo Gandini (piano), Hector Console (baixo), José Bragato (cello) e Horácio Malvicino (violão).
xxx
Por sua obra, Piazzolla já mereceria vários livros. Infelizmente, seus últimos discos não tem sido editados no Brasil. Uma de suas últimas obras, marcantes, foi a trilha que criou para "El Sur", belíssimo filme de Fernando Solanas, que abriu o V FestRio, no ano passado. O álbum gravado pela Orquestra de Câmara de Blumenau, regência de Norton Morozowicz, com quatro de seus temas, lançado comercialmente pelo Estúdio Eldorado, já teve quatro reedições e em breve sairá em CD, através de prensagem, através da Microservice, a única fábrica de compact-disc da América Latina.
xxx
O jornalista João Máximo, do "Jornal do Brasil", num belo texto sobre Astor escreveu: "Nem deturpador do tango, nem um tradicionalista. Nem frio, nem sentimental demais. Piazzolla é Piazzolla. Faz parte daquela casta muito especial de artistas que não cabem em definições simplistas. Está aqui e ali ao mesmo tempo. Não pertence ao passado nem ao futuro, mas ao sempre. De certa maneira, é um "brujo", alquimista admirável que realizou a mágica que tantos tentam - a de intemporalidade. Sua música, na verdade, é moderna, formalmente ambiciosa, passeia por harmonias novas e aparentemente estranhas ao tango, utiliza-se de invenções melódicas que tanto podem descender das fugas de Bach como das improvisações do jazz - e no entanto, por mais que os saudosistas digam que não, é a música de Buenos Aires. Tanto quanto os tangos de Maffia, Gardel e Troiolo. Mesmo os que ouvem pela primeira vez a música de Piazzolla - e percebem nela encantos surpreendentemente novos - são obrigados a admitir que é música argentina. Se não tango, ao menos prima-irmã do tango. Esta é a sua mágica, a sua alquimia, tão coisa de "brujo" que as pessoas acabaram perdendo muito tempo discutindo-o em vez de saboreá-lo".
LEGENDA FOTO - Piazzolla, "el brujo" sonoro, encontra-se hoje, em Curitiba, com o maestro Norton Morozowicz, que gravou um elepê com a Orquestra de Câmara de Blumenau com suas obras.
Enviar novo comentário