Meryl e Jack, uma vez mais com a super-representação
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de novembro de 1986
Já é até monótono. Na lista dos nominations ao Oscar os nomes de Meryl Streep e Jack Nicholson repetem-se. E, por certo, em 1987, quando estiverem filmando "Ironweed", sob as ordens do argentino-brasileiro Hector Babenco (do romance "Vernônia", de William Kennedy, edição Francisco Alves, 239 páginas), poderão estar entre os fortes candidatos a receber, cada um, seu terceiro Oscar. É simples: basta os membros da Academia de Artes Cênicas Cinematográficas de Hollywood assistirem a "Heartbrun", que com o título de "A Difícil Arte de Amar" está em cartaz desde a última quarta-feira em Curitiba (Cine Condor, 5 sessões).
Parece até covardia. Num mesmo ano, o público pode ver três overrepresentations de Meryl Streep: como a escritora Isak Dennisen em "Entre Dois Amores" (Out of Africa) - na qual disputou o Oscar, perdendo para Geraldine Page; como uma complexa neurótica em "O Mundo de Uma Mulher" (Plenty, concorrente pelos EUA no FestRio-85) e, agora, como uma simplória esposa e mãe em "Heartburn". Em qualquer destes filmes, Meryl está simplesmente fantástica - como foi a extraordinária Joana em "Kramer x Kramer" (1979, de Roberto Benton) - Melhor coadjuvante; a atormentada Sophie, da novela de Williem Styron em "A Escolha de Sofia" (Sophie's Choice, 82, de Alan J. Pakula) - melhor atriz. Anteriormente, já havia sido indicada por "O Franco Atirador" (The Deer Hunter, 1978, de Michael Cimino) - perdendo para Maggie Smith ("California Suite").
Jack Nicholson também é um ator acostumado a indicações e premiações: há 11 anos, já levava seu primeiro Oscar, por "Um Estranho no Ninho" (One Flew Over The Cuckoo's Nest, de Milton Forman).
Portanto, reunir dois artistas da dimensão de Meryl e Nicholson já é ter 80% do triunfo na mão. Some-se a isto um diretor que sempre soube voltar aos olhos criticamente para o american way of life, Mike Nichols, 55 anos, que, há 20 anos, em seu filme de estréia, vindo da Broadway, - "Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?" (da peça de Edward Albee), conseguia indicações a melhor filme, atriz (Elizabeth Taylor, premiada), ator (Richard Burton, perdendo para Paul Scofield, por "O Homem Que Não Vendeu Sua Alma", de Fred Zinneman); atriz coadjuvante (Sandy Dennis, premiada); roteiro adaptado (perdeu para Robert Bolt, por "O Homem Que Não Vendeu Sua Alma"), fotografia (Haskell Wexler, premiado; cenografia (Richard Sylbert, premiado).
Portanto, Nichols é um diretor da maior competência - e sua filmografia somente confirma sua visão corajosa da vida americana - tratada em tom de sutil comédia no seu segundo longa-metragem - "A Primeira Noite de um Homem" (The Graduate, 67), ou sendo cruel em "Ânsia de Amar" (Carnal Knowledge, 71), "O Dia do Golfinho" (Day of Dolphin, 73) - e, mais recentemente, denunciando questões de comportamento como "Marcas do Destino" (The Mask, 85) ou os riscos da indústria nuclear ("Silkwood", 83).
É importante fazer um retrospecto da carreira do diretor e intérpretes de "A Difícil Arte de Amar" para entender, assim, melhor a este filme que se constitui numa das mais agradáveis surpresas da temporada. Assim como há os que condenam certos filmes importantes pela beleza plástica - exemplos são "A Cor Púrpura" de Spielberg ou "Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois" de Claude Lelouch (previsto para estrear no Astor, dentro de alguns dias), podem aparecer os que torcerão o nariz em relação "A Difícil Arte de Amar" devido justamente a perfeição com que Meryl Streep e Jack Nicholson constroem seus personagens.
Como Rachel Samstat, redatora de uma revista feminina, vinda de um primeiro divórcio e que se apaixona por um famoso colunista político de Washington, Mark Forman (Nicholson), Meryl Streep desenvolve uma linha de interpretação totalmente diversa daquelas que vinham marcando sua carreira - e sempre de forma tão admirável. Ela é a mulher insegura, docilmente conduzida para uma relação física que a assusta ao se transformar num compromisso matrimonial. Aceita, entretanto, a função de esposa e mãe - e passa a integrar todos os valores da hipocrisia na classe média - desde a reforma de uma velha casa num bairro de Washington (com sequências tão divertidas quanto o pastelão "Um Dia A Casa Cai", de Richard Benjamin) a um ciúme neurótico que a leva a acabar um casamento feliz devido a pequenas traições do marido.
Nicholson, interpretando um personagem inspirado em Bob Woodward (que ao lado de Carl Bernstein, fez as reportagens do escândalo Watergate, que levaram Nixon a renúncia), tem momentos da maior genialidade como ator - especialmente a sequência em que, sabendo que será pai, entoa "That's My Boy", de uma forma deliciosamente passional e cômica. Ator que tem a sua própria forma de representar - (e isto é uma presença forte desde seus primeiros trabalhos, há mais de 20 anos, quando ainda era um simples coadjuvante) - Nicholson conduz os personagens que vivem as nuances raramente atingidos por outros atores. Há momentos em que a câmara simplesmente pára diante de seu rosto, de forma fixa, e que a ação se dá justamente por sua capacidade de transmitir sentimentos e emoção. Só que desta vez, o páreo é difícil, pois ao seu lado está uma atriz da dimensão de Meryl Streep.
Mike Nichols, diretor que se divide entre o cinema e a Broadway, a exemplo de George Cukor (1899-1983) é daqueles realizadores que valoriza os intérpretes, trabalhando-os exaustivamente. Coadjuvantes se destacam - Jeff Daniels (revelado por Woody Allen em "A Rosa Púrpura do Cairo"), Maureen Stapleton (como a amiga Vera), Stockard Channing (Julie) e, especialmente, a surpreendente presença do diretor Milos Forman, como o iugoslavo Dimitri. Há, não resta dúvida, uma linguagem até teatral dentro do filme - que não se preocupa em explorar o universo doméstico do casal Rachel/Mark - com sua vida cotidiana, seus amigos Vera/Arthur (este, marcante atuação de Richard Masur), os piqueniques nos belos arredores de Washington. Isto tudo integra a ação, faz de "A Difícil Arte de Amar" uma pequena jóia de emoções humanas - no qual, a comédia flui em seu sentido dramático e profundo, no qual o riso faz pensar e levar o espectador a reflexão.
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