Na breguice e no regional, autenticidade das cantoras
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de outubro de 1989
Paralelamente as cantoras mais sofisticadas como Bethania e Zizi - ou aquelas que buscam caminhos próprios e optam pela produção independente como as excelentes Diana Pequeno e Maria Amelia - há as vozes em série, de público seguro e que sem se importar com rotulações de brega regional ou comercial, tem seu público seguro.
Emotivamente conquistando o público desde que apareceu artisticamente há alguns anos, apadrinhada por Roberto Carlos, a morena Katia, cega de nascimento mas afinada voz (qual seria a relação da cegueira com talentos musicais, tantos são os grandes talentos do mundo que não tem o sentido da visão mas são admiráveis como cantores ou instrumentistas?), Katia sai com um elepê equilibrado em termos comerciais, com músicas de fácil apelo - algumas de autores consagrados, como o "Gato de Estimação" (Roberto/Erasmo Carlos), Paulo Sérgio Valle ("Coração"), ao lado de composições próprias, quase sempre falando em amores (realizados ou não) e encontros e desencontros da vida. Lincoln Olivetti, impessoal como sempre, divide com Julio Teixeira os arranjos da maioria das faixas.
Também falando em amores, mas com um repertório que denuncia suas ligações baianas, a bonita Luzia Santanna (Barclay/Ariola) também assume um repertório brega, com arranjos convencionais, mas que se ajusta a sua voz puxada ao estilo da madrugada & uísque na linha de Maysa e Angela Ro Ro mas sem, obviamente, a mesma profundidade e emoção. É verdade que há bons momentos, ou ao menos autores inspirados - como a dupla Dominguinhos-Abel Silva ("Sempre Você"), Carlinhos Brown ("Tara") ou mesmo Carlos Pita, este uma das promessas dos anos 70, na linha de Elomar em seus primeiros trabalhos, mas que vem preferindo hoje músicas para consumo imediato como a dispensável "Cine e Paixão" ou "Planeta Desejo" (parceria com Salgado Maranhão), duas das faixas gravadas por Luzia Santanna.
xxx
Com mais de 15 anos de carreira, Nalva Aguiar é daquelas estrelas solitárias do country-rurban que tem esvoaçado musicalmente por vários caminhos, buscando sempre satisfazer um público mais fiel que se concentra no interior. Em seu último lp (Continental), assume versões de canções country, misturadas a um romantismo anos 50 de Moacir Franco ("Dia de Formatura") com standards latino-americanos ("Vaya Con Dios").
Se Nalva Aguiar tateia por caminhos que podem levá-la a faixas mais sofisticadas de consumo urbano - o que, entretanto, é difícil de acontecer - há a intérprete (e compositora) gauchona, que há anos faz com que o paranaense Adelzom Alves, produtor do programa de maior audiência na noite carioca, a tenha eleito como uma de suas intérpretes favoritas, não abre mão das milongas, vanerões, forrós, rancheiras que a fazem companheira auditiva de milhares de motoristas e uma star em ferias e festas nativistas. Bem humorada, buscando o ritmo e a comunicação que o acordeon permite (como por exemplo no instrumental "Por Dentro da Baixaria") e sem nunca esquecer o humor ("Tudo que o Velho Gosta") ou a mensagem otimista ("Criança Esperança"), Berenice é uma cantora de raízes brasileiras, especificamente sulinas, admirável em sua autenticidade.
Também buscando o mesmo público - os caminhoneiros, de quem se tornou uma espécie de musa estradeira - Roberta Miranda deixou há muito o anonimato de compositora para, como intérprete buscar uma sensualidade implícita e que faz hoje uma das artistas de maior vendagem do elenco popular da Continental. Assim, em composições próprias ("Vamos Falar de Nós", "Velhos Tempos", "Amor Platônico", "Teu Nome"), falando de amor quase sempre (mas também prestando uma homenagem ao Lua, em "Luiz Brasil Gonzaga", Roberta não se importa com rótulos ou aceitação por faixas mais refinadas. Seu público fiel está nas estradas.
Também na música estradeira - mas com paradas em vanerões e bailões ao longo das BRs - estão as irmãs Galvão, com repertórios que não ficam apenas no regional mas podem chegar até ao kitsch urbano ("Prisioneira", Claudio Fontana) ou mesmo a baianice da dupla Antônio Carlos-Jocafi ("Gato Angorá"), presentes no repertório de seu último álbum - no qual, entretanto, a maioria das faixas fica com a dupla Carlos Randal-Jotha Luiz.
Dentro de uma linha de música bem humorada, buscando sempre as citações e palavras de duplo sentido - ou ao menos insinuantes em sua liberalidade - duas nordestinas que regionalmente também têm público seguro e garantem os investimentos feito pela Continental - de todas as gravadoras, a que mais se preocupa com a manutenção de um repertório extremamente popular - estão Cremilda e Hermelinda.
Autênticas em suas simplicidades, estas duas senhoras têm a alegria espontânea de quem faz música para um público sofrido, salário mínimo e que deseja no vanerão, no forró ou simplesmente em seu radinho de pilha escutar aquele canto de raízes nordestinas, com toques picarescos e que estabelece uma comunicação imediata. Sem preconceitos, assim precisa ser entendido Cremilda ("Amor Escondido") em faixas como "Mama na Vaca Quem Quer", "Ventinho Safado", "Tá Pegando Fogo" ou "A dança do Cachorro".
Enviar novo comentário