A nossa noite Vazia
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de março de 1978
Apesar do pessimismo que cerca os comerciantes da noite curitibana, um deles, Elmo (Valtrick), "o garçon-artista", como gosta de se apresentar, decidiu investir parte do prêmio de Cr$ 2,5 milhões que recebeu na Loteria Esportiva, num projeto que muitos consideram "loucura": a construção de uma super casa- noturna, em formação de um avião, no bairro de Santa Felicidade.
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A terraplenagem da área já está sendo feita e a construção - um avião ao estilo do "Jatão Colorido" da Tranbrasil - deve ficar pronta até julho, quando a casa - com o nome de "O Jatão", será inaugurada. Terá uma área de 410 metros quadrados, na extensão de 41x10 metros, com 112 mesas e capacidade para 360 pessoas. Se localizará ao lado da "La Rond", restaurante dançante que Elmo comprou há quatro anos e que é uma das casas mais freqüentada por casais que preferem ambientes escuros, discretos e que, na seqüência, sempre garantem movimentos dos hotéis de alta rotatividade, dois dos quais em Santa Felicidade: o "Rebu" e o "Flamengo".
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Elmo Valtrick, 33 anos, lageano que chegou a Curitiba em 1970, se destacou já em seus primeiros dias de funcionários do restaurante Carreteiro, por suas habilidades artísticas. Simpático e imaginoso, conseguiu, comprar uma primeira casa, o restaurante "Sete Belo", passando depois para o "La Rond". Um dos sete paranaense premiados há alguns meses pela Loteria Esportiva, pode agora investir mais de Cr$ 1,5 milhão na construção do "Jatão", que pelas suas características e originalidade de construção será uma casa diferente em Santa Felicidade, o gastronômico bairro de Curitiba.
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Desde segunda-feira, o ex-deputado Sinval Martins, e seu sócio e irmão, Zeito, cancelaram os contratos com os músicos que tradicionalmente garantiam a música ao vivo do Carreteiro, um dos restaurantes de maior freqüência turísticas da cidade. Desanimados com o baixo movimento e preocupados com os altos custos operacionais - além do pagamento dos profissionais, também as taxas do ECAD - os irmãos Martins, a exemplo de outros comerciantes noturnos, acabaram optando pela música de fita. ( Ao menos entressafra turística, quando cai o movimento das casas). Orlando Wendler, 53 anos, irmão de Paulo Wendler (1914-1964) - que foi o "Rei da Noite" curitibana nos anos 50, é que há uma década movimenta o maior (inferninho da cidade, o "Star Dust", na Praça Osório, está em negociações com um comerciante paulista, para vender a sua casa. Se chegar ao preço que pretende - Cr$ 1 milhão - vai se afastar da noite e se dedicar ao ramo industrial, no setor de confecções.
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essas duas notícias, mais apropriadas a uma coluna de vida noturna, hoje inexistente na imprensa paranaense, mas que no ano passado, os jornalistas Enock de Lima Pereira ("Mauro", "A Grande Noite") e Renato ("Reinaldo Egas, "Ecos da Noite") editavam nos jornais "Tribuna do Paraná" e "Correio de Notícias", respectivamente, justificam-se. É que traduzem uma triste decadência da cada vez mais vazia noite da cidade. Restaurantes que dispensam músicas e comerciantes tradicionais do setor, que praticamente nunca tiveram outra ocupação, pensando em se dedicarem a novos negócios. Hoje não chega a meia dúzia o número de casas noturnas, mesmo as da barra pesada, como Star Dust, Graceful (Alameda Cabral), Pindusã, Naiá Drinks (Rua 13 de Maio), Cavanhaque`s, ( Rua Presidente Faria), etc. Na maioria delas, melancólicas música de fita, poucos fregueses, apesar da presença de mulheres embonecadas e que procuram dividir sua solidão e aumentar suas rendas. Os preços cada vez mais elevados - hoje uma noitada não fica por menos de Cr$ 2 mil, e como diz um velho garçom, Lima, "o cansaço dos velhos e poucos boêmios", parece ter esvaziado mesmo as casas noturnas.
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Poucos restaurantes noturnas se dispõem a manter música ao vivo e shows com atrações, já que o custo dos espetáculos muitas vezes não é compensado nem mesmo com a cobrança do "couvert". O Mouraria, de Fernando Zeni, é uma das poucas casas ainda a funcionar neste esquema. Assim, mesmo, os riscos são grandes: se um artista, como o compositor e cantor Lúcio Cardim, autor de "Martins & Filial", que ali esteve no último fim de semana, atrai um razoável público, no meio da semana a casa fica vazia. E não há recursos para manter shows em todas as noites.
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A verdade é uma só: nunca a noite esteve tão vazia.
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