O build-up para uma modelo internacional
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de fevereiro de 1987
Impressionado com a modelo na capa da revista "Quem", edição da segunda quinzena de junho de 1986, o diretor de arte de uma agência das mais famosas de São Paulo telefonou há alguns dias para a jornalista Marcelina Quadros Achcar, coordenadora da publicação, desejando saber onde localizar "esta belíssima mulher".
Constrangida, marcelina teve que explicar ao publicitário que a Marie-Therèse Pellisier D'Aboncourt, citada na capa, na verdade não existia. É que o experimentado profissional viu apenas a capa, solta, e não leu o delicioso texto de Valêncio Xavier ("As Duas Verdades De Uma Mulher"), que explicava a inteligente armação do fotógrafo Daniel Katz.
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Assim como o publicitário paulista, centenas de leitores da "Quem" também ficaram entusiasmados com a terna sensualidade e meiga beleza de Marie-Therèse, apresentada não só na belíssima foto de capa, em cores, mas também internamente, em mais sete outras imagens - quatro delas montadas - duas como cover girl das revistas "Bazaar" e "Burda", e duas em anúncios sofisticadíssimos do Choc de Cardin e Christian Dior.
O texto, imaginativo e simpático, de Valêncio Xavier a apresentava de uma forma notável, citando-a como a mais bem paga modelo da França, disputada pelas lentes de mestres das imagens como Patrick Demarchelier, Jean Pagluuso, Byron Newman, Francis Giacobetti, Richard Avedon, Norman Parkinson e outros. Até um poema de Maurice Scéve (sic), foi usado por Xavier para definir a beleza de Marie-Therèse:
Olhai-a! Toda a/
armonia do amor flui/
do seu corpo esbelto, do
feitio de sua boca.
Um jeito, um ar, um
gesto seu
Os olhos nos prendem em
súbita beleza./
Quem a pode fotografar?
Olhai-a, isso sim
Como pode a fria foto
Registrar a vida, a cor
o amor?
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Na verdade Marie-Therèse Pelisier D'Abancourt nunca existiu.
O nome, como o texto, foram criados por Valêncio Xavier. Assim como o fotógrafo Daniel Katz transformou uma modesta, anônima, tímida dona-de-casa e cantora semi-amadora, Marília Giller, nesta imagem de modelo. Acompanhada de seu nervoso marido, Paulo Sérgio Branco, Marília começou cantando no conjunto Arco-Íris que, nos bons tempos em que José Maria Santos dirigia o bar-restaurante "Ponto de Encontro", nos fundos do Teatro da Classe, tinha uma boa freqüência. Depois, com a decadência daquele endereço - transformado em ambiente gay, até o seu fechamento, há algumas semanas, o grupo se desfez. Marília, uma voz afinada, passou a cantar - sempre acompanhada do vigilante marido, esforçando-se como baterista - em outros bares da cidade, como o inflamado Camarin'S. O fotógrafo Daniel Katz, acostumado a fotografar dondocas, panteras e panterinhas para publicações sofisticadas, imaginou então transformá-la numa "modelo internacional". Dalila Almeida Muniz fez a produção e com o talento do cabeleleiro Miro, a beleza - nem sempre realçada de Marília - foi destacada, transformando-a numa modelo internacional.
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A brincadeira valeu! Fotos de Marie-Therèse, distribuídas aos colunistas sociais da cidade, foram publicadas com destaque, fazendo com que os leitores vissem uma (belíssima) lebre por (tentadora) coelha. E se Marília quiser fazer carreira como modelo, já tem meio caminho andado. Ou melhor, fotografado...
LEGENDA FOTO - Marie-Therèse mas podem chamá-la de Marília.
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